JAYME TIOMNO, OS MÉSONS E A FÍSICA PARAENSE ¹

PERFIS

JAYME TIOMNO, OS MÉSONS E A FÍSICA PARAENSE ¹

No dia 14 de fevereiro, a Universidade Federal do Pará (UFPA) iniciou o ano letivo de 1986 com a Aula Inaugural proferida pelo cientista Jayme Tiomno, Professor Catedrático da Física Superior da Universidade de São Paulo (USP) e, no momento, Professor Titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

O professor Tiomno foi convidado para proferir a Aula Inaugural da UFPA, por sugestão do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa (CONSEP) (que acatou a proposta do conselheiro, professor José Maria Filardo Bassalo), sugestão aceita pelo magnífico Reitor, professor Dr. José Seixas Lourenço, não só pelas atividades de pesquisa em física teórica reconhecidas no mundo inteiro, bem como pelo papel que esse ilustre cientista brasileiro desempenhou e desempenha na formação de físicos seja no Brasil, seja no exterior, entre os quais estão incluídos alguns paraenses que desenvolvem, no momento, atividade de ensino e pesquisa em algumas universidades brasileiras. Portanto, creio ser oportuno que a comunidade paraense, particularmente a universitária, conheça um pouco da vida profissional desse importante professor brasileiro.

Filho de Maurício e Annita Tiomno e casado com a física brasileira Elisa Frota Pessoa, Jayme Tiomno nasceu no Rio de Janeiro no dia 16 de abril de 1920, havendo, contudo, freqüentado o Ginásio Mineiro de Muzambinho (cidade do triângulo mineiro) e completado os seus estudos pré-universitários no famoso Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Neste Colégio, as aulas de História Natural fizeram renascer-lhe um antigo interesse pelo estudo da Medicina, tanto que em 1938, entrou para a Faculdade Nacional de Medicina, ainda no Rio de Janeiro, onde permaneceu por três anos. Porém, ao fazer um curso de Física Biológica com Carlos Chagas Filho, o professor Tiomno percebeu ser Física o que desejava estudar. Assim, em 1939, prestou novo Exame Vestibular na então Universidade do Distrito Federal (UDF), havendo, desse modo, se bacharelado em Física pela Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), em 1941, para onde havia sido transferido ex-ofício, em virtude da extinção da UDF. No ano seguinte, licencia-se em Física por essa mesma Faculdade, onde já trabalhava como assistente da Cadeira de Física Geral e Experimental, regida pelo físico brasileiro Joaquim Costa Ribeiro. Nessa ocasião publica seus primeiros trabalhos na Revista da FNFi, respectivamente: Sobre o Teorema da Unicidade na distribuição de cargas em condutores; Sobre um problema da Teoria da Elasticidade; e Sobre um analisador harmônico mecânico, sendo que este último foi então comunicado à Academia Brasileira de Ciências. O trabalho sobre a Teoria da Elasticidade, o professor Tiomno o fez sob a influência de seu professor, o matemático italiano Luigi Sobrero. Em 1945, ainda como assistente de Costa Ribeiro, auxilia a este na compreensão teórica do fenômeno termo-dielétrico, descoberto por aquele físico, em 1944, fenômeno esse que ficou conhecido na literatura científica internacional como efeito Costa Ribeiro.

A convite do físico brasileiro Mário Schenberg, o professor Tiomno vai para São Paulo, em 1946, com uma bolsa de estudos dos Fundos Universitários de Pesquisas, quando então começa seus estudos em Física Moderna, pois, até então, seus conhecimentos de física eram praticamente restritos à Física Clássica. Em 1947, é nomeado Primeiro Assistente de Física Superior e Mecânica Racional, Cadeira essa pertencente à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL/USP) e regida por Schenberg. É ainda nesse ano de 1947, que o professor Tiomno começa a produzir seus primeiros trabalhos de nível internacional, como os produzidos com o físico brasileiro Walter Schutzer (Sobre as derivadas do campo de radiação do elétron puntiforme com spin, Anais da Academia Brasileira de Ciências 19, p. 333); com o físico brasileiro José Leite Lopes (On the próton-proton scattering at 14.5 Mev, Physical Review 72, p. 731); com o matemático brasileiro Leopoldo Nachbin (Sobre o Teorema Fundamental da Álgebra Hipercomplexa de Sobrero); e com Schenberg (The deflection of light in a gravitational field).

A necessidade em cultivar seu talento para a compreensão dos fenômenos físicos, levou o professor Tiomno à Universidade de Princeton com uma bolsa de estudos Buenos Aires Convention, do United States Office of Education, onde chegou em 1948 para fazer pesquisas e estudos em pós-graduação, sobre a orientação do físico norte-americano John Archibald Wheeler. Inicialmente, realizaram um trabalho sobre Relatividade Geral, mas logo começaram a trabalhar em Física das Partículas Elementares, principalmente no problema relacionado à produção de mésons primários ( ) e mésons secundários ( ), observada na célebre experiência de C. M. G. Lattes, H. Muirhead, G. P. S. Occhialini e C. F. Powell – o Grupo de Bristol -, em 1947. O estudo do decaimento do méson- e da captura desse mesmo méson, levaram Tiomno e Wheeler a proporem uma interação tipo-Fermi para explicar tais fenômenos, o que significava atribuir spin ½ a esse méson. Aliás, tal idéia já fora proposta pelo professor Tiomno ao assistir no Brasil, no segundo semestre de 1947, a um seminário apresentado pelo físico brasileiro Lattes sobre aquela célebre experiência. Esse hoje famoso trabalho de Tiomno e Wheeler foi apresentado no Centennial Meeting of the American Association for Advancement of Science, realizado em Washington, DC, em 15 de setembro de 1948, e publicado no Review of Modern Physics 21, pgs. 144; 153 (1949). Como o físico italiano Giampietro Puppi havia publicado um trabalho no Nuovo Cimento 5, p. 587 (1948) onde expusera idéia semelhante, tal teoria é hoje conhecida na literatura Universal como triângulo de Puppi-Tiomno-Wheeler. É oportuno salientar que a universalidade da interação fraca de Fermi, foi pela primeira vez equacionada por Tiomno e o físico sino-norte-americano Chen Ning Yang na Physical Review 79, p. 495 (1950) por intermédio de argumentos de simetria. Aliás, é nesse trabalho que foi cunhado o termo interação universal de Fermi (UFI).

Depois de obter em 1949 o diploma de Master of Arts na Universidade de Princeton, o professor Tiomno ganhou uma bolsa de estudos da Rockfeller Foundation para prosseguir suas pesquisas e concluir seu Doutoramento naquela mesma Universidade norte-americana, o que ocorreu em 1950, agora sob a orientação do físico húngaro Eugene Paul Wigner [Prêmio Nobel de Física (PNF), 1963], já que seu mestre e amigo Wheeler havia viajado para a Europa. Em sua Tese de Doutoramento intitulada Teorias do neutrino e a dupla desintegração beta, apresentou novas idéias envolvendo o operador de projeção . No entanto, entre as combinações envolvendo esse operador, não considerou a combinação ( ), justamente por esta violar a paridade. É oportuno observar que foi justamente essa combinação que levou os físicos sino-norte-americanos Tsung-Dao Lee e Yang, em 1956, a formular a violação da paridade nas interações fracas, o que lhes valeu o PNF de 1957. Aliás, é interessante reproduzir um diálogo ocorrido entre Yang e Tiomno que não havia considerado aquela combinação com o operador , porque a mesma conduzia à violação da paridade, Yang lhe respondeu: Então eu tive sorte de me haver formado com Fermi, pois este não acreditava na conservação da paridade como um dos princípios fundamentais da Natureza. Ainda em sua Tese de Doutoramento, o professor Tiomno encontrou a possibilidade de um bóson neutro ser diferente de sua anti-partícula, o que, aliás, ocorre atualmente com o bóson neutro e sua anti-partícula . Ainda em 1950, o professor Tiomno participou do Curso de Verão de pós-doutoramento da Universidade de Wisconsin, e durante a sua permanência em Princeton, freqüentou os vários Seminários do famoso Institute for Advanced Studies, do qual fazia parte o físico germano-norte-americano Albert Einstein (PNF, 1921). Por ocasião desses Seminários, ele interagiu com físicos famosos como Abraham Pais, A. Wightman, Robert Oppenheimer e Yang, chegando mesmo a ter uma entrevista com Einstein.

Ao concluir seu Doutoramento em Princeton, o professor Tiomno volta ao Brasil para iniciar uma nova e profícua etapa de sua carreira, a de Chefe de Pesquisas. Inicialmente na USP, organizou um grupo de pesquisas no qual participaram os físicos brasileiros Leo Borges Vieira, Shigeo Watanabe, Abraham Zimmermann e Paulo Saraiva Toledo. Ao mesmo tempo, realizou trabalhos em colaboração com Schutzer e o físico norte-americano David Bohm. O trabalho que fez com Schutzer [On the connection of the scattering and derivative matrices with causality, Physical Review 83, p. 249 (1951)], recebeu citação do físico norte-americano Murphy Goldberger, da Universidade de Princeton, num artigo que escreveu em 1969 para comemorar os quinze anos da Teoria da Dispersão, como um dos precursores do campo. No entanto, tal atividade de pesquisa na USP foi interrompida devido à transferência para o Rio de Janeiro, onde passou a ensinar como professor regente do Curso de Teoria Eletromagnética da FNFi e a pesquisar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), onde com Leite Lopes e depois com o físico austríaco Guido Beck formou e desenvolveu o Departamento de Física Teórica. É neste Departamento que vários físicos brasileiros, hoje de renome internacional, formaram-se ou completaram sua formação científica, dentre os quais destacam-se: Adel da Silveira, Antônio Luciano Leite Videira, Colber C. Oliveira, Erasmo Madureira Ferreira, Gabriel Fialho, Moysés Nussenzveig, Jorge André Swieca, Juan José Giambiagi (argentino). Luís Carlos Gomes, Nicim Zagury e Samuel W. MacDowell, com os quais publicou uma série de trabalhos. Além dessa atividade de pesquisa no CBPF, o professor Tiomno foi responsável pela organização do Departamento de Ensino e Laboratórios Didáticos bem como da coleção de pré-publicações Notas de Física, desse importante Centro de Pesquisas Físicas. Na FNFi criou o Curso de Meteorologia, o primeiro no Brasil e implantou cursos de Física Tecnológica que não resistiram a seu afastamento para a Universidade de Brasília (UnB), em 1965.

Durante a década de 1950, o professor Tiomno realizou uma série de pesquisas, seja isoladamente, seja em colaboração com brasileiros e estrangeiros (dentre esses se destacam S. Kamefuchi, famoso físico japonês e um dos principais autores da Teoria da Para-Estatística, e Abdus Salam, autor juntamente com o físico norte-americano Steven Weinberg da Teoria Unificada entre interação fraca e eletromagnética, Teoria essa que valeu a eles e ao físico norte-americano Sheldon Lee Glashow, o PNF de 1979). Entre tais trabalhos, o que publicou na Nuovo Cimento 1, p. 226, em 1955, sob o título Mass reversal and the Universal Interaction, é considerado um dos precursores da famosa Teoria V – A (Vector minus Axial vector) com quebra de paridade, que universalizou a interação fraca Fermiana. Tal fato foi reconhecido pelo físico norte-americano Robert Eugene Marshak por ocasião de sua intervenção na International Conference on 50 years on Weak Interactions: from Fermi to the W, realizada entre 29 de maio e 1 de junho de 1984, em Wisconsin, nos Estados Unidos. [É oportuno observar que Marshak, em 1957, juntamente com o físico indu-norte-americano Ennackel Chandy George Sudarshan , e mais os físicos, os norte-americanos Richard Phillips Feynman (PNF, 1965) e Murray Gell-Mann (PNF, 1969), e o japonês Jun John Sakurai, em 1958, desenvolveram independentemente essa Teoria V – A.] Naquele trabalho, o professor Tiomno havia chegado à conclusão de que a hipótese da “mass reversal invariance”, hipótese que ele já havia considerado em sua Tese de Doutoramento (1950) e redescoberta por D. C. Peaslee (1952), levaria a duas classes de interação de Fermi: S – P + T (Scalar plus Pseudoscalar minus Tensor) ou V – A (Vector minus Axial), com conservação de paridade. No entanto, o fato de estar no Brasil fora do fluxo de idéias e informações fez com que o professor Tiomno escolhesse a alternativa S – P + T, por motivos experimentais que indicavam a existência de S e T, apesar de sua esposa, Elisa Frota Pessoa, com a colaboração da física brasileira Neusa Margem, em trabalho publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências 22, p. 371 (1950), haver mostrado, usando emulsões nucleares que a desintegração do méson em elétron ( ) era, pelo menos, cem vezes menos freqüente que a desintegração em méson . Isso é incompatível com a presença de P na corrente fraca S – P + T.

Em 1957, o professor Tiomno publicou três trabalhos importantes e que, de certa maneira, foram precursores da famosa Teoria do Octeto desenvolvida, independentemente, em 1961, por Gell-Mann e pelo físico israelense Yuval Ne´eman. Nesses trabalhos [Barion and Meson Interactions, Proceedings of the 1957 International Conference on High Energy Nuclear Physics at Rochester; On the Theory of Hyperons and K Mesons, Nuovo Cimento 6, p. 69 (1957); Note on the Gamma Decay of Neutral pi-Mesons, Nuovo Cimento 6, p. 255 (1957)], Tiomno propõe a simetria global que generaliza o espaço de spin isotópico . Contudo, tal grupo, por conter simetrias demais, dava lugar a processos proibidos, a leis de conservação não observadas. Ne´eman, então aluno de Salam no Imperial College, na Inglaterra, ao trabalhar com o , por sugestão do próprio Salam, observou que as dificuldades apontadas acima seriam contornadas se esse grupo fosse ampliado até 8 dimensões, já que este, o , tinha o como sub-grupo, cujas representações poderiam ser melhor aplicadas à Física das Partículas Elementares. Independentemente, nos Estados Unidos, Gell-Mann também chegara ao . Nesse modelo os mésons e os bárions, até então conhecidos, eram agrupados em supermultipletos de 8 elementos, e suas relações de massas confirmadas dentro do erro experimental. No entanto, o maior triunfo de tal teoria foi a previsão de uma nova partícula, a , cuja descoberta ocorreu em fevereiro de 1964, por V. E. Barnes e colaboradores, com as características previstas pela Teoria do Octeto. (Graças ao seu trabalho com o octeto, Gell-Mann recebeu sozinho o PNF de 1969, muito embora o nome de Ne´eman também tenha sido aventado para ser nominado a esse Prêmio.) É interessante observar que a comunidade brasileira também reconheceu o trabalho do professor Tiomno no sentido desse trabalho contribuir para o entendimento dos fenômenos físicos relacionados com os constituintes fundamentais da matéria, bem como o seu papel na formação de uma Escola de Físicos no Brasil, pois que, em 1957, foi-lhe outorgado o primeiro e o maior prêmio científico brasileiro – o Prêmio Moinho Santista de Ciências Exatas.

Ao finalizar a década de 1950, o professor Tiomno fez um outro importante trabalho intitulado On the K´meson, apresentado no 1960 International Conference on High Energy Physics at Rochester. Neste trabalho, foi prevista a existência de um novo méson, análogo ao méson , de spin zero, porém de paridade oposta, com massa aproximada de , e relacionado com as interações fortes. Nessa mesma Conferência, Gell-Mann fez uma proposta análoga a essa, porém, para ele, tal partícula estaria relacionada às interações fracas. O professor Tiomno, contando com a colaboração de seus ex-alunos Zagury e Videira, publicou então um trabalho mais detalhado sobre esse assunto na Physical Review Letters 6, p. 120 (1960), sob o título: Possible existence of a new (K´) meson. Esse importante fato científico, foi também comunicado à Academia Brasileira de Ciências, na sessão do dia 9 de maio de 1961, por Tiomno, Zagury e Videira. Em tal comunicação, era aventada a hipótese de ser 1 o spin desse novo méson. Ainda em 1961, o grupo experimental da Universidade de Berkeley, sob a liderança de Harold K. Ticho, anunciou a descoberta de um novo méson, denominado de , com as propriedades previstas nos trabalhos do professor Tiomno, e com a massa de .

Iniciou a década de 1960 e o professor Tiomno continuou ensinando na FNFi e pesquisando no CBPF. Na primeira metade dessa década, começou a participação efetiva do professor Tiomno e da professora Elisa, na formação de físicos paraenses. O primeiro paraense a ter contato com esses dois professores foi Carlos Alberto Dias já que o mesmo fazia o Curso de Bacharelado em Física na FNFi/CBPF. Ao terminar este Curso, o professor Dias veio a Belém para ministrar um Curso de Física Atômica, recomendado pelos professores Tiomno e Leite Lopes ao então Reitor da UFPA, professor José Rodrigues da Silveira Neto. Freqüentaram esse Curso, ocorrido no princípio de 1962, cerca de 20 pessoas, dentre eles professores e alunos ligados ao Núcleo de Física e Matemática (NFM) da UFPA, inclusive eu próprio. Com a vinda do professor Dias a Belém, iniciamos, ele e eu, um processo que visava à formação de paraenses, quer em Física, quer em Geologia, por intermédio de uma seleção de docentes e alunos, quer da UFPA, quer do Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), pois eu era também professor àquela época desse Colégio Público. Assim, ainda em 1962, seguiram para a FNFi/CBPF alguns paraenses a fim de estudar Física: Curt Rebello Sequeira, professor do NFM, Carlos Alberto da Silva Lima e Marcelo Otávio Caminha Gomes, alunos da Escola de Engenharia do Pará (EEP). (A ida desses paraenses para a FNFi/CBPF foi estimulada e apoiada pelo professor Djalma Montenegro Duarte, então Diretor do NFM, que conseguiu bolsas de estudo da UFPA para eles. Estes, na FNFi/CBPF, juntaram-se ao também paraense Fernando Medeiros Vieira, professor da UFPA que fazia estágio de pós-graduação no CBPF, trabalhando sob a orientação do professor Horácio Macedo no Laboratório Didático deste Centro. A indicação do professor Horácio ao professor Vieira havia sido feita pelo professor Tiomno.

A partir de 1963, alguns alunos concluintes do Curso Científico do CEPC foram por mim selecionados e encaminhados à FNFi, a fim de prestarem Exame Vestibular. A estes, juntaram-se outros alunos da UFPA, os quais foram transferidos para o Rio de janeiro. A maioria desses paraenses foi estudar no sul do país com bolsas de estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), graças à visão científica de seu então Diretor, professor Djalma Batista, e da antiga Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA), atual Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Os paraenses que saíram de Belém para estudar Física no Rio de Janeiro foram: Herberto Gomes Tocantins Maltez, José Seixas Lourenço, José Ricardo de Souza e Sérgio Guerreiro. Estes, juntaram-se a outro paraense que, por conta própria foi estudar Física na FNFi: Rubério Prado Britto. É importante realçar que quase todos esses estudantes já concluíram o Doutoramento, e estão trabalhando e pesquisando em várias Universidades Brasileiras. Carlos Lima, por exemplo, é professor da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Herberto Maltez é professor da UFPA, Lourenço foi Reitor da UFPA (1985-1989), Marcelo Gomes é professor da USP, Ricardo é professor da UFPA e Sérgio é professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Em 1965, o professor Tiomno foi para Brasília com a finalidade de, juntamente com os físicos brasileiros Roberto Aureliano Salmeron (que fora para lá em 1964) e a professora Elisa implantar o ensino e a pesquisa em Física na UnB, uma vez que o Movimento Militar que eclodiu no Brasil em março de 1964, praticamente extinguiu o CBPF e desestabilizou a FNFi, por considerá-la um antro subversivo. A eles se juntou depois o físico brasileiro Fernando de Souza Barros e sua esposa, a física argentina Suzana Barros e outros. É nesse mesmo ano de 1965, que mais cinco paraenses: eu próprio, Antônio Gomes de Oliveira, Antônio Fernando dos Santos Penna, José Augusto Dias e Luís Fernando da Silva (estes três últimos engenheiros civis recém formados pela EEP), fomos para Brasília, a fim de estudarmos Física, com bolsas de estudo do Centro Latino Americano de Física (CLAF), dirigido à época pelo físico brasileiro Roberto Costa. A fim de justificar a concessão de tais bolsas por parte do CLAF, já que tal organismo só concedia bolsas para fora do Brasil, o professor Tiomno sugeriu ao professor Roberto Costa que considerasse o Norte do Brasil como sendo uma região exterior. No Instituto Central de Física (ICF) da UnB, que era dirigido pelo professor Tiomno, esses cinco paraenses juntaram-se aos paraenses Carlos Lima, Marcelo e Sérgio que, juntamente com alunos de outras partes do Brasil e da América Central e Latina, constituíram as turmas do 3o e 4o anos de Física da UnB. É importante observar que Antonio Penna é hoje professor da UNICAMP, Augusto Dias é professor da Universidade Federal do Espírito Santo, em Vitória, eu, Antônio Gomes e Luís Fernando, somos professores da UFPA, todos nós com estudos pós-graduados lato e stricto sensu (mestre e doutor).

Infelizmente a crise que ocorreu na UnB, em 1965, devido à intolerância do Regime Militar implantado no Brasil a partir de 1964, fez com que mais de 200 professores àquela época, solicitassem demissão da UnB, fato esse que fez com que o professor Tiomno voltasse ao Rio de Janeiro, retomando a sua atividade de pesquisa. A partir de 1967, iniciou com os físicos argentinos Giambiagi e Carlos Guido Bollini, uma profícua colaboração que se estendeu por quase 20 anos. Fechada a FNFi, com o CBPF em ruína científica, e preocupado com a formação de físicos, que já havia sido por duas vezes interrompida, o professor Tiomno prepara-se para fazer o concurso para a Cátedra de Física Superior da FFCL/USP, a qual conquistou em fins de 1967. Assim, a partir de 1968, o professor Tiomno tentou organizar pela terceira vez um grupo de pesquisas desta vez na USP. Para isso, convidou pessoas para comporem tal grupo dentre os quais dois paraenses: eu próprio e o Marcelo Gomes. Na USP fiz Mestrado (1973) e Doutorado (1975), sob a orientação do físico brasileiro Mauro Sérgio Dorsa Cattani, e o Marcelo fez Mestrado, com o professor Swieca, de vez que seu Doutoramento ele o defendeu em Pittsburg, nos Estados Unidos. Novamente a intolerância do Regime Militar Brasileiro, agora de posse de um instrumento repressor, o Ato Institucional Número 5 (AI-5), editado no dia 13 de dezembro de 1968, interrompeu essa nova tentativa do professor Tiomno em criar um grupo de pesquisas em Física, pois ele e vários outros eminentes cientistas brasileiros (Leite Lopes, Elisa, Schenberg, Florestan Fernandes, etc.) foram aposentados compulsoriamente de suas Cátedras, ou posições universitárias, em um triste dia de abril de 1969. Quando essa notícia chegou aos quatro cantos do mundo houve, por parte de eminentes cientistas estrangeiros, uma consternação geral, o que provocou uma série de telegramas de protesto contra esse Ato Complementar Número 75 do AI-5, e de solidariedade aos cientistas atingidos. Por exemplo, o Nobelista Yang endereçou ao General-Presidente Artur da Costa e Silva um telegrama no qual apelava para que ele revisse a aposentadoria forçada dos professores Tiomno e Leite Lopes, já que a mesma, provavelmente, provocaria o fim da pesquisa teórica no Brasil. Eu, Marcelo e outros alunos e amigos do casal Tiomno estávamos em seu apartamento na Rua Maria Figueiredo, no Bairro Paraíso, em São Paulo, quando esse telegrama lá chegou. Era 5 de junho de 1969.

Impedido de trabalhar em qualquer Instituição Brasileira de Ensino, em conseqüência dos atos (Institucional e Complementar), ao professor Tiomno não restava outra alternativa, a não ser de emigrar. Relutou em fazê-lo, pois acreditava que a tempestade-militar que desabara sobre o Brasil era passageira, tanto que continuou a produzir trabalhos científicos, só que indicava sua residência na Rua Alexandre Ferreira, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro, para a solicitação de reprints (separatas) por parte dos interessados em seus trabalhos, já que estava impedido de ter eu nome vinculado a qualquer instituição brasileira. Percebendo então que a tempestade-militar não amainava mas, pelo contrário, estava encrespando-se cada vez mais com o governo do General-Presidente Emílio Garrastazú Medici, o professor Tiomno então aceitou o convite para ser Professor Visitante na Universidade de Princeton, onde seu mestre e amigo Wheeler o recebeu calorosamente, ao lado de eminentes físicos como Freeman John Dyson e M. Goldberger. Passa lá um ano e meio, de 1971 a 1972, parte do tempo nessa Universidade e parte no Institute of Advanced Studies, ainda em Princeton, produzindo uma série de artigos relevantes sobre a Física dos Buracos Negros, isoladamente, ou em colaboração com importantes físicos, como Remo Ruffini, C. V. Vishveshwara, L. Parker, M. Davis, R. A. Breuer, J. M. Cohen e R. M. Wald.

No entanto, a saudade do Brasil e de amigos foi tão grande, que o casal Tiomno decidiu voltar ao Rio de Janeiro, para cumprir seu exílio científico em seu próprio país. Porém, desta vez, em 1973 seus antigos discípulos e colaboradores (Swieca, Nicim, Videira e Erasmo) que trabalhavam no Departamento de Física da PUC/RJ, o levaram a esse Departamento, a fim de que seu querido mestre e amigo pudesse discutir aquilo que sempre foi sua paixão: a Física, além de ministrar aulas de pós-graduação. (Aliás, esse convite já havia sido feito em 1970 ao professor Tiomno que não aceitou para não atrair represálias contra outros professores da PUC/RJ também atingidos pelo AI-5). Felizmente, a pressão do povo brasileiro fez com que a tempestade-militar brasileira fosse paulatinamente dissipada, primeiro com a abertura política patrocinada pelo General-Presidente Ernesto Geisel e depois com a anistia concedida pelo General-Presidente João Baptista Figueiredo. Com isso, o professor Tiomno então contratado como Professor Visitante da PUC/RJ, pôde voltar, juntamente com a professora Elisa, ao seu antigo posto no CBPF, isto é, Professor Titular, a partir de 1980.

Nessas duas instituições brasileiras, o professor Tiomno retomou com grande vigor suas pesquisas com seus antigos colaboradores, dentre eles Giambiagi e Bollini, desenvolvendo com estes uma série de pesquisas em Teoria de Campos de ‘Gauge’. Já no CBPF, o professor Tiomno retomou o seu antigo interesse pela Relatividade (Especial e Geral), e com novos colaboradores, os físicos Waldyr A. Rodrigues, da UNICAMP, e Arthur Kós Antunes Maciel, do CBPF, realizando uma série de trabalhos nos quais são discutidos alguns tipos de experiências envolvendo corpos rígidos (do tipo Marinov) capazes de detectar possíveis violações da Relatividade Especial, conforme se pode ver nos artigos publicados na Revista Brasileira de Física 14, p. 450 (1984) e Physical Review Letters 55, p. 143 (1985). Publicou ainda trabalhos sobre Cosmologia (do tipo Goedel, universos em rotação), com os físicos brasileiros Mário Novello, Ivano D. Soares, Marcelo José Rebouças e Antonio Fernandes da Fonseca Teixeira (este, paraense). São trabalhos tanto na Teoria de Einstein como na de Einstein-Cartan. No momento (1990), o professor Tiomno está vivamente interessado em desenvolver a Física Experimental de altas energias no Brasil. Para o desenvolvimento desse tipo de Física, ele tem contribuído bastante para o sucesso do acordo entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e o FERMILAB (acordo esse que procura desenvolver aquela Física), estimulando a ida de pesquisadores brasileiros ao FERMILAB. Com a volta dos físicos brasileiros João Carlos dos Anjos, Moacyr Henrique Gomes e Souza e Alberto Franco de Sá Santoro, foi implantado um laboratório no CBPF para pesquisas nesse campo e outros desenvolvimentos tecnológicos – LAFEX -, o qual já dispõe do primeiro muiti-processador paralelo ACP (“Advanced Computer Program”) brasileiro .

Jayme Tiomno possui cerca de 100 trabalhos publicados de pesquisa original sobre Relatividade (Especial ou Restrita e Geral), Gravitação e Física das Partículas Elementares; tem participado de vários Congressos nacionais e internacionais, nos quais sempre apresentou idéias novas e promissoras em Física; pertence a várias associações científicas nacionais e internacionais [Sociedade Brasileira de Física, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Academia Brasileira de Ciências, Sigma Csi Association, International Center for Theoretical Physics, com sede em Triste, Itália]; foi Professor Visitante em várias universidades estrangeiras; é autor de livros e Monografias Didáticas e de textos sobre política científica e universitária; contribuiu e continua contribuindo para a formação de físicos paraenses. (No momento, o paraense José Guilherme Rocha de Lima, realiza seu Mestrado no LAFEX.) Este é o PROFESSOR que a UFPA convidou para proferir a Aula Magna de 1986, na qual discorreu sobre a vivência nas quatro instituições brasileiras em que trabalhou: FNFi/CBPF, ICF/UnB, FFCL/USP e DF/PUC/RJ. O professor Tiomno veio ao Pará em companhia de sua esposa, professora Elisa Frota Pessoa, também pesquisadora no CBPF.

[Adendo (2005). Em 6 de fevereiro de 1987, Wheeler escreveu para o físico sueco Stig Gunnar Lundqvist, do Comitê Nobel, indicando Tiomno, Sudarshan, Marshak e a física chinesa Madame Chien-Shuing Wu, para o PNF de 1987, por haverem contribuído para o entendimento das Interações Fracas. Contudo, aquele Comitê atribuiu esse Prêmio aos físicos, o alemão Johannes Georg Bednorz e o suíço Karl Alex Muller, pela descoberta das cerâmicas supercondutoras, em 1986. Para saber mais sobre as atividades científicas do professor Tiomno, depois de 1990, ver o artigo escrito por mim e pelo físico e historiador da ciência, o brasileiro Olival Freire Junior, intitulado Wheeler, Tiomno e a Física Brasileira, publicado na Revista Brasileira de Ensino da Física 25, p. 426 (2003).]

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1. Trabalho publicado nos livros Ciência e Sociedade-Perfis (Editores: Francisco Caruso Neto e Amós Troper) (CBPF/CNPq, 1997) e Crônicas da Física, Tomo 2 (EDUFPA, 1990) ; na Ciência e Cultura 42, p. 848 (1990); na Ciência e Sociedade CBPF/005/87 (1987); e no jornal O Liberal, em 9 de fevereiro de 1986.

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