RAÍZES DA FÍSICA PARAENSE

[Homenagem aos físicos brasileiros Jayme Tiomno (1920-2011), Roberto Aureliano Salmeron (n.1922) e Paulo de Tarso Santos Alencar (1940-2011)]

1. Os Primeiros Professores de Física em Belém do Pará

Parece haver sido no Curso de Filosofia do Colégio Pará, ministrado por volta de 1658, na Igreja de Santo Alexandre, no Largo da Sé, o início do ensino da disciplina Física, em Belém do Pará, cidade no norte do Brasil, fundada em 12 de janeiro de 1616, pelo Capitão-mor português Francisco Caldeira de Castelo Branco [1566-c.1620(?)]. Essa disciplina, juntamente com as disciplinas Elementos de Geometria, Filosofia Racional, Latim, Retórica e Teologia constituíam o currículo daquele Curso (cujo arquivo encontra-se no Vaticano, daí não haver nenhuma informação disponível, aqui em Belém, sobre o mesmo), segundo nos conta o padre e historiador português Serafim Soares Leite (1880-1969) em sua História da Companhia de Jesus no Brasil, Volume IV (Imprensa Nacional, 1943). Somente muito mais tarde, em 1890, o médico Antônio Marçal retomaria o ensino de Física em Belém do Pará, ministrando aulas práticas dessa disciplina, que fazia parte do Gabinete de Physica, Chimica e Sciencias Naturaes, da então Escola Normal do Pará (hoje, Instituto de Educação do Estado do Pará), fundada em 13 de abril de 1871. Por sua vez, em 1893, o médico Joaquim Tavares Vianna ministrou as aulas práticas de Física para o Gabinete de Physica, Chimica e História Natural do então Lyceu Paraense (hoje, Colégio Estadual “Paes de Carvalho”), fundado em 28 de junho de 1841
Em nível superior, o ensino da Física iniciou-se em 1904, com a instalação da Escola de Farmácia (EF), que havia sido criada em 1903. Nessa Escola, a Física era ensinada na disciplina Física Aplicada à Farmácia, por intermédio do farmacêutico e bacharel em Direito Antônio Augusto de Carvalho Brasil. Porém, dificuldades na manutenção da EF levaram a sua extinção em 1935. Contudo, graças à Associação Farmacêutica do Pará, a EF ressurgiu em 1941, desta vez com a disciplina Física Aplicada à Farmácia sendo ministrada pela farmacêutica Philomena Cordovil Pinto. Na Faculdade de Medicina, fundada em 1919, o médico Mário Midosi Chermont tornou-se o primeiro professor da disciplina Física Médica. Ainda em 1919, a Escola de Agronomia do Pará, criada pelo Centro Propagador de Ciências e instalada em 1918, passou a se chamar de Escola de Agronomia e Veterinária do Pará (EAVP) e, nela, os professores Daniel Queiroz e Antônio Brasil foram os primeiros a ministrarem aulas de Física Agrícola. Como acontecera com a EF, a EAVP foi extinta em 1943 e recriada logo depois, em 1945, agora com o nome de Escola de Agronomia da Amazônia. Nesta, a Física Agrícola passou a ser ministrada, a partir de 1951, pelo engenheiro civil Antônio Gomes Moreira Junior. Em 1920, com a criação da Escola de Chimica Industrial do Pará, os primeiros professores de Física foram Antônio Marçal e o farmacêutico e dentista João Renato Franco. Com a criação da Escola de Engenharia do Pará, em 1931, a Primeira e a Segunda Cadeira de Física, foram lecionadas pelos engenheiros Manoel Leônidas Albuquerque e Pedro Fabbri, e pelo químico industrial Raymundo Felipe de Souza, a partir de 1932.
Em 1947, o Centro Propagador de Ciências criou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém (FFCLB) e, entre os diversos cursos propostos por ela, encontravam-se o de Matemática e o de Física, que tinham, em seus currículos as seguintes Cadeiras de Física: Física Geral e Experimental; Mecânica Racional, Mecânica Celeste e Física-Matemática; Física Teórica e Superior; e Física Nuclear. Embora criada em 1947, a FFCLB só foi autorizada a funcionar em 1954, inicialmente para o Curso de Matemática, uma vez que a falta de professores especializados e a insuficiência de laboratórios, não permitiram o funcionamento do Curso de Física. Para o Curso de Matemática, seu currículo exigia apenas as Cadeiras de Física Geral e Experimental e de Mecânica Racional, Mecânica Celeste e Física-Matemática. Logo em 1955, o professor Antônio Brasil assumiu a Cadeira de Física Geral e Experimental, e o matemático e engenheiro civil Ruy da Silveira Britto assumiu a Cadeira de Mecânica Racional, Mecânica Celeste e Física-Matemática.
As razões expostas acima a respeito do não funcionamento do Curso de Física, aliado ao fato de que, os formados em Matemática por aquela Faculdade, tinham direito de lecionar as disciplinas Física e Matemática, fizeram com que o primeiro Vestibular para o Curso de Licenciatura em Física fosse realizado apenas em 1965, sendo esse Curso de responsabilidade do então Núcleo de Física e Matemática (NFM), criado em 1961, e que fazia parte de uma das 15 novas unidades da então Universidade do Pará, que fora instalada em 3 de julho de 1957. É oportuno registrar que os primeiros Licenciados em Física no Pará foram Ana Emília Coelho de Souza Bastos (hoje, Pinho), Carmelina Nobuko Kobayashi e José Maria Costa de Souza, formados em 1968. Registre-se, também, que o matemático e engenheiro civil Manoel Leite Carneiro assumiu a Cadeira de Mecânica Racional, Mecânica Celeste e Física-Matemática, em 1960 (em virtude da ida do professor Ruy Britto para realizar pós-graduação no Instituto de Matemática Pura e Aplicada, no Rio de Janeiro), e eu próprio, por indicação de meu amigo Manoel Leite, lecionei a disciplina Física-Matemática, quando entrei para o NFM, em agosto de 1962 (em substituição ao engenheiro agrônomo José Maria Hesketh Conduru), para o Curso de Matemática.
É ainda oportuno registrar que os primeiros professores paraenses a realizar cursos de pós-graduação foram: o engenheiro civil Djalma Montenegro Duarte, em 1947, nos Estados Unidos; o matemático Fernando Medeiros Vieira e o engenheiro civil Curt Rebello Sequeira, no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, em 1961-1962 e 1962, respectivamente, sob a orientação do físico brasileiro Horácio Macêdo. O primeiro paraense a obter o título de Mestre em Física foi o físico Antônio Gomes de Oliveira, na Pontifícia Universidade Católica, no Rio de Janeiro, em 1970, sob a orientação do físico brasileiro Sérgio Machado Rezende. E eu fui o primeiro paraense a obter o título de Doutor em Física, na Universidade de São Paulo, em 1975, sob a orientação do físico brasileiro Mauro Sérgio Dorsa Cattani.

2. Jayme Tiomno, os Mésons e a Física Paraense

No dia 14 de fevereiro, a Universidade Federal do Pará (UFPA) iniciou o ano letivo de 1986 com a Aula Inaugural proferida pelo cientista Jayme Tiomno, Professor Catedrático da Física Superior da Universidade de São Paulo (USP) e, no momento, Professor Titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
O professor Tiomno foi convidado para proferir a Aula Inaugural da UFPA, por sugestão do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa (CONSEP) (que acatou a proposta do conselheiro, professor José Maria Filardo Bassalo), sugestão aceita pelo magnífico Reitor, professor Dr. José Seixas Lourenço, não só pelas atividades de pesquisa em física teórica reconhecidas no mundo inteiro, bem como pelo papel que esse ilustre cientista brasileiro desempenhou e desempenha na formação de físicos seja no Brasil, seja no exterior, entre os quais estão incluídos alguns paraenses que desenvolvem, no momento, atividade de ensino e pesquisa em algumas universidades brasileiras. Portanto, creio ser oportuno que a comunidade paraense, particularmente a universitária, conheça um pouco da vida profissional desse importante professor brasileiro.
Filho de Maurício e Annita Tiomno e casado com a física brasileira Elisa Frota Pessoa, Jayme Tiomno nasceu no Rio de Janeiro no dia 16 de abril de 1920, havendo, contudo, freqüentado o Ginásio Mineiro de Muzambinho (cidade do triângulo mineiro) e completado os seus estudos pré-universitários no famoso Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Neste Colégio, as aulas de História Natural fizeram renascer-lhe um antigo interesse pelo estudo da Medicina, tanto que em 1938, entrou para a Faculdade Nacional de Medicina, ainda no Rio de Janeiro, onde permaneceu por três anos. Porém, ao fazer um curso de Física Biológica com Carlos Chagas Filho, o professor Tiomno percebeu ser Física o que desejava estudar. [Registre-se que, em 1941, ele era professor de Química no Colégio Anglo-Americano, em Botafogo, ocasião em que teve como aluno o futuro grande matemático brasileiro Paulo Ribenboim (Ciência Hoje 49, p. 72, 01-02, 2012)]. Assim, em 1939, prestou novo Exame Vestibular na então Universidade do Distrito Federal (UDF), havendo, desse modo, se bacharelado em Física pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), em 1941, para onde havia sido transferido ex-ofício, em virtude da extinção da UDF. No ano seguinte, licencia-se em Física por essa mesma Faculdade, onde já trabalhava como assistente da Cadeira de Física Geral e Experimental, regida pelo físico brasileiro Joaquim Costa Ribeiro. Nessa ocasião publica seus primeiros trabalhos na Revista da FNFi, respectivamente: Sobre o Teorema da Unicidade na distribuição de cargas em condutores; Sobre um problema da Teoria da Elasticidade; e Sobre um analisador harmônico mecânico, sendo que este último foi então comunicado à Academia Brasileira de Ciências. O trabalho sobre a Teoria da Elasticidade, o professor Tiomno o fez sob a influência de seu professor, o matemático italiano Luigi Sobrero. Em 1945, ainda como assistente de Costa Ribeiro, auxilia a este na compreensão teórica do fenômeno termo-dielétrico, descoberto por aquele físico, em 1944, fenômeno esse que ficou conhecido na literatura científica internacional como efeito Costa Ribeiro.
A convite do físico brasileiro Mário Schenberg, o professor Tiomno vai para São Paulo, em 1946, com uma bolsa de estudos dos Fundos Universitários de Pesquisas, quando então começa seus estudos em Física Moderna, pois, até então, seus conhecimentos de física eram praticamente restritos à Física Clássica. Em 1947, é nomeado Primeiro Assistente de Física Superior e Mecânica Racional, Cadeira essa pertencente à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP) e regida por Schenberg. É ainda nesse ano de 1947, que o professor Tiomno começa a produzir seus primeiros trabalhos de nível internacional, como os produzidos com o físico brasileiro Walter Schutzer (Sobre as derivadas do campo de radiação do elétron puntiforme com spin, Anais da Academia Brasileira de Ciências 19, p. 333); com o físico brasileiro José Leite Lopes (On the próton-proton scattering at 14.5 Mev, Physical Review 72, p. 731); com o matemático brasileiro Leopoldo Nachbin (Sobre o Teorema Fundamental da Álgebra Hipercomplexa de Sobrero); e com Schenberg (The deflection of light in a gravitational field).
A necessidade em cultivar seu talento para a compreensão dos fenômenos físicos, levou o professor Tiomno à Universidade de Princeton com uma bolsa de estudos Buenos Aires Convention, do United States Office of Education, onde chegou em 1948 para fazer pesquisas e estudos em pós-graduação, sobre a orientação do físico norte-americano John Archibald Wheeler. Inicialmente, realizaram um trabalho sobre Relatividade Geral, mas logo começaram a trabalhar em Física das Partículas Elementares, principalmente no problema relacionado à produção de mésons primários ( ) e mésons secundários ( ), observada na célebre experiência de C. M. G. Lattes, H. Muirhead, G. P. S. Occhialini e C. F. Powell – o Grupo de Bristol -, em 1947. O estudo do decaimento do méson- e da captura desse mesmo méson levaram Tiomno e Wheeler a proporem uma interação tipo-Fermi para explicar tais fenômenos, o que significava atribuir spin ½ a esse méson. Aliás, tal idéia já fora proposta pelo professor Tiomno ao assistir no Brasil, no segundo semestre de 1947, a um seminário apresentado pelo físico brasileiro Lattes sobre aquela célebre experiência. Esse hoje famoso trabalho de Tiomno e Wheeler foi apresentado no Centennial Meeting of the American Association for Advancement of Science, realizado em Washington, DC, em 15 de setembro de 1948, e publicado no Review of Modern Physics 21, pgs. 144; 153 (1949). Como o físico italiano Giampietro Puppi havia publicado um trabalho no Nuovo Cimento 5, p. 587 (1948) onde expusera idéia semelhante, tal teoria é hoje conhecida na literatura Universal como triângulo de Puppi-Tiomno-Wheeler. É oportuno salientar que a universalidade da interação fraca de Fermi, foi pela primeira vez equacionada por Tiomno e o físico sino-norte-americano Chen Ning Yang na Physical Review 79, p. 495 (1950) por intermédio de argumentos de simetria. Aliás, é nesse trabalho que foi cunhado o termo interação universal de Fermi (UFI).
Depois de obter em 1949 o diploma de Master of Arts na Universidade de Princeton, o professor Tiomno ganhou uma bolsa de estudos da Rockfeller Foundation para prosseguir suas pesquisas e concluir seu Doutoramento naquela mesma Universidade norte-americana, o que ocorreu em 1950, agora sob a orientação do físico húngaro Eugene Paul Wigner [Prêmio Nobel de Física (PNF), 1963], já que seu mestre e amigo Wheeler havia viajado para a Europa. Em sua Tese de Doutoramento intitulada Teorias do neutrino e a dupla desintegração beta, apresentou novas idéias envolvendo o operador de projeção . No entanto, entre as combinações envolvendo esse operador, não considerou a combinação ( ), justamente por esta violar a paridade. É oportuno observar que foi justamente essa combinação que levou os físicos sino-norte-americanos Tsung-Dao Lee e Yang, em 1956, a formular a violação da paridade nas interações fracas, o que lhes valeu o PNF de 1957. Aliás, é interessante reproduzir um diálogo ocorrido entre Yang e Tiomno que não havia considerado aquela combinação com o operador , porque a mesma conduzia à violação da paridade, Yang lhe respondeu: – Então eu tive sorte de me haver formado com Fermi, pois este não acreditava na conservação da paridade como um dos princípios fundamentais da Natureza. Ainda em sua Tese de Doutoramento, o professor Tiomno encontrou a possibilidade de um bóson neutro ser diferente de sua anti-partícula, o que, aliás, ocorre atualmente com o bóson neutro e sua anti-partícula . Ainda em 1950, o professor Tiomno participou do Curso de Verão de pós-doutoramento da Universidade de Wisconsin, e durante a sua permanência em Princeton, freqüentou os vários Seminários do famoso Institute for Advanced Studies, do qual fazia parte o físico germano-norte-americano Albert Einstein (PNF, 1921). Por ocasião desses Seminários, ele interagiu com físicos famosos como Abraham Pais, A. Wightman, Robert Oppenheimer e Yang, chegando mesmo a ter uma entrevista com Einstein.
Ao concluir seu Doutoramento em Princeton, o professor Tiomno volta ao Brasil para iniciar uma nova e profícua etapa de sua carreira, a de Chefe de Pesquisas. Inicialmente na USP, organizou um grupo de pesquisas no qual participaram os físicos brasileiros Leo Borges Vieira, Shigeo Watanabe, Abraham Zimmermann e Paulo Saraiva Toledo. Ao mesmo tempo, realizou trabalhos em colaboração com Schutzer e o físico norte-americano David Bohm. O trabalho que fez com Schutzer [On the connection of the scattering and derivative matrices with causality, Physical Review 83, p. 249 (1951)] recebeu citação do físico norte-americano Murphy Goldberger, da Universidade de Princeton, num artigo que escreveu em 1969 para comemorar os quinze anos da Teoria da Dispersão, como um dos precursores do campo. No entanto, tal atividade de pesquisa na USP foi interrompida devido à transferência para o Rio de Janeiro, onde passou a ensinar como professor regente do Curso de Teoria Eletromagnética da FNFi e a pesquisar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), onde com Leite Lopes e depois com o físico austríaco Guido Beck formou e desenvolveu o Departamento de Física Teórica. É neste Departamento que vários físicos brasileiros, hoje de renome internacional, formaram-se ou completaram sua formação científica, dentre os quais se destacam: Adel da Silveira, Antônio Luciano Leite Videira, Colber C. Oliveira, Erasmo Madureira Ferreira, Gabriel Fialho, Moysés Nussenzveig, Jorge André Swieca, Juan José Giambiagi (argentino). Luís Carlos Gomes, Nicim Zagury e Samuel W. MacDowell, com os quais publicou uma série de trabalhos. Além dessa atividade de pesquisa no CBPF, o professor Tiomno foi responsável pela organização do Departamento de Ensino e Laboratórios Didáticos bem como da coleção de pré-publicações Notas de Física, desse importante Centro de Pesquisas Físicas. Na FNFi criou o Curso de Meteorologia, o primeiro no Brasil e implantou cursos de Física Tecnológica que não resistiram a seu afastamento para a Universidade de Brasília (UnB), em 1965.
Durante a década de 1950, o professor Tiomno realizou uma série de pesquisas, seja isoladamente, seja em colaboração com brasileiros e estrangeiros (dentre esses se destacam S. Kamefuchi, famoso físico japonês e um dos principais autores da Teoria da Para-Estatística, e Abdus Salam, autor juntamente com o físico norte-americano Steven Weinberg da Teoria Unificada entre interação fraca e eletromagnética, Teoria essa que valeu a eles e ao físico norte-americano Sheldon Lee Glashow, o PNF de 1979). Entre tais trabalhos, o que publicou na Nuovo Cimento 1, p. 226, em 1955, sob o título Mass reversal and the Universal Interaction, é considerado um dos precursores da famosa Teoria V – A (Vector minus Axial vector) com quebra de paridade, que universalizou a interação fraca Fermiana. Tal fato foi reconhecido pelo físico norte-americano Robert Eugene Marshak por ocasião de sua intervenção na International Conference on 50 years on Weak Interactions: from Fermi to the W, realizada entre 29 de maio e 1 de junho de 1984, em Wisconsin, nos Estados Unidos. [É oportuno observar que Marshak, em 1957, juntamente com o físico indu-norte-americano Ennackel Chandy George Sudarshan, e mais os físicos, os norte-americanos Richard Phillips Feynman (PNF, 1965) e Murray Gell-Mann (PNF, 1969), e o japonês Jun John Sakurai, em 1958, desenvolveram independentemente essa Teoria V – A.] Naquele trabalho, o professor Tiomno havia chegado à conclusão de que a hipótese da “mass reversal invariance”, hipótese que ele já havia considerado em sua Tese de Doutoramento (1950) e redescoberta por D. C. Peaslee (1952) levaria a duas classes de interação de Fermi: S – P + T (Scalar plus Pseudoscalar minus Tensor) ou V – A (Vector minus Axial), com conservação de paridade. No entanto, o fato de estar no Brasil fora do fluxo de idéias e informações fez com que o professor Tiomno escolhesse a alternativa S – P + T, por motivos experimentais que indicavam a existência de S e T, apesar de sua esposa, Elisa Frota Pessoa, com a colaboração da física brasileira Neusa Margem, em trabalho publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências 22, p. 371 (1950), haver mostrado, usando emulsões nucleares que a desintegração do méson em elétron ( ) era, pelo menos, cem vezes menos freqüente que a desintegração em méson . Isso é incompatível com a presença de P na corrente fraca S – P + T.
Em 1957, o professor Tiomno publicou três trabalhos importantes e que, de certa maneira, foram precursores da famosa Teoria do Octeto desenvolvida, independentemente, em 1961, por Gell-Mann e pelo físico israelense Yuval Ne´eman. Nesses trabalhos [Barion and Meson Interactions, Proceedings of the 1957 International Conference on High Energy Nuclear Physics at Rochester; On the Theory of Hyperons and K Mesons, Nuovo Cimento 6, p. 69 (1957); Note on the Gamma Decay of Neutral pi-Mesons, Nuovo Cimento 6, p. 255 (1957)], Tiomno propõe a simetria global que generaliza o espaço de spin isotópico . Contudo, tal grupo, por conter simetrias demais, dava lugar a processos proibidos, a leis de conservação não observadas. Ne´eman, então aluno de Salam no Imperial College, na Inglaterra, ao trabalhar com o , por sugestão do próprio Salam, observou que as dificuldades apontadas acima seriam contornadas se esse grupo fosse ampliado até 8 dimensões, já que este, o , tinha o como sub-grupo, cujas representações poderiam ser melhor aplicadas à Física das Partículas Elementares. Independentemente, nos Estados Unidos, Gell-Mann também chegara ao . Nesse modelo os mésons e os bárions, até então conhecidos, eram agrupados em supermultipletos de 8 elementos, e suas relações de massas confirmadas dentro do erro experimental. No entanto, o maior triunfo de tal teoria foi a previsão de uma nova partícula, a , cuja descoberta ocorreu em fevereiro de 1964, por V. E. Barnes e colaboradores, com as características previstas pela Teoria do Octeto. (Graças ao seu trabalho com o octeto, Gell-Mann recebeu sozinho o PNF de 1969, muito embora o nome de Ne´eman também tenha sido aventado para ser nominado a esse Prêmio.) É interessante observar que a comunidade brasileira também reconheceu o trabalho do professor Tiomno no sentido desse trabalho contribuir para o entendimento dos fenômenos físicos relacionados com os constituintes fundamentais da matéria, bem como o seu papel na formação de uma Escola de Físicos no Brasil, pois que, em 1957, foi-lhe outorgado o primeiro e o maior prêmio científico brasileiro – o Prêmio Moinho Santista de Ciências Exatas.
Ao finalizar a década de 1950, o professor Tiomno fez outro importante trabalho intitulado On the K´ meson, apresentado no 1960 International Conference on High Energy Physics at Rochester. Neste trabalho, foi prevista a existência de um novo méson, análogo ao méson , de spin zero, porém de paridade oposta, com massa aproximada de 650 Mev, e relacionado com as interações fortes. Nessa mesma Conferência, Gell-Mann fez uma proposta análoga a essa, porém, para ele, tal partícula estaria relacionada às interações fracas. O professor Tiomno, contando com a colaboração de seus ex-alunos Zagury e Videira, publicou então um trabalho mais detalhado sobre esse assunto na Physical Review Letters 6, p. 120 (1960), sob o título: Possible existence of a new (K´) meson. Esse importante fato científico, foi também comunicado à Academia Brasileira de Ciências, na sessão do dia 9 de maio de 1961, por Tiomno, Zagury e Videira. Em tal comunicação, era aventada a hipótese de ser 1 o spin desse novo méson. Ainda em 1961, o grupo experimental da Universidade de Berkeley, sob a liderança de Harold K. Ticho anunciou a descoberta de um novo méson, denominado de , com as propriedades previstas nos trabalhos do professor Tiomno, e com a massa de .
Iniciou a década de 1960 e o professor Tiomno continuou ensinando na FNFi e pesquisando no CBPF. Na primeira metade dessa década, começou a participação efetiva do professor Tiomno e da professora Elisa, na formação de físicos paraenses. O primeiro paraense a ter contato com esses dois professores foi Carlos Alberto Dias já que o mesmo fazia o Curso de Bacharelado em Física na FNFi/CBPF. Ao terminar este Curso, o professor Dias veio a Belém para ministrar um Curso de Física Atômica, recomendado pelos professores Tiomno e Leite Lopes ao então Reitor da UFPA, professor José Rodrigues da Silveira Neto. Frequentaram esse Curso, ocorrido no princípio de 1962, cerca de 20 pessoas, dentre eles professores e alunos ligados ao Núcleo de Física e Matemática (NFM) da UFPA, inclusive eu próprio. Com a vinda do professor Dias a Belém, iniciamos, ele e eu, um processo que visava à formação de paraenses, quer em Física, quer em Geologia, por intermédio de uma seleção de docentes e alunos, quer da UFPA, quer do Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), pois eu era também professor àquela época desse Colégio Público. Assim, ainda em 1962, seguiram para a FNFi/CBPF alguns paraenses a fim de estudar Física: Curt Rebello Sequeira, professor do NFM, Carlos Alberto da Silva Lima e Marcelo Otávio Caminha Gomes, alunos da Escola de Engenharia do Pará (EEP). (A ida desses paraenses para a FNFi/CBPF foi estimulada e apoiada pelo professor Djalma Montenegro Duarte, então Diretor do NFM, que conseguiu bolsas de estudo da UFPA para eles. Estes, na FNFi/CBPF, juntaram-se ao também paraense Fernando Medeiros Vieira, professor da UFPA que fazia estágio de pós-graduação no CBPF, trabalhando sob a orientação do professor Horácio Macêdo no Laboratório Didático deste Centro. A indicação do professor Horácio ao professor Vieira havia sido feita pelo professor Tiomno.
A partir de 1963, alguns alunos concluintes do Curso Científico do CEPC foram por mim selecionados e encaminhados à FNFi, a fim de prestarem Exame Vestibular. A estes, juntaram-se outros alunos da UFPA, os quais foram transferidos para o Rio de janeiro. A maioria desses paraenses foi estudar no sul do país com bolsas de estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), graças à visão científica de seu então Diretor, professor Djalma Batista, e da antiga Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA), atual Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Os paraenses que saíram de Belém para estudar Física no Rio de Janeiro foram: Herberto Gomes Tocantins Maltez, José Seixas Lourenço, José Ricardo de Souza e Sérgio Guerreiro. Estes, juntaram-se a outro paraense que, por conta própria foi estudar Física na FNFi: Rubério Prado Britto. É importante realçar que quase todos esses estudantes já concluíram o Doutoramento, e estão trabalhando e pesquisando em várias Universidades Brasileiras. Carlos Lima, por exemplo, é professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Herberto Maltez é professor da UFPA, Lourenço foi Reitor da UFPA (1985-1989), Marcelo Gomes é professor da USP, Ricardo é professor da UFPA e Sérgio é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Em 1965, o professor Tiomno foi para Brasília com a finalidade de, juntamente com os físicos brasileiros Roberto Aureliano Salmeron (que fora para lá em 1964) e a professora Elisa implantar o ensino e a pesquisa em Física na UnB, uma vez que o Movimento Militar que eclodiu no Brasil em março de 1964, praticamente extinguiu o CBPF e desestabilizou a FNFi, por considerá-la um antro subversivo. A eles se juntou depois o físico brasileiro Fernando de Souza Barros e sua esposa, a física argentina Suzana Barros e outros. É nesse mesmo ano de 1965, que mais cinco paraenses: eu próprio, Antônio Gomes de Oliveira, Antônio Fernando dos Santos Penna, José Augusto Dias e Luís Fernando da Silva (estes três últimos engenheiros civis recém formados pela EEP), fomos para Brasília, a fim de estudarmos Física, com bolsas de estudo do Centro Latino Americano de Física (CLAF), dirigido à época pelo físico brasileiro Roberto Costa. A fim de justificar a concessão de tais bolsas por parte do CLAF, já que tal organismo só concedia bolsas para fora do Brasil, o professor Tiomno sugeriu ao professor Roberto Costa que considerasse o Norte do Brasil como sendo uma região exterior. No Instituto Central de Física (ICF) da UnB, que era dirigido pelo professor Tiomno, esses cinco paraenses juntaram-se aos paraenses Carlos Lima, Marcelo e Sérgio que, juntamente com alunos de outras partes do Brasil e da América Central e Latina, constituíram as turmas do 3o e 4o anos de Física da UnB. É importante observar que Antonio Penna é hoje professor da UNICAMP, Augusto Dias é professor da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória, eu, Antônio Gomes e Luís Fernando, somos professores da UFPA, todos nós com estudos pós-graduados lato e stricto(us) sensu (mestre e doutor).
Infelizmente a crise que ocorreu na UnB, em 1965, devido à intolerância do Regime Militar implantado no Brasil a partir de 1964, fez com que mais de 200 professores àquela época, solicitassem demissão da UnB, fato esse que fez com que o professor Tiomno voltasse ao Rio de Janeiro, retomando a sua atividade de pesquisa. A partir de 1967, iniciou com os físicos argentinos Giambiagi e Carlos Guido Bollini, uma profícua colaboração que se estendeu por quase 20 anos. Fechada a FNFi, com o CBPF em ruína científica, e preocupado com a formação de físicos, que já havia sido por duas vezes interrompida, o professor Tiomno prepara-se para fazer o concurso para a Cátedra de Física Superior da FFCL/USP, a qual conquistou em fins de 1967. Assim, a partir de 1968, o professor Tiomno tentou organizar pela terceira vez um grupo de pesquisas desta vez na USP. Para isso, convidou pessoas para comporem tal grupo dentre os quais dois paraenses: eu próprio e o Marcelo Gomes. Na USP fiz Mestrado (1973) e Doutorado (1975), sob a orientação do físico brasileiro Mauro Sérgio Dorsa Cattani, e o Marcelo fez Mestrado, com o professor Swieca, de vez que seu Doutoramento ele o defendeu em Pittsburg, nos Estados Unidos. Novamente a intolerância do Regime Militar Brasileiro, agora de posse de um instrumento repressor, o Ato Institucional Número 5 (AI-5), editado no dia 13 de dezembro de 1968, interrompeu essa nova tentativa do professor Tiomno em criar um grupo de pesquisas em Física, pois ele e vários outros eminentes cientistas brasileiros (Leite Lopes, Elisa, Schenberg, Florestan Fernandes, etc.) foram aposentados compulsoriamente de suas Cátedras, ou posições universitárias, em um triste dia de abril de 1969. Quando essa notícia chegou aos quatro cantos do mundo houve, por parte de eminentes cientistas estrangeiros, uma consternação geral, o que provocou uma série de telegramas de protesto contra esse Ato Complementar Número 75 do AI-5, e de solidariedade aos cientistas atingidos. Por exemplo, o Nobelista Yang endereçou ao General-Presidente Artur da Costa e Silva um telegrama no qual apelava para que ele revisse a aposentadoria forçada dos professores Tiomno e Leite Lopes, já que a mesma, provavelmente, provocaria o fim da pesquisa teórica no Brasil. Eu, Marcelo e outros alunos e amigos do casal Tiomno estávamos em seu apartamento na Rua Maria Figueiredo, no Bairro Paraíso, em São Paulo, quando esse telegrama lá chegou. Era 5 de junho de 1969.
Impedido de trabalhar em qualquer Instituição Brasileira de Ensino, em conseqüência dos atos (Institucional e Complementar), ao professor Tiomno não restava outra alternativa, a não ser de emigrar. Relutou em fazê-lo, pois acreditava que a tempestade-militar que desabara sobre o Brasil era passageira, tanto que continuou a produzir trabalhos científicos, só que indicava sua residência na Rua Alexandre Ferreira, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro, para a solicitação de reprints (separatas) por parte dos interessados em seus trabalhos, já que estava impedido de ter eu nome vinculado a qualquer instituição brasileira. Percebendo então que a tempestade-militar não amainava mas, pelo contrário, estava encrespando-se cada vez mais com o governo do General-Presidente Emílio Garrastazú Medici, o professor Tiomno então aceitou o convite para ser Professor Visitante na Universidade de Princeton, onde seu mestre e amigo Wheeler o recebeu calorosamente, ao lado de eminentes físicos como Freeman John Dyson e M. Goldberger. Passa lá um ano e meio, de 1971 a 1972, parte do tempo nessa Universidade e parte no Institute of Advanced Studies, ainda em Princeton, produzindo uma série de artigos relevantes sobre a Física dos Buracos Negros, isoladamente, ou em colaboração com importantes físicos, como Remo Ruffini, C. V. Vishveshwara, L. Parker, M. Davis, R. A. Breuer, J. M. Cohen e R. M. Wald.
No entanto, a saudade do Brasil e de amigos foi tão grande, que o casal Tiomno decidiu voltar ao Rio de Janeiro, para cumprir seu exílio científico em seu próprio país. Porém, desta vez, em 1973 seus antigos discípulos e colaboradores (Swieca, Nicim, Videira e Erasmo) que trabalhavam no Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), o levaram a esse Departamento, a fim de que seu querido mestre e amigo pudesse discutir aquilo que sempre foi sua paixão: a Física, além de ministrar aulas de pós-graduação. (Aliás, esse convite já havia sido feito em 1970 ao professor Tiomno que não aceitou para não atrair represálias contra outros professores da PUC/RJ também atingidos pelo AI-5). Felizmente, a pressão do povo brasileiro fez com que a tempestade-militar brasileira fosse paulatinamente dissipada, primeiro com a abertura política patrocinada pelo General-Presidente Ernesto Geisel e depois com a anistia concedida pelo General-Presidente João Baptista Figueiredo. Com isso, o professor Tiomno então contratado como Professor Visitante da PUC/RJ pôde voltar, juntamente com a professora Elisa, ao seu antigo posto no CBPF, isto é, Professor Titular, a partir de 1980.
Nessas duas instituições brasileiras, o professor Tiomno retomou com grande vigor suas pesquisas com seus antigos colaboradores, dentre eles Giambiagi e Bollini, desenvolvendo com estes uma série de pesquisas em Teoria de Campos de ‘Gauge’. Já no CBPF, o professor Tiomno retomou o seu antigo interesse pela Relatividade (Especial e Geral), e com novos colaboradores, os físicos Waldyr A. Rodrigues, da UNICAMP, e Arthur Kós Antunes Maciel, do CBPF, realizando uma série de trabalhos nos quais são discutidos alguns tipos de experiências envolvendo corpos rígidos (do tipo Marinov) capazes de detectar possíveis violações da Relatividade Especial, conforme se pode ver nos artigos publicados na Revista Brasileira de Física 14, p. 450 (1984) e Physical Review Letters 55, p. 143 (1985). Publicou ainda trabalhos sobre Cosmologia (do tipo Goedel, universos em rotação), com os físicos brasileiros Mário Novello, Ivano D. Soares, Marcelo José Rebouças e Antonio Fernandes da Fonseca Teixeira (este, paraense). São trabalhos tanto na Teoria de Einstein como na de Einstein-Cartan. No momento (1990), o professor Tiomno está vivamente interessado em desenvolver a Física Experimental de altas energias no Brasil. Para o desenvolvimento desse tipo de Física, ele tem contribuído bastante para o sucesso do acordo entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e o FERMILAB (acordo esse que procura desenvolver aquela Física), estimulando a ida de pesquisadores brasileiros ao FERMILAB. Com a volta dos físicos brasileiros João Carlos dos Anjos, Moacyr Henrique Gomes e Souza e Alberto Franco de Sá Santoro, foi implantado um laboratório no CBPF para pesquisas nesse campo e outros desenvolvimentos tecnológicos – LAFEX -, o qual já dispõe do primeiro muiti-processador paralelo ACP (“Advanced Computer Program”) brasileiro .
Jayme Tiomno possui cerca de 100 trabalhos publicados de pesquisa original sobre Relatividade (Especial ou Restrita e Geral), Gravitação e Física das Partículas Elementares; tem participado de vários Congressos nacionais e internacionais, nos quais sempre apresentou idéias novas e promissoras em Física; pertence a várias associações científicas nacionais e internacionais [Sociedade Brasileira de Física, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Academia Brasileira de Ciências, Sigma Csi Association, International Center for Theoretical Physics, com sede em Triste, Itália]; foi Professor Visitante em várias universidades estrangeiras; é autor de livros e Monografias Didáticas e de textos sobre política científica e universitária; contribuiu e continua contribuindo para a formação de físicos paraenses. (No momento, o paraense José Guilherme Rocha de Lima, realiza seu Mestrado no LAFEX.) Este é o PROFESSOR que a UFPA convidou para proferir a Aula Magna de 1986, na qual discorreu sobre a vivência nas quatro instituições brasileiras em que trabalhou: FNFi/CBPF, ICF/UnB, FFCL/USP e DF/PUC/RJ. O professor Tiomno veio ao Pará em companhia de sua esposa, professora Elisa Frota Pessoa, também pesquisadora no CBPF.
Concluindo este artigo, é oportuno registrar que, em 06 de fevereiro de 1987, Wheeler escreveu para o físico sueco Stig Gunnar Lundqvist, do Comitê Nobel, indicando Tiomno, Sudarshan, Marshak e a física chinesa Madame Chien-Shuing Wu, para o PNF de 1987, por haverem contribuído para o entendimento das Interações Fracas. Contudo, aquele Comitê atribuiu esse Prêmio aos físicos, o alemão Johannes Georg Bednorz e o suíço Karl Alex Muller, pela descoberta das cerâmicas supercondutoras, em 1986. [José Maria Filardo Bassalo e Olival Freire Junior, Wheeler, Tiomno e a Física Brasileira, Revista Brasileira de Ensino da Física 25, p. 426 (2003)].

(Adendo: O Professor Jayme Tiomno faleceu no dia 12 de janeiro de 2011, por coincidência, data da fundação da Cidade de Belém, em 1616, cidade essa que, depois de 350 anos, ajudaria na criação da pesquisa em Física no então Departamento de Física da Universidade Federal do Pará, conforme está registrado neste artigo).

3. Roberto Aureliano Salmeron: Cientista e Gentlement

Foi com imenso prazer e honra que aceitei o convite de meu estimado amigo, professor e cientista Alberto Franco de Sá Santoro, um dos descobridores do quark top, para participar da homenagem ao também estimado amigo, o ilustre professor e cientista Roberto Aureliano Salmeron, por ocasião do XXII Encontro Nacional de Física de Partículas e Campos (XXII-ENFPC), ora em realização nesta primavera de 2001. Destacarei, aqui, alguns aspectos de minha convivência com esse gerador, gerenciador e divulgador da Ciência Física e de sua Política, nascido na cidade de São Paulo, em 16 de junho de 1922.
Meu primeiro contato com o nome do professor Salmeron ocorreu em 1953 quando, aluno do então 3o. ano do Curso Científico no querido Colégio Estadual “Paes de Carvalho’’ (CEPC), em Belém do Pará, me preparava para prestar o Exame de Vestibular, em fevereiro de 1954, para a então Escola de Engenharia do Pará. Esse contato deveu-se ao estudo que fiz em seus dois livros: Introdução à Eletricidade e ao Magnetismo e Introdução à Óptica.
Esses dois livros (que também me ajudaram bastante no preparo de minhas aulas quando comecei a lecionar a disciplina Física, no extinto Colégio “Abraham Levy’’, em 1955, e no CEPC, em 1957) destacavam-se dos livros dos autores brasileiros tradicionais usados no Curso Científico (por exemplo: Aníbal Freitas e Francisco Alcântara Gomes Filho) pela abordagem conceitual e operacional atualizada dos fenômenos físicos neles discutidos.
Segundo informação pessoal do professor Salmeron, esses livros foram escritos por ele em 1943, o de Eletricidade e Magnetismo, e por volta de 1944 ou 1945, o de Óptica (este, escrito em cinco domingos) quando era aluno de Engenharia Mecânica e Elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, já que ensinava essas disciplinas em colégios secundários e em um “cursinho preparatório’’ aos Exames Vestibulares dessa Escola. A idéia de escrevê-los decorreu do fato de que não havia, em português, textos que ensinassem essas disciplinas como ele próprio achava que deveriam ser ensinadas. Assim, começou a preparar as aulas e, à medida que eram ministradas, iam sendo taquigrafadas por um de seus estudantes. Este, juntamente com os demais colegas, solicitou ao professor permissão para preparar cópias mimeografadas e utilizá-las. Os estudantes, então, se responsabilizaram pelas despesas da impressão dessas Notas de Aula e forneceram uma cópia ao professor Salmeron. No entanto, como essas Notas eram bastante procuradas por alunos de outros colégios e “cursinhos’’ paulistas, teve início um comércio ilegal em torno delas. Desse modo, com a ajuda de um amigo, proprietário de uma pequena impressora, o professor Salmeron permitiu que elas fossem impressas em forma de livros, e então, comercializadas por um preço quase de custo.
Quando esses livros do professor Salmeron passaram a ser conhecidos nacionalmente, um de seus cunhados e grande amigo, Luiz Curimbaba Gomes, aumentou a sua tiragem e passou a distribuí-los para muitas cidades brasileiras. É oportuno registrar que, graças ao dinheiro arrecadado pela venda desses livros, o professor Salmeron conseguiu terminar seu trabalho de doutoramento em Manchester, na Inglaterra (iniciado em fevereiro de 1953 e concluído em agosto de 1955), uma vez que a bolsa de estudos que havia ganhado da UNESCO para realizar esse trabalho foi cancelada em outubro de 1953, pois havia a crença de que os físicos poderiam ser envolvidos em espionagem, em virtude do famoso caso de espionagem do casal Julius e Ethel Rosenberg, executado nos Estados Unidos, em 19 de junho de 1953. Registre-se, também, que professores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) acabam de transformar o livro Introdução à Eletricidade e Magnetismo em disco CD-ROM, como parte de um programa para melhorar o ensino da Física por intermédio do computador.
Meu convívio pessoal com o professor Salmeron aconteceu em 1965, na Universidade de Brasília (UnB). Vejamos como isso ocorreu. Para chegar ao professor Salmeron contarei alguns fatos que concorreram para esse encontro e aproveitarei esta ocasião para relembrar minha chegada a Brasília, e também falar um pouco a respeito de outros estudantes de Física. Em 1963, por motivo de doença de meu pai, Eládio, fui ao Rio de Janeiro. Nesse estado, por intermédio de meu estimado amigo Carlos Alberto Dias (hoje, um dos principais líderes da pesquisa internacional em Geofísica do Petróleo), fui apresentado ao professor Jayme Tiomno, no CBPF, cujo relacionamento, a partir daí, tornou-me admirador de seu talento científico e permitiu-me privar de sua dileta amizade.
Com o Movimento Militar ocorrido no Brasil, em 30 de março de 1964, o professor Tiomno deixou o CBPF e foi para a UnB a fim de dirigir o Instituto Central de Física Pura e Aplicada (ICFPA), aceitando o convite formulado pelo professor Salmeron, que dirigia o Instituto Central de Ciências (ICC) dessa Universidade.
Em virtude da crise nas Universidades Brasileiras, em decorrência da “caça aos comunistas’’ promovida por radicais direitistas, civis e militares, dirigentes e defensores daquele Movimento, aceitei o convite que o professor Tiomno me formulou para estudar Física na UnB. [Nessa ocasião, eu era Instrutor de Ensino na então Universidade do Pará, hoje Universidade Federal do Pará (UFPA).] Assim, no início de março de 1965, juntamente com os recém-formados engenheiros civis Antônio Fernando dos Santos Penna, Augusto José Dias e Luís Fernando da Silva, e mais o acadêmico de engenharia civil Antônio Gomes de Oliveira, fomos para o ICFPA, com bolsas de estudo do Centro Latino-Americano de Física (CLAF), dirigido pelo professor Roberto Bastos da Costa. Essa turma de paraenses que se dirigiu para Brasília foi acrescida do professor Manoel Viégas Campbell Moutinho, para estudar Matemática, e de Marcelo Otávio Caminha Gomes e Carlos Alberto da Silva Lima, então estudantes de Física, na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), no Rio de Janeiro. Em Brasília, nós paraenses e mais o carioca Mário Novello e o gaúcho Renato Parreiras Horta Laclette, moramos em uma “república’’ que se situava na Avenida W2 Sul, nos altos da Padaria Bambina. Registre-se que, na outra “república’’, situada também nos altos dessa Padaria, porém com entrada pela Avenida W3 Sul, moravam os cearenses José Francisco Julião e Newton Theófilo de Oliveira, o carioca Jayme Warszawski, o boliviano Angel Pérez Saavedra, o equatoriano Manoel Villavicencio Vivas e o nicaraguense Oscar Jimenez, todos também estudantes de Física.
Recordo-me bem do dia em que cheguei em Brasília, pois o céu estava completamente azul e corria um vento bem frio, mas suportável para um nortista. Nesse mesmo dia, depois de instalado na “república’’, juntamente com os outros paraenses recém-chegados, fui visitar o prédio do ICC, o “minhocão’’, ainda em construção. Nas cercanias do prédio, de 700 metros de comprimento, minha curiosidade de engenheiro civil me levou a conhecer o protótipo de uma casa projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, para os que habitariam o Campus da UnB. Era um “caixão de concreto armado’’ com quarto, cozinha e sanitário, em torno de 10 metros quadrados, numa distribuição magistral.
Feita essa longa digressão, retornaremos ao contato com o professor Salmeron. No ICFPA estudei as seguintes disciplinas: Teoria Eletromagnética I, II com o professor Tiomno, Física Atômica I com o professor Salmeron, Física Atômica II com o professor Fernando de Souza Barros, Eletrônica Básica I, II com o professor Dione Craveiro Pereira da Silva, e Matemática para Físicos I, II com o professor Marco Antônio Raupp. Lembro-me de que as aulas do professor Salmeron foram compiladas por mim e entregues a ele, pois pretendia transformá-las, no futuro, em um texto didático.
Ao mesmo tempo em que estudava essas disciplinas, auxiliava, juntamente com Carlos Lima e o carioca Miguel Armony, o professor Salmeron nas disciplinas Física I, II, que ele ministrava para cerca de 200 alunos do Curso Básico da UnB, das áreas das Engenharias e das Ciências Básicas (Física, Geologia, Química e Matemática). Nossa função era corrigir e discutir cerca de dez problemas semanais propostos àqueles alunos, divididos em três turmas. O texto usado era o livro de Francis W. Sears e Mark W. Zemansky, University Physics, editado pela Addison-Wesley Publishing Company Incorporation, em 1964. Esse livro iniciava com o estudo da Óptica.
Além de dirigir o ICC e ministrar duas disciplinas, o professor Salmeron participava de seminários no ICFPA, nos quais se discutiam textos de Física (teóricos e experimentais), com a presença dos professores Tiomno e Elisa Frota Pessoa, Raupp, Fernando e Suzana de Souza Barros, Dione, Luís Tahuata, Walter Cordeiro Skroch, Miguel Taube Netto, Ramiro de Porto Alegre Muniz, Carlos Alberto Ferreira Lima e dos professores visitantes, o argentino Carlos Alberto Garcia Canal e os franceses Michel Paty e Georges Durupthy.
Além de toda essa atividade, o professor Salmeron começava a preparar a UnB para receber um acelerador de partículas (ciclotron) que o general francês Charles de Gaulle, então presidente da França, ofereceu ao Brasil, aquando de sua visita ao nosso país, em outubro de 1964. Para isso, contava com a participação do professor Paty, especialista em Física de Partículas Elementares, e do professor Durupthy, especialista em Eletrônica.
Contudo, com a crise na UnB e com a saída coletiva de 223 professores, em outubro de 1965, interrompeu-se o que seria a grande Universidade Brasileira, a Universidade Utópica de Darcy Ribeiro. Aliás, essa crise foi bem descrita pelo professor Salmeron em seu livro A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965, publicado pela Editora da UnB, em 1999, e re-editado em 2005.
Sobre a crise da UnB, é interessante registrar alguns fatos relacionados ao caráter ilibado, à personalidade marcante e à extrema educação do professor Salmeron. Em uma reunião (com a presença do reitor Zeferino Vaz), na qual se discutia a idéia fixa de os militares radicais “revolucionários’’ banirem da UnB os comunistas “indesejáveis’’ e a conseqüência dessa insensatez para o futuro dos professores e alunos de Física da UnB, o professor Salmeron argumentou sobre o que representaria para o futuro do Brasil a Física que seria desenvolvida na UnB com a chegada do ciclotron. Essa argumentação foi tão convincente que levou o meu colega, o gaúcho Carlos Carreta, a fazer o seguinte comentário: – Bassalo, o professor Salmeron é um autêntico dialético-marxista. É importante notar, para registro histórico, que estavam presentes nessa reunião todos os professores e alunos do ICFPA. Aos alunos citados acima, acrescente-se: os cariocas Cássio Sigaud Filho, José Carlos e Sônia Valladão de Mattos, Maria Helena Poppe de Figueiredo, Sérgio Joffily, João Carlos dos Anjos e Miriná Barbosa de Souza, o amazonense Alberto Santoro, o paranaense José Medina, o potiguar Marcos Duarte Maia, o goiano Eliermes Arraes Menezes e os paulistas Antônio Rubens Britto de Castro e Luiz Augusto Discher de Sá.
De outra feita, quando os estudantes da UnB tomaram conta do Restaurante Universitário em protesto pelo crime que os militares estavam cometendo contra a sua Universidade, o professor Salmeron subiu em uma mesa e pediu aos alunos que não cometessem nenhum desatino. Como não foi atendido, arrematou: Então, vocês não são mais meus amigos. Essa atitude do professor Salmeron provocou o seguinte comentário de Augusto Dias: – Bassalo, o Salmeron é um verdadeiro `gentleman’. As pessoas pisam nele e ele ainda pede desculpas.
Essa educação refinada do professor Salmeron seria posta à prova, quando, ao descer no elevador de seu prédio, juntamente com um civil poderoso e ardoroso defensor da ação militar na UnB, gentilmente disse “não’’ ao convite que este lhe transmitira para aceitar as demissões dos professores e, com isso, tornar-se o reitor da UnB. Esse convite teria sido formulado, segundo esse civil, pelo próprio Presidente da República, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.
Apesar de todo o drama que vivemos com a crise da UnB, houve momentos de humor. Com efeito, certo dia, provavelmente em setembro de 1965, o professor Salmeron entrou risonho no ICC. Perguntamos a razão de sua descontração e ele respondeu: – Imaginem que o Laerte Ramos de Carvalho nos mostrou, agora, na reitoria, que estava recebendo de professores estrangeiros uma série de telegramas de congratulações pela sua atitude. Esse professor paulista, que viera substituir o professor Zeferino para destruir a UnB, não entendia, observou o professor Salmeron, que esses professores estrangeiros estavam convencidos de que o reitor estava defendendo a sua Universidade (como é natural) contra a intervenção militar, e nunca poderiam conceber que ele, reitor, era o próprio veículo dessa intervenção.
As múltiplas atividades do professor Salmeron mencionadas acima não lhe permitiram mostrar em toda a sua plenitude, pelo menos para mim, as suas atividades de cientista (Physicien Supérieur) quando trabalhou, de agosto de 1955 a dezembro de 1963, no Conseil Européen (Organization Européene) pour la Recherche Nucléaire (CERN), uma organização científica internacional localizada em Genebra, Suíça, que objetiva, principalmente, pesquisar o caráter fundamental da Física. Eu só tive oportunidade de conhecer o nível científico do professor Salmeron no momento em que comecei a me interessar pela Física das Partículas Elementares. Isso ocorreu em 1970 quando participei do III Simpósio Brasileiro de Física Teórica, ocorrido na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Nessa ocasião, conversando com o físico potiguar Liacir dos Santos Lucena (hoje, meu estimado amigo, que mais tarde colocou a Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no cenário internacional, juntamente com os físicos potiguares, também meus estimados amigos, Juarez Pascoal de Azevedo e Luciano Rodrigues da Silva) sobre a minha experiência como aluno e monitor do professor Salmeron na UnB, ele me disse: – Bassalo, você sabia que o Salmeron está citado no livro do Frazer (William R. Frazer, Elementary Particles, Englewood: Prentice Hall, 1966) por ser um dos físicos que, no CERN, em 1963, comprovaram a existência de dois neutrinos? Mais tarde, em 1978, quando comecei a escrever as Crônicas da Física, particularmente a Crônica da Física das Partículas Elementares (Tomos 1 e 2, EDUFPA, 1987 e 1990), compreendi o verdadeiro significado dessa afirmação de Liacir. Trata-se do seguinte.
Em 1930, o físico austro-norte-americano e laureado Nobel (1945) Wolfgang Pauli Junior havia proposto a existência de uma nova partícula elementar para poder explicar o decaimento beta ( ), ou seja, a transformação do nêutron em um próton e a emissão do elétron. Contudo, como essa reação nuclear não satisfazia a lei de conservação da massa-energia, Pauli propôs então a existência de uma partícula que preservava esse “dogma’’ científico. Mais tarde, em 1934, o físico ítalo-norte-americano e também laureado Nobel (1938) Enrico Fermi apresentou a teoria matemática desse decaimento, ocasião em que deu o nome de neutrino à partícula de Pauli.
Por outro lado, em 1947, a célebre experiência realizada pelos físicos, os ingleses Sir Cecil Frank Powell (laureado Nobel, 1950) e Hugh Muirhead, o italiano Giuseppe Paolo Stanislao Occhialini e o brasileiro César Mansuetto Giulio Lattes, mostrou que existiam dois tipos de mésons – mi ( ) e pi ( ) – hoje, respectivamente, múon e píon, sendo que o primeiro decorria do decaimento do secundo.
Logo depois, em 1950, os físicos norte-americanos Carl David Anderson (laureado Nobel, 1936), Robert Benjamin Leighton, Aaron J. Seriff, C. Hsiao e E. W. Cowan observaram que o múon também apresentava um decaimento, envolvendo o elétron, o neutrino de Pauli-Fermi (hoje, neutrino associado ao elétron – ) e, provavelmente, outro tipo de neutrino.
O primeiro arranjo experimental construído com o objetivo de detectar o foi idealizado pelos físicos norte-americanos Frederick Reines (laureado Nobel, 1995) e Clyde Lowain Cowan, em 1953, ao estudarem a colisão de um fluxo de neutrinos oriundos do decaimento produzido pelo reator nuclear do Hanford Engineering Works. Nessa colisão foi observada a produção de nêutrons e de pósitrons (estes descobertos por Anderson, em 1932). No entanto, as experiências realizadas durante a década de 1950 e começo da década de 1960 envolvendo neutrinos colocaram em relevo a seguinte questão: será que os neutrinos oriundos do decaimento eram os mesmos que os decorrentes do decaimento dos píons? Ou seja, será que um fluxo de neutrinos provindos do decaimento dos píons, ao colidir com prótons ( ), produziria nêutrons ( ) e pósitrons ( ) como observado por Reines e Cowan? Contudo, antes de se poder realizar tal experiência, existia a questão de se obter o feixe de neutrinos produzido pelos píons.
Em 1960, os físicos, o ítalo-inglês-russo Bruno M. Pontecorvo, o norte-americano Melvin Schwartz (laureado Nobel, 1988), e os sino-norte-americanos Tsung-Dao Lee e Chen Ning Yang (ambos laureados Nobel, 1957), em trabalhos independentes, propuseram um tipo de experiência para a produção dos neutrinos associados aos píons, qual seja: , . Essa experiência foi realizada em 1962 com o ciclotron Nevis do Brookhaven National Laboratory, nos Estados Unidos, pelos físicos norte-americanos Leon Max Lederman (laureado Nobel, 1988), Schwartz, Jack Steinberg (laureado Nobel, 1988), G. Danby, J. M. Gaillard, K. Goulianos, e N. Mistry.
Por fim, a existência de dois neutrinos [um associado ao elétron ( ) e outro associado ao múon ( )] foi confirmada no CERN, em 1963 (vide Physics Letters 13, p. 80; 86, 1964), em experiências das quais participaram o professor Salmeron e os físicos G. Bernardini, J. K. Bienlein, A. Bohm, G. von Dardel, H. Faissner, F. Ferrero, Gaillard, H. J. Gerber, B. Hahn, V. Kaftanov, F. Krienen, C. Manfredotti, M. Reinharz, P. G. Seiler, A. Staude, e H. J. Steiner. Note-se que hoje é conhecido um terceiro neutrino ( ) associado ao lépton pesado tau , partícula descoberta em uma experiência realizada no Stanford Linear Accelerator Center, em 1975, sob a liderança do físico norte-americano, o laureado Nobel (1995) Martin Lewis Perl.
Além desse relevante trabalho para o desenvolvimento da Física, o professor Salmeron deu outras contribuições, também importantes, trabalhando em vários tópicos dessa ciência, com cerca de 150 artigos publicados em revistas internacionais e em “proceedings’’ de conferências internacionais, distribuídos nas seguintes áreas: interações de raios cósmicos de altas energias; produção de partículas estranhas em raios cósmicos (nestes dois tópicos, destaque-se a descoberta do então méson tau ( ) neutro, em 1956, e da primeira produção associada de mésons K, em 1957); interações de neutrinos de altas energias; teoria de interações fracas; influência do bóson intermediário W na desintegração radiativa do méson; aniquilações antipróton-próton e produção de mésons nessas aniquilações; produção e propriedades de ressonâncias mesônicas e bariônicas; interações hadrônicas de altas multiplicidades e reações inclusivas; interações píon-núcleo; produção de pares de léptons em colisões hadrônicas; produção de mésons vetoriais, e em especial o jota/psi ( ), em colisões hadrônicas (esta área de pesquisa evidenciou que a produção dessa partícula, descoberta em 1974, decorre da aniquilação quark charme (c)-antiquark charme ( ) a energias de algumas dezenas de GeV); funções de estruturas de mésons; interações de íons pesados; procura do plasma de quarks e glúons.
Registre-se que muitos desses trabalhos resultaram de propostas de novas experiências com novos detectores (por exemplo, o famoso DELPHI) que o professor Salmeron, juntamente com outros físicos, apresentou ao CERN e que abriram novos campos de atividades dessa instituição científica. Note-se, também, que a experiência sobre a procura do plasma de quarks e glúons – a “sopa de quarks-glúons’’ – continua em andamento no CERN e decorre de um trabalho teórico sobre interações núcleo-núcleo realizado pelo professor Salmeron e publicado em 1993, na Nuclear Physics B389, p. 301. Para mais alguns detalhes sobre o trabalho científico do professor Salmeron, veja, por exemplo, seu depoimento para o jornalista Alessandro Greco no livro Homens de Ciência, Conrad Editora do Brasil, Ltda., 2001.
Paralelamente a essa função de gerador da Ciência Física, o professor Salmeron tem ainda contribuído no gerenciamento dessa Ciência, colaborando de maneira decisiva na formação e consolidação de vários grupos de ensino e pesquisa em diversas instituições nacionais e internacionais e na organização de conferências nacionais e internacionais (algumas delas, como presidente). Além disso, tem exercido diversas atividades em Sociedades e Revistas Internacionais de Física e, entre 1985 e 1989, foi Conselheiro da Royal Swedish Academy of Sciences para submeter propostas para atribuição do Prêmio Nobel de Física. Creio que o título de Directeur de Recherche Emérite do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), em Paris, França, desde outubro de 1992, resume toda essa sua atividade científica. Destaque-se, também, que o professor Salmeron tem escrito vários artigos jornalísticos alertando para o papel da Ciência, em particular da Física, para o desenvolvimento do Brasil.
Na conclusão dessa minha modesta homenagem ao professor Salmeron, quero ainda relatar três episódios relacionados ao meu convívio com esse estimado amigo e que, em meu entendimento, justificam o título desse trabalho. Quando o Serviço Nacional de Informações (SNI) impediu-me de sair do Brasil, por duas vezes, para realizar pesquisas na França, em 1972 e 1974 (por indicação de meu estimado amigo Mauro Sérgio Dorsa Cattani, do IFUSP), tentei obter uma Bolsa de Estudos da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em 1975. No entanto, apesar de uma generosa indicação do professor Salmeron a esse meu pleito, não fui contemplado com ela. Anos depois, tive a grata satisfação de saber que havia sido vencido pelo Mário Novello, estimado amigo e antigo colega da UnB, hoje um cósmologo de prestígio internacional.
Um segundo episódio refere-se ao carinho com que o professor Salmeron recebeu em Paris, cidade onde reside, a mim e a minha mulher Célia quando, em 1991, visitamos (juntamente com meu cunhado Joaquim Francisco Coelho, professor da Universidade de Harvard) essa cidade. Depois de nos oferecer um almoço em um dos restaurantes de Paris, levou-nos a conhecer alguns pontos históricos importantes dessa cidade européia. Quando nos deixou no hotel em que estávamos hospedados, perto da Gare du Nord, Célia me disse: Bassalo, que pessoa fina e educada é esse seu amigo, o professor Salmeron.
Por fim, o terceiro episódio que quero registrar diz respeito à seriedade e ao desvelo com que o professor Salmeron lida com o ser humano. Em 1999, orientei um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do aluno Walter Neil Marques de Melo, no Departamento de Física da Universidade Federal do Pará, sobre a balança de torsão de Coulomb. Para isso, era necessário consultar os artigos originais do físico francês Charles Augustin Coulomb, publicados nas Mémoires de l’Académie Royale des Sciences de Paris, em 1785. Mandei um e-mail para o professor Salmeron consultando sobre a possibilidade de ele conseguir cópias xerox desses trabalhos. Ele prontamente atendeu a esse pedido e o Walter concluiu o seu TCC.

(Adendo: O Professor Salmeron foi objeto de uma grande homenagem por ocasião da LISHEP2004 (LISHEP: LAFEX International School on High Energy Physics), que aconteceu entre 17 e 20 de fevereiro de 2004, no Instituto de Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Com efeito, no dia 18 de fevereiro desse mesmo mês foi lançado o livro intitulado Roberto Salmeron Festschrift: A Master and a Friend, em homenagem aos seus oitenta anos, ocorrido no dia 16 de junho de 2002. Esse livro editado pelos físicos, os brasileiros Ruben Aldrovandi e Alberto Santoro, e o português José Mariano Gago, foi publicado pela AIAFEX, Rio de Janeiro, 2003.)

4. Paulo de Tarso Santos Alencar: Amigo Fiel

Conheci o professor Paulo de Tarso Santos Alencar, hoje o amigo-irmão Paulo Alencar, em 1959, como meu aluno da brilhante turma do então 2o. ano científico do Colégio Estadual “Paes de Carvalho”, o lendário CEPC. Mais tarde, em 1963, o Paulo voltou a ser meu aluno na não menos brilhante turma do 2o. ano do Curso de Bacharelado em Matemática do então Núcleo de Física e Matemática (NFM) da Universidade do Pará, criada em 1957. Registre-se que o Paulo bacharelou-se e licenciou-se em Matemática, respectivamente, em 1964 e 1969.
No ano seguinte ao da conclusão do Bacharelado, Paulo e uma grande parte de sua turma, foram convidados para ensinar no NFM, na categoria de Instrutor de Ensino. Agora, como professor, Paulo passou a freqüentar seminários e cursos que eu ministrava em caráter extracurricular, no NFM, logo depois de minha frustrada permanência na Universidade de Brasília, em 1965, já por mim descrita nas Crônicas da Física, Tomo 6 (CF6) (EDUFPA, 2001). Desse modo, no final de 1965 ele participou do Curso que ministrei sobre Cálculo Avançado; em fevereiro de 1966, ele ouviu minha palestra sobre Relatividade Restrita e suas Consequências; e em julho desse mesmo ano, participou do Curso de Eletromagnetismo Clássico ministrado pela física francesa Anné Bauman, no qual eu colaborava resolvendo exercícios, colaboração essa que resultou numa crise, cujos detalhes já os apresentei no CF6.
Minha amizade com o Paulo Alencar começou a ser regida pela Geometria Hiperbólica quando o então Reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), professor Aloysio da Costa Chaves iniciou, em 1971, a institucionalização da pós-graduação [stricto(us) sensu] em nossa Universidade. Assim, sob o meu patrocínio (que constou da obtenção do aceite de instituições de ensino e de Bolsas de Estudo de órgãos financiadores), Paulo, Leopoldino e Moura iniciaram, ainda em 1971, o Mestrado em Física na Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). O Paulo, sob a orientação do professor Bruno Maffeo, concluiu seu Mestrado, no início de 1975, no mesmo ano (março) em que obtive meu Doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), com o professor Mauro Sérgio Dorsa Cattani.
Objetivando dinamizar o estudo da Física na UFPA, ainda em 1975, Paulo e eu aceitamos a dirigir, respectivamente, a Chefia do Departamento de Física da Universidade Federal do Pará (DF/UFPA) e a Coordenação do Colegiado de Física, por um período de dois anos. Foi nesse período que a “amizade geométrica não-euclidiana” com o Paulo (igualmente compartilhada com o também amigo fraterno Moura) começou a tomar forma, por intermédio do “traçado de várias paralelas a uma ‘reta’ (melhoria do nível intelectual dos paraenses que se interessam por Física e, também, pela cultura amazônica em geral)” a partir de um ponto (DF/UFPA) fora dessa ‘reta’”, quando, incentivados pelo saudoso matemático paraense Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, idealizamos, em 1975, o Curso de Especialização em Física. Porém, dificuldades ideológicas, travestidas de cientistocracia, procrastinaram o início desse Curso até 1981.
Terminado o mandato de Chefe do DF/UFPA e como não havia perspectiva para iniciar o Curso referido acima, Paulo decidiu, no começo de 1977, partir para a Universidade de Campinas (UNICAMP) para realizar o seu Doutoramento. Inicialmente, ele foi orientado pelo professor Paulo Roberto de Paula e Silva que, aliás, havia sido Membro da Banca de meu Mestrado na USP, em 1973, também orientado pelo professor Cattani. Contudo, as múltiplas tarefas do professor Paulo Roberto fizeram com que, no começo de 1979, a orientação da Tese de Doutorado do Paulo passasse a ser exercida pelo professor Sérgio Pereira da Silva Porto, famoso no cenário internacional por haver realizado (com outros físicos) nos Estados Unidos, em 1964, o primeiro espalhamento Raman com laser. A morte prematura desse físico, em setembro de 1979, fez com que Paulo voltasse para Belém, muito embora só faltasse concluir e defender a Tese que o tornaria possuidor de dois títulos de Doutor, uma vez que ele já havia obtido o título de Doutor, de outra forma, fazendo o Concurso para Livre Docente da UFPA, no final de 1977, de cuja Banca Examinadora, eu também participei como um de seus Membros.
Essa primeira “paralela” (de caráter lato sensu) que traçamos foi seguida de outra (agora, de caráter stricto sensu), qual seja, a criação do Curso de Mestrado em Física da UFPA, em 1986. Novas “lato paralelas” foram ainda desenvolvidas por nós três (Paulo, Moura e eu), quais sejam: Curso de Especialização em Física Contemporânea, em 1993, 1995 e 1997, sob o patrocínio do DF/UFPA e a ajuda financeira da Coordenação do Aperfeiçoamento do Ensino Superior do Ministério da Educação (CAPES/MEC).
Ainda em 1986, Paulo, eu e, agora, com a participação fundamental do físico paraense Antonio Boulhosa Nassar (professor licenciado da UFPA e, atualmente, professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos), iniciamos o traçado de outras das “paralelas” referidas envolvendo, desta vez, trabalhos originais de pesquisa em sistemas dissipativos tratados pela Mecânica Quântica de de Broglie-Bohm. Muitas dessas pesquisas foram temas da Tese de Mestrado de alguns professores do DF/UFPA e de outras instituições de ensino superior. Registre-se que, nessa linha de pesquisa e até o presente momento, foram publicados 19 trabalhos em revistas indexadas (nacionais e internacionais), e editado o livro intitulado Tópicos da Mecânica Quântica de de Broglie-Bohm (EDUFPA, 2003), de minha autoria, juntamente com Nassar, Paulo e Cattani.
Nesta oportunidade, creio ser interessante destacar que, ainda nesse mesmo tema de pesquisa, o Paulo orientou a Tese de Mestrado de Carlos Augusto Sarmento Ferreira, cujo principal resultado foi publicado na mais prestigiosa Revista Científica do Mundo Ocidental: a Physical Review.
Um novo conjunto de “paralelas hiperbólicas” foi ainda conduzido pelo Paulo e por mim. Desta vez, tais “paralelas” apresentaram o caráter de resgate da cultura paraense. Assim, com a participação de outros professores da UFPA e de outras instituições, eis os principais eventos desse conjunto: 1) criação, no dia 30 de agosto de 1982, da Academia Paraense de Ciências (APACi); 2) realização, no período de 17-21 de junho de 1985, do Simpósio Sobre a História da Ciência e da Tecnologia no Pará; realização, no período de 12-13 de novembro de 1986, do I Encontro de Físicos do Norte; 3) publicação, a partir de 1999, da Série- Memórias, composta das Teses de Cátedra defendidas no CEPC e na antiga Escola Normal do Pará (Memórias), e de textos sobre instituições e vultos importantes da cultura paraense (Memórias Especiais).
Agora, chegamos ao leitmotiv da homenagem que Programa de Educação Tutorial (PET) do DF/UFPA, sob a tutoria do professor Sérgio Vizeu Lima Pinheiro, está prestando ao professor Paulo Alencar: dar o nome dele para a sala onde funciona esse Programa, no Campus da UFPA, no Guamá. Registre-se que esse Programa foi criado pela CAPES e destinado a iniciar estudantes na pesquisa desenvolvida nas Universidades Brasileiras. Muito embora, eu tenha sido o primeiro professor-tutor desse Programa, em 1991-1992, contei com a colaboração do Paulo, uma vez que a formação de estudantes se enquadrava no conjunto das “paralelas” que juntos traçamos e das quais falei no decorrer deste artigo. No entanto, foi o Paulo quem, ao me suceder nessa tutoria (até fevereiro de 2000, quando então foi sucedido pelo professor Licurgo Peixoto de Brito), instalou os estudantes do PET/DF/UFPA em uma sala própria, bem como conseguiu a sua operacionalidade, dotando-os de meios computacionais para a realização de seus trabalhos de iniciação científica.
Na conclusão deste artigo, creio ser oportuno dizer que, a dedicação do professor Paulo Alencar aos seus colegas e alunos do DF/UFPA desde 1965 até quando se aposentou, já seria motivo suficiente para fazê-lo merecedor desta homenagem. No entanto, para mim que o conheço há 45 anos (desde 1959), um traço de seu caráter é que o responsável por esta homenagem: A FIDELIDADE DE SUA AMIZADE!

(Adendo: Paulo, amigo-fiel-irmão, faleceu no dia 17 de abril de 2011, no Hospital Nove de Julho, em São Paulo, depois de uma internação de mais de dois anos nesse hospital, a espera de um transplante de fígado).

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