O AMANTE DA FÍSICA ¹

OPINIÕES

O AMANTE DA FÍSICA ¹

Clodoaldo Fernando Ribeiro Beckmann
Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Pará

Chegou-me, às mãos e aos olhos, a publicação “Ciência e Sociedade”, editada pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, em setembro do ano corrente, contendo o pequeno-grande trabalho de José Maria Filardo Bassalo: “Agora, apenas um filofísico”.

O respeitado professor da UFPA tenta apresentar em pouco mais de duas páginas o que ele chama “um resumo de minha vida civil e universitária”. Não o consegue, porém. Faltam (seria respeito à modéstia?) informes preciosos para que se possa avaliar corretamente a sua contribuição ao ensino da Física nos níveis médio e superior, ao magistério na nossa Universidade, onde ao rigor do ensino da ciência se anastomosaram as discussões administrativas e as lutas classistas visando às funções mais nobres – ensino e pesquisa – da vida universitária; falta a citação da crítica e apreciação do mérito dos livros de sua autoria; falta citar com detalhes sua ação como preservador cultural na reedição ou republicação de teses de professores que fizeram escola, estes sim verdadeiros educadores – termo hoje infelizmente empregado com um significado empolado, vazio e frouxo – nas quais se demonstram a ciência e a erudição dos nossos precursores no magistério.

Bassalo nasceu nesta cidade de Belém, em 10 de setembro de 1935. O dia em que completou setenta anos, passado há pouco, deve ter-lhe trazido algumas alegrias no aconchego familiar e nos cumprimentos dos amigos. Uma tristeza, todavia, acompanhou a data: o afastamento, por força de lei, da sua querida Universidade, na ocasião em que se fala, aqui e ali, na prorrogação da idade limite do serviço público para 75 anos. O que não daria ele para permanecer mais algum tempo ao serviço desta Instituição, da sua terra, dos seus alunos e companheiros! É o que ele chama “minha infelicidade universitária” para concluir: “Bon Dieu, c´est la vie”.

Dos familiares, Bassalo refere-se aos pais Eládio Bassalo, espanhol da Galícia e Rosa Filardo Bassalo, italiana da província de Potenza, aos dois irmãos e duas irmãs (Antonio e Mario, Madalena e Maria José). Cita os filhos e lhes nomeia os cônjuges com seus títulos profissionais e acadêmicos. E, em poucas linhas, lembra o seu casamento com Célia Coelho Bassalo, em 6 de outubro de 1962. Célia, filha de Inocêncio Machado Coelho, figura de prol nas letras paraenses, ocupou funções relevantes na UFPA, foi Diretora do Centro de Letras e Artes e é Mestre em Teoria Literária. No casal, arte e ciência se uniram no ensino e na produção universitária, cada qual com seu próprio brilho.

Bassalo estudou as primeiras letras no Instituto Luso-brasileiro, do professor Raimundo Firmiano Lobo. De 1947 a 1953, freqüentou o Colégio Estadual Paes de Carvalho, nos cursos ginasial e científico. Cursou Engenharia Civil a partir de 1954, na Escola de Engenharia do Pará, diplomando-se em 1958. Neste período, foi professor em curso secundário no Colégio Abraham Levi e, a seguir, no Colégio Estadual Paes de Carvalho. Ainda como estudante de Engenharia começou a trabalhar no Serviço Municipal de Estradas de Rodagem (que se tornaria Departamento Municipal de Estradas de Rodagem), aposentando-se como engenheiro em 1985.

Suas atividades no magistério superior iniciaram-se em agosto de 1961, como Instrutor de Ensino no Núcleo de Física e Matemática, sub-unidade universitária estruturada pelo Reitor José da Silveira Netto, para ministrar o ensino dessas duas matérias previsto no currículo de vários Cursos. O Núcleo de Física e Matemática foi o embrião do Centro de Ciências Exatas e Naturais e o toque inicial na formação pós-graduada de professores nesses ramos da ciência.

Daí por diante, Bassalo progrediu nos diferentes degraus da carreira do magistério, chegando, em 1989, a professor titular, por concurso, no Departamento de Física da UFPA.

A chegada ao grau mais elevado da carreira não constitui para Bassalo um convite ao repouso intelectual, como tenho verificado em muitos casos em nossa Universidade. Da ministração de aulas na graduação e na pós-graduação, ao desenvolvimento das linhas de pesquisa e prestação de serviços à comunidade, as atribuições são, com freqüência, delegadas ao mais jovens, com o alheamento daqueles que, na titularidade, deveriam, como conseqüência lógica das suas capacidade e experiência, estar na linha de frente para formar escolas científicas.

A análise, ainda que perfunctória do currículo de José Maria Filardo Bassalo, mostra:

a – atividades de ensino em 24 disciplinas de Graduação; 8 disciplinas em cursos de extensão; 14 disciplinas em Pós-Graduação (lato e stricto sensu);

b – atividades de orientação: 10 teses ou dissertação de mestrado; 29 trabalhos de conclusão de curso;

c – atividades científicas: 39 trabalhos científicos publicados no Brasil e no exterior; 176 trabalhos sobre a História da Física, publicados em revistas nacionais e internacionais; 168 conferências, palestras e atividades assemelhadas; 23 artigos sob forma de capítulos de livros; 13 livros editados pela UFPA, a saber: Introdução à Mecânica dos Meios Contínuos (1973); Aspectos Contemporâneos da Física (2000), com Antônio Boulhosa Nassar e Mauro Sérgio Dorsa Cattani; Tópicos da Mecânica Quântica de de Broglie-Bohm (2003), com Antônio Boulhosa Nassar, Mauro Sérgio Dorsa Cattani e Paulo de Tarso Santos Alencar; Teoria de Grupo e Algumas Aplicações em Física (2005), com Mauro Sérgio Dorsa Cattani; Crônicas da Física: Tomos 1 (1987); 2 (1990); 3 (1992); 4 (1994); 5 (1998); 6 (2002); Nascimentos da Física (3.500 a. C. – 1900 A. D.) (1996); Nascimentos da Física (1901-1950) (2000); Nascimentos da Física (1951-1970) (2005); Nascimentos da Física (1971-2000) (em revisão). Neste item, incluem-se ainda: Parecerista ad hoc do Caderno Brasileiro de Ensino de Física; Verbetes no Who´s Who in World (1999, 2000); Who´s Who in Science and Engineering (2000-2001); Outsanding People of the 20th Century (1999); Membro do Colégio de Consultores da COLEÇÃO MEMÓRIA DO SABER, do CNPq.

d – Sociedades científicas e culturais: Membro Titular da Academia Roraimense de Ciências; Membro Ativo da Academia de Ciências de New York; Membro das seguintes Sociedades Científicas: Sociedade Brasileira de Física, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Sociedade Brasileira de História da Ciência (fundador) e Sociedade Portuguesa de Física.

e – Atuação jornalística: 164 artigos escritos para os jornais: O Liberal, A Província do Pará, Diário do Pará e Jornal Pessoal, de Belém; Jornal da Ciência, do Rio de Janeiro; o Estado de São Paulo, de São Paulo. *

Na trajetória do Conselho Estadual de Cultura, três ilustres cientistas tiveram assento no seu plenário. O primeiro foi Luiz Miguel Scaff, sanitarista de alta reputação, autor de notáveis trabalhos na sua especialidade, falecido em 1991. O segundo, Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, matemático e físico, também um gerente de ciência, pela sua colaboração administrativa neste campo, prematuramente falecido. O terceiro, Leônidas Braga Dias, patologista e pesquisador, inclusive sobre história da ciência, pouco tempo se demorou entre nós. Perdêmo-lo também por falecimento. Colaborador deste Conselho, sendo inclusive Consultor da Revista de Cultura do Pará, Bassalo é digno continuador da presença de cientistas neste Colegiado.

As atividades culturais de Bassalo, não estritamente especializadas por ligação com a Física, mas no sentido amplo da cultura, manifestaram-se expressamente na obra de preservação cultural que se materializou na edição das Teses de concurso para cátedra no Colégio Estadual Paes de Carvalho e Escola Normal do Pará, escritas pelos ilustres Francisco Paulo Mendes, Maria Annunciada Ramos Chaves, Maria Amélia Ferreira de Souza, Rui da Silveira Britto, Aloysio da Costa Chaves e outros mais. Nestas edições está registrado, como uma das entidades organizadoras, o Conselho Estadual de Cultura.

Afastado do convívio direto com a UFPA, Bassalo tem planos para a criação da Fundação Minerva, destinada à divulgação das culturas técnico-científica e humanística aos jovens paraense que desejarem servir ao desenvolvimento da Amazônia.

Existem, no meio extraordinária produção acadêmica de Bassalo, duas idéias que ele não conseguiu concretizar: a criação do Instituto de Tecnologia da Amazônia e a criação de uma Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará, a exemplo das que existem em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Que os seus discípulos trabalhem no sentido de concretizar as duas idéias. Aprenderam com a doutrina e com o exemplo. Resta aplicá-los.

Nas lides universitárias, Bassalo e eu estivemos muitas vezes em confronto. Com sérias responsabilidades na administração de Daniel Coelho de Souza, as dificuldades enfrentadas pela Universidade forçaram-me a algum desacordo logo superado sem deixar seqüelas desagradáveis.

Bassalo define-se hoje como um amante da Física. Expandir esse amor é uma forma de felicidade. Continuar o trabalho construído em 44 anos de magistério é uma forma de recompensa, a mais nobre e a mais pura.

———
1. Artigo publicado no jornal Diário do Pará, nos dias 26 e 27 de outubro de 2005.

No comments yet.

Leave a Reply