INSTITUTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA AMAZÔNIA: UMA NECESSIDADE ¹

PESQUISA

INSTITUTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA AMAZÔNIA: UMA NECESSIDADE ¹

Inicialmente, quero agradecer ao Conselho Estadual de Cultura, em especial ao seu Presidente, Professor Dr. Clodoaldo Fernando Ribeiro Beckmann, o convite para pronunciar esta Conferência em homenagem ao centenário de nascimento do ex-Conselheiro JOSÉ SAMPAIO DE CAMPO RIBEIRO, neste 11 de setembro de 2001.

Quero aproveitar a oportunidade para apresentar uma proposta ao desenvolvimento da Amazônia, pensada em 1972, e que a venho elaborando desde 1974, em uma série de artigos publicados em vários tipos de mídia escrita (vide relação na Bibliografia anexa). Nesta saga, conto com a decisiva colaboração de dois estimados amigos, os paraenses, Paulo de Tarso Santos Alencar, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), e Antônio Boulhosa Nassar, professor da UFPA, da University of California e da The Harvard-Westlake Scholl, ambas em Los Angeles, nos Estados Unidos da América.

1. INTRODUÇÃO

Desenvolver a Amazônia, como se sabe, é um desafio para todos os amazônidas. No entanto, que significa desenvolver a Amazônia? No sentido lato, significa aumentar, cada vez mais, a renda per capita de seus habitantes e, ao mesmo tempo, diminuir, também cada vez mais, o desnível sócio-econômico-cultural entre eles, permitindo-lhes, com isso, boa saúde, boa educação, boa habitação, boa alimentação, bom transporte, e um bom lazer. Porém, como conseguir esse desenvolvimento? A História tem demonstrado que somente através da Tecnologia (que se apoia numa sólida Ciência) é possível consegui-lo, pois, com ela, gera-se o capital necessário para promovê-lo. Por outro lado, a História ainda tem demonstrado que o uso inescrupuloso da Tecnologia tem provocado alguns males à humanidade (guerras, poluição ambiental, efeito estufa, etc.), razão pela qual alguns segmentos da sociedade mundial se têm organizado (vide Greenpeace) no sentido de evitar essas catástrofes e, por ainda acreditar nela, lutam, também, para que se crie uma Tecnologia não-agressiva (“Soft Technology”), que seja motivo de aceitação e não de repulsa por parte dos habitantes de nosso planeta.

Na medida do possível, a Amazônia tem usado a Tecnologia que é desenvolvida no mundo. Contudo, como essa Tecnologia foi e é criada tendo-se em vista as condições ambientais de seu lugar de origem, ao ser simplesmente transferida para a Amazônia, apresenta dificuldades de adaptação. Além do mais, certas situações exigem que haja o desenvolvimento de uma Tecnologia autóctone, já que o uso de Tecnologia não apropriada acarreta alto custo ou, até mesmo, a sua ineficiência.

Desse modo, no processo de desenvolvimento da Amazônia, há que ser sempre feito o estudo das facilidades e/ou dificuldades da Tecnologia a ser utilizada, entendendo-se, aqui, por estudo, o levantamento das capacidades da matéria prima utilizada e do pessoal para desenvolvê-la, bem como suas relações com o meio-ambiente.

Sendo o objetivo deste trabalho a apresentação de uma proposta para o desenvolvimento da Amazônia vamos, inicialmente, apresentar algumas dificuldades e algumas facilidades encontradas por órgãos (estatais ou privados) no uso da Tecnologia disponível. (Registre-se que essas informações foram colhidas por mim em conversas que tive com vários engenheiros daqueles órgãos, desde o início dessa minha saga até o presente momento.) Em seguida, mostraremos como a principal Universidade da Amazônia, a UFPA, tem se preparado para formar a base científico-tecnológica para entender e absorver a Tecnologia mundial, bem como para desenvolver uma Tecnologia adequada à região amazônica. [Registre-se, também, que um grupo de professores da Universidade da Amazônia (UNAMA), sob a liderança do professor Helder Boska de Moraes Sarmento, começa a realizar pesquisas com o objetivo de também ajudar o desenvolvimento a Amazônia.] Por fim, discutiremos a proposta propriamente dita, cuja conclusão é a da criação de um organismo interdisciplinar e intercientífico no qual serão realizadas pesquisas científico-tecnológicas tendo em vista o Desenvolvimento da Amazônia.

2. POTENCIALIDADES E DIFICULDADES TECNOLÓGICAS

DA AMAZÔNIA

A aplicação da Tecnologia na Amazônia por parte de alguns órgãos estatais (ou mesmo privados) tem apresentado algumas dificuldades por falta de um melhor conhecimento de nossa região. Ressaltaremos algumas delas. Inicialmente, vejamos os problemas relacionados com as telecomunicações. Nestas, temos de considerar a propagação de ondas eletromagnéticas (OEM) no espaço e em meios materiais. Devido à presença da densa floresta e da grande massa d’àgua próprias da região amazônica (principalmente no Baixo Amazonas: Santarém, Alenquer, etc.), a propagação de OEM, principalmente na faixa HF (3 a 30 Mhz) e VHF (30 a 300 Mhz), apresenta problemas, pois os modelos de propagação propostos na literatura universal não se adequam bem a nossa região, uma vez que foram formulados a partir de medidas feitas em regiões do mundo totalmente diferentes da Amazônia. Este, portanto, é um problema típico de pesquisa básica (estudo da propagação de OEM em superfícies refratantes e espelhantes) associado com pesquisa aplicada, já que para estudar essa propagação, é necessário resolver as equações de Maxwell com medidas feitas que permitam conhecer as condições de contorno dessas OEM. Tais medidas constituem dados fundamentais para a solução do problema teórico e, conseqüentemente, de posse da solução, propor modelos a sua aplicação na região amazônica.

Ainda com relação às telecomunicações, há uma outra dificuldade. Trata-se da limitação na largura de banda (número de canais) imposta pelo meio de transmissão. Para sistemas que utilizam a técnica da tropodifusão, esse efeito é traduzido por variações aleatórias no nível do sinal modulado recebido, ou seja, no jargão técnico, isso significa dizer que há flutuação na banda básica. Esse, contudo, é um problema de caráter universal, porém de grande importância para a Amazônia, pois devido às grandes distâncias entre as capitais de seus estados, o mecanismo natural seria o da transmissão por via troposférica. Contudo, no momento, esse problema foi contornado por intermédio da transmissão, via satélite, porém de custo altíssimo. Analogamente ao caso anterior, este é um problema cuja solução necessita da junção de pesquisa básica com pesquisa aplicada.

Outras dificuldades inerentes a nossa região, relacionam-se com o problema da transmissão de energia elétrica por longas distâncias, uma das principais causas da atual crise energética brasileira. A tecnologia mundial disponível para resolver esse problema é de dois tipos: transmissão por corrente alternada (CA) e transmissão por corrente contínua (CC). Na Amazônia é utilizada satisfatoriamente a transmissão por CA, apesar de pequenos problemas que ocorreram (e, talvez, continuem ou venham ainda ocorrer) em virtude de queimadas próximas à linha de transmissão de alta voltagem, queimadas essas que provocam ionização do ar, criando, desta forma, tensões espúrias que fazem disparar o sistema de transmissão. Além desse problema (cuja solução é simples, pois depende apenas em educar o lavrador no sentido de não realizar queimadas ao longo do linhão – linhas de alta tensão), há um outro inerente ao processo de transmissão propriamente dito. Trata-se do efeito corona (presença de altos campos eletromagnéticos provocadores de ionizações na região circundante à linha de transmissão.) No entanto, muito embora ele já esteja bem estudado pela Tecnologia mundial (e seus efeitos controlados dentro de certos padrões de segurança), o aumento da potência em linhas de transmissão em regiões extensas da Amazônia, certamente provocará a ocorrência de novos aspectos desse efeito, razão pela qual há necessidade de estudá-lo ainda mais, tendo em vista as condições ambientais.

Além desses problemas referentes à transmissão de energia elétrica há, também (e relativo ainda à mesma), o problema do aterramento que aflige às transmissões telefônicas. Basicamente, o problema do aterramento refere-se a uma tentativa de fazer com que uma corrente espúria (I0) que aparece na linha de transmissão normalmente equilibrada (corrente essa decorrente, por exemplo, da ruptura de uma das linhas de transmissão ou de uma descarga elétrica atmosférica), seja rapidamente espalhada pelo solo. Para isso, é necessário que se procure diminuir, cada vez mais, a impedância do solo (Z0) para evitar que potenciais (V) (lembrar a equação: V = I0Z0) danosos venham provocar defeitos nos equipamentos e eventuais mortes. Em outras palavras, o problema de aterramento recai na determinação de um tempo de relaxação (t) curto para evitar que potenciais oriundos de correntes espúrias provoquem os efeitos referidos acima. Para determinar (Z0 ou t ) é necessário um maior estudo físico da resistividade do solo amazônico, que é ainda pouco conhecido. Mais uma vez, a solução do problema de aterramento passa por uma ação conjunta da pesquisa básica e da pesquisa aplicada, já que os parâmetros físicos necessários para resolver as equações teóricas propostas por tais questões precisam ter valores reais de nossa região.

Ao lado desses problemas tecnológicos específicos, precisamos estudar aqui na Amazônia as Tecnologias modernas, tais como a transmissão de OEM, quer por lasers, quer por microondas, ambas através de fibras ópticas. Também teremos de pensar na Tecnologia de transmissão de energia elétrica por corrente contínua em cabos supercondutores (a supercondutividade foi descoberta em 1911, por Karmelingh Onnes), já que, como nestes não há perda de potência por efeito joule, as linhas de transmissão não terão necessidade de ser de altas tensões, como ocorre hoje com a transmissão por corrente alternada. Quem sabe se não seria mais econômico (em relação à Tecnologia atual, qual seja, o uso de satélites) usar fibra óptica através do rio Amazonas para enviar sinais de telefonia [a exemplo do que já foi feito através do Atlântico (1988) e do Pacífico (1989)] e de TV para regiões além desse rio? Um cabo de cera supercondutora transamazônico também não poderia ser usado para transmitir energia elétrica? Só poderemos responder a essas questões, com pesquisa básica e pesquisa aplicada.

Vejamos, agora, algumas dificuldades relacionadas à Tecnologia usada pela Engenharia Civil em nossa região. Basicamente, a Engenharia Civil, em todos os seus ramos, trabalha diretamente com o solo, bem como utiliza materiais extraídos dele próprio. Portanto, é fundamental que se conheça o solo amazônico, mesmo porque ele foge aos padrões normais, pois se trata de uma camada terciária (mais velha) sobre uma camada quaternária (mais nova). O crescimento natural das construções nas grandes cidades amazônicas está caminhando no sentido de levá-las para as suas regiões alagadas. Portanto, é importante que se intensifique o estudo da estabilidade de nosso solo, uma vez que os parâmetros físicos estudados por Poisson, Young, Rankine, etc., no século XIX, e que são importantes para esse estudo, ainda são pouco conhecidos, pelo menos em nossa região. Por outro lado, como a equação fundamental da Engenharia de Solos é a célebre equação de Laplace (equação de segunda ordem em derivadas parciais), somente uma integração (e, também, literalmente) entre a pesquisa básica (métodos de solução dessa equação) e a pesquisa aplicada (determinação dos parâmetros locais – condições de contorno – necessários a essa solução) poderá resolver, adequadamente, essa questão tecnológica.

Ainda no âmbito da Engenharia Civil, há outras questões tecnológicas. Por exemplo, no estudo de estruturas especiais, quer de concreto (armado ou protendido), quer de ferro, ou mesmo de outros materiais (madeira, bambu, alumínio etc.), é fundamental conhecer a Teoria da Elasticidade cuja ferramenta básica para seu entendimento é a Análise Tensorial, objeto de trabalho cotidiano de um físico-matemático ou de um matemático-físico.

A Teoria da Elasticidade, assim como a Mecânica dos Fluidos, também é importante no estudo de materiais usados nos pavimentos de nossas ruas e estradas. É bastante conhecido que os órgãos estatais responsáveis pela pavimentação da rede viária e rodoviária paraense, entravam (e ainda entram) em pânico toda a vez que começa o inverno, já que com chuvas constantes e com o tráfego de veículos, geralmente abrem-se buracos nessa rede em virtude da precariedade de sua pavimentação, uma vez que a mesma se assenta em um sub-leito que, em muitos casos, é fluido. Não obstante essa dificuldade e para garantir a uma vida média mais longa de algumas vias dessa rede, foi e é necessário usar um tipo de pavimento (concreto, concreto asfáltico, asfalto areia, brita graduada etc.) que, no entanto, torna bastante oneroso o seu serviço de execução, sobretudo pelo constante aumento do preço do petróleo, principal matéria prima do asfalto.

No passado não muito distante, a abundância da laterita (mais conhecida como piçarra) em solo paraense fez que com que a mesma fosse usada como sub-leito das obras rodoviárias, justamente para contornar o problema da fluidez acima referido. No entanto, no momento atual e segundo informações extra-oficiais, já começa a haver uma escassez desse material. Assim, urge que se desenvolvam pesquisas acadêmicas no sentido de procurar novos solos que possam ser misturados a ela ou mesmo substituí-la. (Convém lembrar de que, em passado bastante remoto, houve, na Amazônia, uma tentativa de se usar a laterita como pavimento, misturando-a com cimento, mistura essa que ficou conhecida como solo-cimento.)

Estando a Amazônia localizada na zona temperada de nosso planeta, ela é, portanto, uma região bastante ensolarada. Em vista disso, surgem alguns problemas tecnológicos. É público e notório que à Arquitetura Amazônica foi imposta um tipo de solução que tem a cobertura de fibrocimento como um de seus elementos de composição. No entanto, como esse tipo de material é transparente ao infravermelho, isto é, ao calor (além de ser material cancerígeno), há uma elevação de temperatura no interior de ambientes cobertos como o mesmo, devido ao efeito estufa. Muito embora já hajam pesquisas no sentido de encontrar uma arquitetura adequada a nossa região, usando materiais regionais ou trabalhando com áreas e volumes (pesquisas essas realizadas por arquitetos amazônidas), ainda há muito a pesquisar. Por exemplo, sabe-se que a argila é refratária ao infravermelho, então é natural que se pesquise que tipo de mistura deve ser adicionada à mesma, para que não perca essa propriedade refratária e, que, no entanto, possa ser moldada no sentido de torná-la mais rentável e, por que não, mais estática e estética. É óbvio que condicionadores de ar podem e deverão ser usados, porém, apenas mais como um elemento de conforto ambiental, do que pela necessidade de baixar a temperatura pelo uso inadequado de tipo de cobertura.

Ainda com relação ao fato de a Amazônia estar localizada em uma zona temperada, há problemas termodinâmicos que são diferentes das demais regiões do Brasil e, portanto, devem ser estudados. Assim, por exemplo, deveremos estudar qual a influência do clima amazônico no rendimento de aparelhos eletrodomésticos (geladeiras, condicionadores de ar etc.) que usamos no cotidiano.

Relativamente à quantidade de calor recebida pela região amazônica, é interessante que seja intensificada a pesquisa de energia solar, já que o Sol emite cerca de 1,5 x 1022 joules diários de energia, sendo que cerca de 30% são refletidos, 47% são absorvidos na forma de calor sensível e 23% como calor latente. (É oportuno esclarecer que um barril de petróleo produz cerca de 1,1 x 106 joules.) Muito embora painéis solares já estejam sendo usados na Amazônia (a EMBRATEL, quando estatal, os empregava como fonte de energia em suas estações transmissoras; não sei se ela continua hoje com essa prática após sua privatização) e sendo seu rendimento baixo (10% – 20%), é necessário que pesquisas sejam feitas no sentido de melhorar esse rendimento, bem como é necessário estudar novas aplicações (secagem de grãos, estações de energia para pequenas cidades, etc.) desse tipo de energia.

Ao concluirmos este tópico, no qual abordamos alguns aspectos das potencialidades e dificuldades tecnológicas da Amazônia, não poderíamos deixar de fazer um breve comentário sobre questões relacionadas à presença de grandes águas superficiais na Amazônia. A primeira delas refere-se ao tipo de transporte fluvial adequado à região. Embora a UFPA tenha iniciado (hoje, parece, relaxado) pesquisas sobre os “overcrafts”, ou seja, sobre um possível tipo desse transporte, elas precisam ser continuadas, assim como devem ser pesquisados outros tipos de transporte como, por exemplo, o uso do aeroplano de efeito de superfície, como sugeriu o professor Nassar, em seminário apresentado em 14 de agosto de 2000, no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Pará (CREA-PA).

A segunda, trata do aproveitamento hidráulico de pequenas quedas d’água de nossos rios amazônicos com o objetivo de construir mini-hidroelétricas para abastecimento de energia elétrica a pequenos povoados, com potências variando de 1 até 8000 kw. Para a construção dessas pequenas hidroelétricas é necessário uma ação conjunta envolvendo pesquisadores em Hidrogeologia e Geotecnia. Tal ação é importante tanto na escolha do local do rio, que garanta um gradiente hidráulico capaz de gerar potências daquela ordem, bem como o exame do solo é fundamental, porque embora a escolha do rio seja satisfatória em termos de vazão, a geologia do terreno poderá exigir uma infra-estrutura para a construção de barragens que seja de alto custo. [É importante registrar que essa idéia da construção de pequenas hidroelétricas foi sugerida pelo saudoso engenheiro civil e professor da UFPA Angenor Porto Penna de Carvalho, quando dirigiu as Centrais Elétricas do Pará (CELPA), em 1964.]

Por fim, uma questão ainda relacionada às águas superficiais diz respeito à sua captação para consumo, nos rios, igarapés etc. No entanto, como a densidade demográfica da Amazônia é muito baixa, esse tipo de captação se torna extremamente oneroso porque os núcleos populacionais estão bastante distantes uns dos outros. Por outro lado, o fato de as águas superficiais serem de qualidade inferior às de natureza subterrânea, isso exige que o tratamento das mesmas seja mais dispendioso. Assim, para a Amazônia, a captação de água subterrânea é a solução. Contudo, nesse tipo de captação existem alguns problemas. Por exemplo, nos lençóis cujas profundidades variam entre 100 a 200 metros (e se a vazão é suficiente para realizar sua captação), a presença de ferro nesses lençóis determina a necessidade de seu tratamento e, conseqüentemente, onera o produto final, ou seja, a água para o consumo. Desse modo, é necessário que se façam pesquisas de lençóis de maior profundidade, pesquisas essas que envolvem especialistas em Hidrogeologia.

Do exposto até o presente, vê-se que a região amazônica é fértil, porém problemática. Para desenvolvê-la há necessidade de se investir, ratifiquemos, em pesquisa básica e em pesquisa aplicada, porém dentro de uma política traçada por um organismo interdisciplinar e intercientífico e que tenha como fio condutor uma perfeita integração Universidade-Empresa (estatal ou particular), já que é esta última (Empresa) que apresenta ao público o resultado da Tecnologia gerada nos organismos tecnológicos e produzida em grande escala pelas Indústrias.

3. A UFPA E SUA COMPETÊNCIA TÉCNICO-CIENTÍFICA

A UFPA foi criada em 2 de julho de 1957, pela lei número 3191, assinada pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Ela reuniu instituições isoladas que haviam sido fundadas desde o início do século XX, tais como: Faculdade Livre de Direito (1902), Escola de Farmácia (1903), Faculdade Livre de Odontologia (1914), Faculdade de Medicina e Cirurgia (1919), Escola de Engenharia do Pará (1931), Faculdade de Ciências Econômicas, Contábeis e Atuariais (fundada em 1947 e autorizada a funcionar em 1949) e Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém (fundada em 1948 e autorizada a funcionar em 1954).

Com o objetivo de centralizar o ensino da Física e da Matemática para os diversos cursos da UFPA que continham essas matérias em seus currículos, foi criado em 1961 o Núcleo de Física e Matemática. Posteriormente, com a implantação da Reforma Universitária a partir de 1970, a UFPA tomou a estrutura que apresenta hoje, isto é, composta de Centros e estes de Departamentos. Desse modo, o ensino das Engenharias foi distribuído em vários Departamentos do Centro Tecnológico, e a Física e a Matemática passaram a se constituir em Departamentos independentes pertencentes ao Centro de Ciências Exatas e Naturais. (É oportuno esclarecer que a Engenharia Civil havia sido criada em 1931, conforme já dissemos; a Engenharia Elétrica, em 1964; a Arquitetura, em 1964; e a Engenharia Mecânica, em 1971.)

Paralelamente a essa estrutura, e por ocasião da Reforma Universitária, foram criados os Núcleos de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) e o de Patologia Regional e Higiene (NPRH) (este, o Instituto de Higiene e Medicina Preventiva, que havia sido criado em 1955). Mais tarde, em 1972, o Núcleo de Geociências, criado em 1965, foi reformulado constituindo-se, então, no Núcleo de Ciências Geofísicas e Geológicas (NCGG) e que se transformou no atual Centro de Geociências, em 1985.

A capacitação técnico-científica da UFPA foi-se construindo de modo progressivo. Inicialmente, por iniciativa própria de alguns de seus professores e depois, com a instalação da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, a formação de mestres e doutores formalizou-se graças a uma política por ela traçada, e para a qual recebeu importante apoio do MEC/CAPES/PICD, da FINEP e do CNPq.

A chegada dos primeiros mestres e doutores na UFPA ensejou a que fossem organizados grupos de pesquisa voltados, na medida do possível, ao estudo dos problemas tecnológicos da Amazônia, bem como a continuar sua capacitação técnico-científica, razão pela qual foram criados vários Cursos de Mestrado e já alguns de Doutorado. Por outro lado, com o objetivo de estudar as relações entre Ciência e Tecnologia com a Sociedade, o NAEA organizou um grupo de pesquisadores que constitui o atual Departamento de Política Científica, grupo esse que já produziu uma série de projetos de pesquisas com vários trabalhos publicados. Assim, desde sua fundação até o presente momento, os professores-pesquisadores da UFPA produziram muitos trabalhos, entre livros, teses, monografias e “papers” publicados em revistas nacionais e internacionais, cuja relação pode ser vista nas três últimas referências da Bibliografia citada no final.

4. O INSTITUTO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA

AMAZÔNIA (ICTA)

Nos itens 2 e 3 anteriores, levantamos as potencialidades e as dificuldades tecnológicas da Amazônia, assim como descrevemos a capacitação técnico-científica da UFPA. Neles, vimos que já há uma certa preocupação por parte de alguns grupos de pesquisa no sentido de abordar os problemas tecnológicos de nossa região. No entanto, esse trabalho vem sendo feito sem uma política central traçada por meio de um organismo que seja interdisciplinar e intercientífico, no qual haja a preocupação precípua de adaptar e desenvolver uma Tecnologia apropriada para a Amazônia.

Em vista disso, este trabalho propõe a criação do Instituto de Ciência e Tecnologia da Amazônia (ICTA), cuja finalidade básica é a de traçar linhas de ação na área de pesquisas tecnológicas e a de promover o Desenvolvimento da Amazônia. Este ICTA deverá desenvolver projetos multi e interdisciplinares de pesquisa, assim como promover a capacitação de recursos humanos com o objetivo de conseguir aquele desenvolvimento.

Inicialmente, o Instituto deverá fortalecer alguns grupos de pesquisa emergentes nas três Universidades paraenses (UFPA, UEPA, UNAMA), tais como aqueles que desenvolvem trabalhos na área de pesquisa aplicada (transportes, estruturas, solos, arquitetura, operações e processos químicos, etc.) e pesquisa básica (física, matemática, química e informática). Nesse sentido, deverão ser preparados programas e projetos de pesquisa cujo financiamento será obtido através de órgãos fomentadores e financiadores de pesquisa, quer regionais, quer nacionais.

O ICTA terá ainda como objetivo principal a organização e a atualização de um banco de dados de informações sobre a Tecnologia que é desenvolvida no mundo, assim como o estudo do impacto ambiental que ela tem provocado. Em vista disso, ele contará com setores que tratarão especificamente da informação tecnológica e de suas relações com o meio-ambiente.

A fim de caracterizar esse Instituto como sendo apenas voltado a desenvolver pesquisas tecnológicas tendo em vista as peculiaridades amazônicas, o mesmo será organizado em Divisões (Pesquisa Básica, Informação, Apoio Cultural, Solos, Transportes, Comunicações etc.), Divisões que agruparão professores-pesquisadores e alunos-bolsistas, recrutados das diversas instituições de ensino e pesquisa (públicas e privadas) da Amazônia e, eventualmente, do resto do Brasil. Essas Divisões promoverão a formação pós-graduada (lato e stricto sensu) que possibilitem o desenvolvimento de projetos de pesquisa e a qualificação de profissionais capazes de compreender a Ciência e a Tecnologia apropriadas à região amazônica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que foi exposto até aqui, parece-nos que a criação do ICTA é uma necessidade evidente. Por outro lado, considerando-se que os problemas tecnológicos que abordamos neste trabalho deverão ser resolvidos pelo poder público, acreditamos que o ICTA deva ser criado por qualquer governante do Estado do Pará, independente de seu viés ideológico.

Institutos que tratam de problemas tecnológicos, estudados sob o ponto de vista acadêmico (científico) e vinculados aos problemas do Estado, tiveram sua origem no famoso Museu de Alexandria criado, provavelmente, no governo do egípcio Ptolomeu I Soter, em 305 A.C. Hoje, eles estão espalhados pelo mundo todo [vide, por exemplo, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e o California Institute of Technology (CALTECH), nos Estados Unidos da América]. Aqui mesmo no Brasil existem alguns deles, dentre os quais destaco o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), sediado em São Paulo, e o Instituto de Tecnologia da Comissão dos Programas Pós-Graduação de Engenharia (COPPETEC), localizado no Rio de Janeiro. Assim, não seria um contra-senso criá-lo no Pará. Para isso, já existem algumas condições necessárias a essa criação. Vejamos quais são.

Em 1989, por ocasião da votação da Constituição Estadual, foi aprovada a proposta do então Deputado Estadual Aldebaro Barreto da Rocha Klautau da criação de uma Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Pará. Embora aprovada, essa Fundação só foi regulamentada como Fundo Estadual de Ciência e Tecnologia (FUNTEC), em 1997, no primeiro mandato do Governo do Dr. Almir Gabriel, por iniciativa do professor Nilson Pinto de Oliveira, então Secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará. Agora, em 2001, no segundo mandato do Governador Almir Gabriel, está sendo criado o Instituto ‘Lauro Sodré’ de Ciência e Tecnologia (ILS), por iniciativa do próprio Governador e com a colaboração do professor Marcos Ximenes Pontes. Esse Instituto tem como principal missão criar a cultura de aprender através de meios inovativos capazes de ajudar o público jovem do Estado do Pará a despertar sua curiosidade sobre o mundo que o cerca e entender as relações entre ciência e tecnologia na sociedade amazônica. Contudo, não basta o jovem paraense entender as relações entre ciência e tecnologia na sociedade amazônica. Ele precisa saber porque ele continua a pertencer a uma região subdesenvolvida, e como sair dessa situação de subdesenvolvimento. Para sair dela, acredito, somente com o ICTA. Portanto, o FUNTEC e o futuro ILS são as condições iniciais para definir a equação que traduz o Desenvolvimento da Amazônia. Sua solução, contudo, se dará pelo ICTA.

É oportuno registrar, no fecho deste artigo, que as primeiras idéias do ICTA foram apresentadas e discutidas com o Governador Almir Gabriel e com o seu Secretário Especial de Infra-Estrutura, professor José Augusto Soares Affonso, no dia 21 de agosto de 2001, em um reunião realizada em seu gabinete governamental, com a presença dos professores Alex Fiúza de Mello, Reitor da UFPA, Ubiratan Holanda Bezerra e Roberto Limão de Oliveira, do Departamento de Engenharia Elétrica da UFPA, Paulo de Tarso Alencar, Antônio Nassar e eu próprio, do Departamento de Física da UFPA. O entusiasmo do Governador no final da reunião e a firme convicção do Reitor da UFPA da necessidade urgente de uma parceria entre Governo do Estado e UFPA no sentido de desenvolver o Estado do Pará, levam a crer que o meu sonho de 1972 de criar o ICTA se transformará em realidade!

6. BIBLIOGRAFIA

1. ANDERY, M. A. P. A., MICHELETTO, N. e SÉRIO, T. M. A. 2000. Para Compreender a Ciência. EDUC-Editora da PUC-SP e Editora Espaço Tempo.

2. BASSALO, J. M. F. 1974. O Instituto de Pesquisa como suporte de uma Tecnologia. Revista da Universidade Federal do Pará, 4(II): 119; ———- 1983. O Papel do Físico na Amazônia: uma visão pessoal e algumas considerações sobre investimento na educação. 35a Reunião da SBPC (Belém); ———- 1985. O Papel do Físico na Amazônia: uma visão pessoal e algumas considerações sobre investimento na educação. Anais do Simpósio sobre a História da Ciência e da Tecnologia no Pará, Tomo II: 545; ———- 1992. Uma Proposta para o Desenvolvimento da Amazônia. O Liberal, 12 e 19 de janeiro; 1996 ———- Núcleo de Pesquisas Tecnológicas da Amazônia. Energia na Amazônia, Volume II: 925.

3. BECKMANN, C. F. R. 1985. Apontamentos para a História da Universidade Federal do Pará. Anais do Simpósio sobre a História da Ciência e da Tecnologia no Pará, Tomo II: 507.

4. CERQUEIRA LEITE, R. C. 1976. Tecnologia e Desenvolvimento Nacional. Livraria Duas Cidades.

5. DIXON, B. 1976. Para que serve a Ciência? Companhia Editora Nacional e Editora da Universidade de São Paulo.

6. MOREIRA, E. 1977. Para a História da Universidade Federal do Pará (Panorama do Primeiro Decênio). GRAFISA.

7. NAISBITT, T. e ABURDANE, P. 1990. Megatrends 2000. Amana-Key Editora.

8. NASSAR, A. B. 2000. Aeroplano de Efeito de Superfície a Amazônia. CREA-PA (mimeo).

9. PONTE, M. X. 2001. Instituto `Lauro Sodré de Ciência e

Tecnologia. Secretaria Especial de Estado e Promoção Social (mimeo).

10. ROCHA E SILVA, M. 1976. Ciência Pura e Ciência Aplicada. HUCITEC, Editora.

11. SALAM, A. 1989. Ideals and Realities. World Scientific.

12. 1985. ANAIS DO SIMPÓSIO SOBRE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA NO PARÁ. EDUFPA.

13. 1987. MEMÓRIA TÉCNICO, CIENTÍFICA E CULTURAL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ: 1957-1987. Volumes 1,2,3. EDUFPA.

14. www.ufpa.br/bibliotecacentral/portaldoconhecimento.

ADDENDO (2003): Depois de apresentar este texto, o jornalista e professor da UFPA Oswaldo Coimbra, publicou três livros sobre a saga na Engenharia no Pará, que devem ser incorporados à Bibliografia usada no texto:

15. COIMBRA, O. 2002. A Saga dos Primeiros Construtores de Belém. Imprensa Oficial do Estado do Pará. (Prêmio Samuel Wallace Mac-Dowell, Academia Paraense de Letras.)

16. ___________ . 2003. Engenharia-Militar na Amazônia do século XVIII: As três décadas de Landi no Gram-Pará. FUMBEL.

17. ____________ . 2003. Engenheiros-Militares em Belém, nos anos de 1799 a 1819: A Aula Militar do Historiador Antônio Baena. Imprensa Oficial do Estado do Pará. (Prêmio Literário Barão de Guajará, Academia Paraense de Letras.)

———
1. Este artigo foi publicado na Revista de Cultura do Pará 13(2), pgs. 343-362, julho de 2002.

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