BENEDITO JOSÉ VIANA DA COSTA NUNES¹

PERFIS

BENEDITO JOSÉ VIANA DA COSTA NUNES¹

Convidado pelo Magnífico Reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), professor Cristovam Wanderley Picanço Diniz para dizer algumas palavras sobre o professor BENEDITO JOSÉ VIANA DA COSTA NUNES nesta ocasião em que recebe o Título de Professor Emérito da UFPA, achei que seria interessante, pelo menos para mim, falar de três momentos em que tive a oportunidade de conviver mais de perto com esse ilustre professor, momentos esses importantes para a minha carreira de professor.

O primeiro momento ocorreu em 1953 quando fui seu aluno no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), na disciplina História do Brasil, cursando o então 3o Científico. Muito embora jovem (pois se encontrava no início de sua carreira de professor), o que mais me impressionou, bem como a meus demais colegas, era a clareza e a profundidade de suas aulas, uma vez que ele não se limitava apenas a descrever cronologicamente os fatos históricos mais relevantes da História de nosso país. Ele os correlacionava através de uma visão que hoje se denomina sociológica. E, mais ainda, quando fosse pertinente, Benedito Nunes fazia uma incursão filosófica nessa correlação.

Hoje, refletindo sobre aquelas aulas e as demais (e de mesmo nível) recebidas de outros professores no velho casarão da Praça da Bandeira, compreendo a razão pela qual, pelo menos nos últimos 50 anos, uma boa parte da elite política, profissional e empresarial que contribuiu para o desenvolvimento do Pará, estudou e/ou ensinou naquele casarão. Por outro lado, há outros membros dessa elite, que também engrandeceram o nosso Estado, embora não hajam passado pelo CEPC, estudaram e ensinaram em Colégios Particulares, cujo ensino era tão bom quanto o do CEPC. E por que havia esse equilíbrio? Por causa de uma lei mercadológica e hoje renegada:

O bom ensino público induz o bom ensino privado.

O segundo momento em que convivi com o professor Benedito Nunes ocorreu em 1958, na casa do professor Machado Coelho, meu sogro. Nessa casa, todas as noites, reuniam-se intelectuais: advogados, médicos, engenheiros, poetas, pintores, literatos, antropólogos, jornalistas, professores, escritores, músicos etc. (mas nem todos ao mesmo tempo, obviamente), para conversar sobre os mais variados temas. Quando essas conversas versavam sobre literatura, a discussão se tornava calorosa, principalmente entre meu sogro e seu amigo e compadre, o professor Francisco Paulo do Nascimento Mendes (“Chico Mendes”), ambos literatos. Quando havia um impasse na discussão, eles apelavam para o professor Benedito Nunes para saber quem estava com a razão. Com um sorriso, o nosso homenageado de hoje encerrava a discussão, dizendo que ambos tinham razão, apenas os enfoques é que eram diferentes. Ele, professor Benedito Nunes, quase sempre tinha um outro enfoque, contudo só o usava quando os ânimos estavam serenados.

As conversas e discussões que ouvi na varanda do Machado Coelho (como eram conhecidas aquelas reuniões) por quase 40 anos, me mostraram a importância da interdisciplinaridade na formação intelectual de qualquer pessoa. Por exemplo, por várias vezes, vi que a interpretação de um quadro ou de uma peça literária, dependia de outros conhecimentos, além dos de pintura ou de literatura e, principalmente, de História e de Filosofia.

Sobre essa interdisciplinaridade, recordo-me de um fato muito marcante em minha vida. Em 1959, alguns intelectuais que freqüentavam a varanda e sob a liderança de meu sogro, Benedito Nunes e Paulo Mendes, promoveram, por intermédio da Aliança Francesa, o Curso sobre Pintura Francesa Contemporânea. Uma das palestras desse Curso foi proferida pelo saudoso engenheiro civil e matemático Ruy da Silveira Britto (um dos freqüentadores da varanda), e que abordou o tema Matemática e Pintura. Depois de falar da importância dos princípios matemáticos e da perspectiva, usados pelo pintor italiano Piero Della Francesca, na Idade Média, concluiu sua exposição dizendo que a Topologia talvez tenha influenciado a Pintura Abstrata. Para ilustrar essa afirmação, observou que entes topológicos, como, por exemplo, a fita de Möbius e a garrafa de Klein, poderiam ser vistas como “pinturas abstratas”.

A interdisciplinaridade voltou a ser objeto principal de meu terceiro momento de convivência com o professor Benedito Nunes. Com efeito, de 1980 a 1982, os Departamentos de Filosofia e de Física da Universidade Federal do Pará (UFPA) realizaram uma série de Seminários, coordenados e dirigidos pelo professor Benedito Nunes, nos quais se discutiu uma série de temas dessas duas disciplinas. Por exemplo, recordo-me que, além de discutirmos temas puramente filosóficos e físicos, discutimos, também, assuntos nos quais havia uma relação dialética entre Ciência e Filosofia, tais como: o processo cognitivo da ciência; a intuição criadora; ciência e ideologia; ciência, tecnologia e desenvolvimento, dentre outros.

Muito embora a Filosofia fosse motivo de conversas entre mim, minha mulher Célia, meu sogro, meus cunhados e concunhados, além dos varandeiros, foram aqueles Seminários que me alertaram para a importância da Filosofia no entendimento da Física. Assim, com o conhecimento dessa disciplina que adquiri participando das discussões sérias ocorridas nos Seminários referidos acima, passei então a aprofundar as leituras dos principais Filósofos da Ciência de nosso século: Gaston Bachelard, Karl Popper, Thomas Kuhn, Paul Feyerabend, Maurice Merleau-Ponty (professor de Benedito Nunes), Mário Bunge, Imre Lakatos, Gerald Holton, Alan Musgrave, David Bohm, Jacob Bronowski e outros. Essas leituras me foram bastante importantes na elaboração dos cinco Tomos de minhas Crônicas da Física. [Nesta oportunidade, quero destacar que meu primeiro contato com Popper foi através da leitura que fiz de seu famoso livro intitulado A Lógica da Pesquisa Científica (Editora CULTRIX e EDUSP, 1975), e que me foi indicado, em 1976, por meu concunhado, o professor e literato Pedro Pinho de Assis, nas conversas da varanda.]

Na conclusão desta homenagem ao Professor Benedito José Viana da Costa Nunes menciono mais um exemplo da interdisciplinaridade que demarcou (no sentido Popperiano) o meu convívio com esse estimado amigo. O momento está registrado no livro A Crise do Pensamento (EDUFPA, 1994), que reúne as palestras proferidas no Ciclo de Preleções: A Crise do Pensamento, patrocinadas pela UFPA e pela Fundação Rômulo Maiorana, realizadas no Núcleo de Arte da UFPA, em junho de 1993, e organizadas pelo professor Benedito Nunes. Em duas dessas preleções, o professor Benedito Nunes e eu discutimos, respectivamente, os aspectos filosóficos e físicos do tempo.

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1. Este artigo foi publicado no livro Benedictus (EDUFPA, 1998).

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