ODE ¹

OPINIÕES

ODE ¹

Haroldo Maranhão

PARAENSIBUS ET PARAENSIBAS!

I.

Amicus et Magister Bassalorum
Maximum inter pares et inter impares.
Es tuu modestissimus in sacra scientia
sacra sapientia. Numeri, numeri numerorum.

II.

Heu! Bonos amicus libri
Zelus comedit domus Dei instanter
Atque stulti academiae
qui abominas tuu et gloria mundi.

III.

Paterfamilias de pecuni castae
Non est prelatus de gravatae et paletorum
Et nunc in causa calorum Bethlem
Si causa tuu simplicitá.

IV.

Tu labor laborossimus
altas e albas turres sapientiam
in amphiteatrus tuu redes cearensis
at augustus palacius Coelhorum.

V.

Vestis hic regina Coeli costurat
sunga caboclorun veropesus
Nunc nunc toga magistratus
Homo populis!

VI.

Salve, salve, Bassalus, Bassalorum!
Praelis sponsa verbo Archipresbiteri
Evax Triumphe! Doctor honoris causa
Universitá Terra Amazonis.

VII.

Nobilibus et honoratis
Bethlem veio Physicatum
Quanticum! Quanticum! Quanticum!
Opubis, Scientia, Docti e indocti.

VIII.

Natalis soli Bassalorum
Stulti babacorum
Stigmatum academicus
Uti qui rapina canoarum urbem et orbem.

VIII.

Bassalus, Bassalus, Bassalorum.
Magister, Magister, Magistorum.
Physicum, Physicum, Physicorum.
Quanticum, quanticum, quanticorum.
Bassalus, Bassalus, Bassalorum!

Argumento da ODE

O Autor dirige-se aos Paraenses e às Paraenças, aos Brasileiros e às Brasiléculas, aos Bruxelenses e às Bruxelosas, aos Lisboetas e às Lisboosas, os Espanhóis e às Espanhozas, aos Homens e aos Não Homens e às Mulheres e às Não Mulheres do mundo, chamando a atenção para um grandíssimo Mestre de teoremas e largas e espaçosas competências na aritmologia, nos diâmetros do Sol e da Lua para o cálculo dos eclipses, nos números numerantes, nos números perfeitos, tal e qual, verbi gratia o Vintoito, XXVIII, 28, que é igual à soma de seus divisores excetuando ele próprio e que goza, goza tal um menino nas horas caniculares, nas artimanhas da rabdologia. Tal é o Amicíssimo do Autor, o Excelso Doutor Professor peagadeuta Bassalo ou Baçallo, Bassalus, Bassalus, Bassalorum, o máximo entre os máximos, quanto mais dos mínimos, que estes se acreditam em máximos sítios nas academias de ciências naturais e positivas e conselhos provinciais de philosophias barathicas, manuéis e barathas. O singelíssimo sábio, que tanto e tanto acumulou em espaçosos saberes armilares feito de esferas, esferas & esferas, ou armilas, figurativas da celeste esfera, tal suas magnitudes, que os mais transitam ao nível do chão ou abaixo deste, nas mais inferiores camadas em castas de inópia nas mínimas letras e nos números mais pobres nem a dez chegantes. O numeroso sapiente Bassalo ou Baçallo, amigo-amigo de livros muito altos, e que sorri dos cumes a que se alçapremou, dos risíveis conselheiros acacíssimos, historiadores histriônicíssimos, elaboradores de Actas impagabilíssimas, de Votos Congratulatórios jocosíssimos, de Comunicações científico-literárias irresistibilíssimas, que imprimem em volumes de conteúdos franciscaníssimos, que efetuam conferências comiquíssimas, pomposíssimos eles todíssimos, soleníssimos, inscientíssimos de tudíssimo, incapacíssimos de aguentaríssimos qualquerríssima conversíssima nem sequeríssima seríssima, pela sua sacramentalíssima jumentice, o que tudíssimo, ao finzíssimo e ao cabíssimo é engraçadíssimo, senhoríssimos parvíssimos a brincarem de cultíssimos.

Honrado concidadão e chefe cabal de família, que vive do que é seu, do que ganha nos seus ensinos, de castíssimas pecúnias. Não é e nunca foi gênero janota, atido a gravatas e paletots, dos quais se exime e se eximiu porque é um nímio simples simplíssimo, simploríssimo. O qual nas ruas anda à fresca vestido não mais que de blusas e blusões, que não dispensa mesmo sob a imposição de fatos da Rainha Coelia, a cujos decretos se curva em doce sujeição, que ela ordena pondo no mando delicadezas, tanto que das letras tantíssimo ocupada, se emprega no ofício de costurar para o mestre calções de pobríssimo brim, que ele assim os deseja porque abominaria vestir-se de panos ricos do Au Bom Marché ou da Maison Française, onde são as fazendas compradas para as becas acadêmicas, para os recipientes e recipiendários, para os celebrados titulares de cativas poltronas, que os ocupam conquanto vazias permaneçam, no geral. Mestre de mestres, Bassalo ou Baçallo enverga mero calção habitando como habita o palácio amplíssimo dos Coelho, quando talvez desejasse dormir, roncar, talvez sonhar, quem sabe, num qualquer purrinhém, que é homem pelo que é, de purrinhéns, um calção de brim puído, e nada mais que um calção de brim puído, exonerado, no interior do coelhal palácio veneziano, do incomodatício de blusa, e nem pelo calor da cidade de Belém do Grão-Pará, úmida e cheia de abafações, mas pela sua genuína simplicidade, própria dos sábios e dos caboclos do cais singelo onde se afere o vero peso, de cheiros eternamente mesclados de cofos de caranguejos e de pútrido lodo e de lusos urubus que não se lavam nos sovacos e noutros trechos, urubus que levam nomes como estes: Egas, Brocalho, Reguefeiro, Oromundo, Bequeimão, Cibaldo, e outros mais que largaram-se do Tejo e do Mondejo para a ponta do castelo, propínqua além do mais de um necrotério. O plácido Bassalo ou Baçallo ensina-se não peripateticamente, que o aprendizado a passeios poderia efetuá-lo ou no Largo da Pólvora ou na nave de obra de quinze léguas do palácio dos augustos coelhos, pessoas por igual de alargada ciência. Porém não afeito é, o senhor doutor peagadeuta Bassalo, a peripatetizar de cá para lá, a gastar solas além do mais, inclinando-se por adotar método próprio, isto é, ao embalo de rede cearense que sozinha pelo costume até se embala, levando para adiante e para trás o sapiente, a conjeturar sobre teoremas, rede de quatro chinelos, pela causa de nela poder enfiar-se também com a mulher, que com ele aprendeu a se ensinar as letras enquanto ele a si se ensina números. Haveria quem dissesse do physico inclitíssimo, tratar-se de um pescador a saltar de convés em convés das canoas no Porto do Sal, tamanha a singelice dele, que aborrece câmaras de celebrações acadêmicas, perante as quais não capitula, nem nelas daria públicas lições, até porque ninguém naqueles anfiteatros entenderia as sustentações de tudo o que sustentasse.

O Autor festeja-o portanto e o saúda, ao homem do povo com cara de povo, que se veste de povo, que passa entre os mais como povo que come peixe moqueado de cócoras na ponte de embarque e desembarque das canoas da Vigia, vigiense que embora não sendo vigiense tem jeito e formato de vigiense, vermelho de um sol que o queima não de fora mas de dentro, o sol da acrossofia e dos teoremas mais subidos e crescidos, physico excelsíssimo, da Physica Quantyca, opulento homem do chão natal dos Paraensibus e das Paraensibas, que não desperta a atenção mais mínima dos babacas e dos bolônios conselheiros, os sofômanos de gravatas e paletozes, de tudo se colhendo que Bassalo é Bassalo, Bassalus, Bassalus, Bassalorum.

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1. Este é o Capítulo XXXIII (pgs. 136-140) do livro do escritor brasileiro, o paraense Haroldo Maranhão (1927-2004), intitulado Cabelos no Coração e publicado pela Rio Fundo Editora, em 1990.

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