ROBERTO AURELIANO SALMERON: CIENTISTA E “GENTLEMAN” ¹

PERFIS

ROBERTO AURELIANO SALMERON: CIENTISTA E “GENTLEMAN” ¹

Foi com imenso prazer e honra que aceitei o convite de meu estimado amigo, professor e cientista Alberto Franco de Sá Santoro, um dos descobridores do quark top, para participar da homenagem ao também estimado amigo, o ilustre professor e cientista Roberto Aureliano Salmeron, por ocasião do XXII Encontro Nacional de Física de Partículas e Campos (XXII-ENFPC), ora em realização nesta primavera de 2001. Destacarei, aqui, alguns aspectos de minha convivência com esse gerador, gerenciador e divulgador da Ciência Física e de sua Política, nascido na cidade de São Paulo, em 16 de junho de 1922.

Meu primeiro contato com o nome do professor Salmeron ocorreu em 1953 quando, aluno do então 3o. ano do Curso Científico no querido Colégio Estadual “Paes de Carvalho’’ (CEPC), em Belém do Pará, me preparava para prestar o Exame de Vestibular, em fevereiro de 1954, para a então Escola de Engenharia do Pará. Esse contato deveu-se ao estudo que fiz em seus dois livros: Introdução à Eletricidade e ao Magnetismo e Introdução à Óptica.

Esses dois livros (que também me ajudaram bastante no preparo de minhas aulas quando comecei a lecionar a disciplina Física, no extinto Colégio “Abraham Levy’’, em 1955, e no CEPC, em 1957) destacavam-se dos livros dos autores brasileiros tradicionais usados no Curso Científico (por exemplo: Aníbal Freitas e Francisco Alcântara Gomes Filho) pela abordagem conceitual e operacional atualizada dos fenômenos físicos neles discutidos.

Segundo informação pessoal do professor Salmeron, esses livros foram escritos por ele em 1943, o de Eletricidade e Magnetismo, e por volta de 1944 ou 1945, o de Óptica (este, escrito em cinco domingos) quando era aluno de Engenharia Mecânica e Elétrica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, já que ensinava essas disciplinas em colégios secundários e em um “cursinho preparatório’’ aos Exames Vestibulares dessa Escola. A idéia de escrevê-los decorreu do fato de que não havia, em português, textos que ensinassem essas disciplinas como ele próprio achava que deveriam ser ensinadas. Assim, começou a preparar as aulas e, à medida que eram ministradas, iam sendo taquigrafadas por um de seus estudantes. Este, juntamente com os demais colegas, solicitou ao professor permissão para preparar cópias mimeografadas e utilizá-las. Os estudantes, então, se responsabilizaram pelas despesas da impressão dessas Notas de Aula e forneceram uma cópia ao professor Salmeron. No entanto, como essas Notas eram bastante procuradas por alunos de outros colégios e “cursinhos’’ paulistas, teve início um comércio ilegal em torno delas. Desse modo, com a ajuda de um amigo, proprietário de uma pequena impressora, o professor Salmeron permitiu que elas fossem impressas em forma de livros, e então, comercializadas por um preço quase de custo.

Quando esses livros do professor Salmeron passaram a ser conhecidos nacionalmente, um de seus cunhados e grande amigo, Luiz Curimbaba Gomes, aumentou a sua tiragem e passou a distribuí-los para muitas cidades brasileiras. É oportuno registrar que, graças ao dinheiro arrecadado pela venda desses livros, o professor Salmeron conseguiu terminar seu trabalho de doutoramento em Manchester, na Inglaterra (iniciado em fevereiro de 1953 e concluído em agosto de 1955), uma vez que a bolsa de estudos que havia ganhado da UNESCO para realizar esse trabalho foi cancelada em outubro de 1953, pois havia a crença de que os físicos poderiam ser envolvidos em espionagem, em virtude do famoso caso de espionagem do casal Julius e Ethel Rosenberg, executado nos Estados Unidos, em 19 de junho de 1953. Registre-se, também, que professores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) acabam de transformar o livro Introdução à Eletricidade e Magnetismo em disco CD-ROM, como parte de um programa para melhorar o ensino da Física por intermédio do computador.

Meu convívio pessoal com o professor Salmeron aconteceu em 1965, na Universidade de Brasília (UnB). Vejamos como isso ocorreu. Para chegar ao professor Salmeron contarei alguns fatos que concorreram para esse encontro e aproveitarei esta ocasião para relembrar minha chegada a Brasília, e também falar um pouco a respeito de outros estudantes de Física. Em 1963, por motivo de doença de meu pai, Eládio, fui ao Rio de Janeiro. Nesse estado, por intermédio de meu estimado amigo Carlos Alberto Dias (hoje, um dos principais líderes da pesquisa internacional em Geofísica do Petróleo), fui apresentado ao professor Jayme Tiomno, no CBPF, cujo relacionamento, a partir daí, tornou-me admirador de seu talento científico e permitiu-me privar de sua dileta amizade.

Com o Movimento Militar ocorrido no Brasil, em 30 de março de 1964, o professor Tiomno deixou o CBPF e foi para a UnB a fim de dirigir o Instituto Central de Física Pura e Aplicada (ICFPA), aceitando o convite formulado pelo professor Salmeron, que dirigia o Instituto Central de Ciências (ICC) dessa Universidade.

Em virtude da crise nas Universidades Brasileiras, em decorrência da “caça aos comunistas’’ promovida por radicais direitistas, civis e militares, dirigentes e defensores daquele Movimento, aceitei o convite que o professor Tiomno me formulou para estudar Física na UnB. [Nessa ocasião, eu era Instrutor de Ensino na então Universidade do Pará, hoje Universidade Federal do Pará (UFPA).] Assim, no início de março de 1965, juntamente com os recém-formados engenheiros civis Antônio Fernando dos Santos Penna, Augusto José Dias e Luís Fernando da Silva, e mais o acadêmico de engenharia civil Antônio Gomes de Oliveira, fomos para o ICFPA, com bolsas de estudo do Centro Latino-Americano de Física (CLAF), dirigido pelo professor Roberto Bastos da Costa. Essa turma de paraenses que se dirigiu para Brasília foi acrescida do professor Manoel Viégas Campbell Moutinho, para estudar Matemática, e de Marcelo Otávio Caminha Gomes e Carlos Alberto da Silva Lima, então estudantes de Física, na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), no Rio de Janeiro. Em Brasília, nós paraenses e mais o carioca Mário Novello e o gaúcho Renato Parreiras Horta Laclette, moramos em uma “república’’ que se situava na Avenida W2 Sul, nos altos da Padaria Bambina. Registre-se que, na outra “república’’, situada também nos altos dessa Padaria, porém com entrada pela Avenida W3 Sul, moravam os cearenses José Francisco Julião e Newton Theófilo de Oliveira, o carioca Jayme Warszawski, o boliviano Angel Pérez Saavedra, o equatoriano Manoel Villavicencio Vivas e o nicaraguense Oscar Jimenez, todos também estudantes de Física.

Recordo-me bem do dia em que cheguei em Brasília, pois o céu estava completamente azul e corria um vento bem frio, mas suportável para um nortista. Nesse mesmo dia, depois de instalado na “república’’, juntamente com os outros paraenses recém-chegados, fui visitar o prédio do ICC, o “minhocão’’, ainda em construção. Nas cercanias do prédio, de 700 metros de comprimento, minha curiosidade de engenheiro civil me levou a conhecer o protótipo de uma casa projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, para os que habitariam o Campus da UnB. Era um “caixão de concreto armado’’ com quarto, cozinha e sanitário, em torno de 10 metros quadrados, numa distribuição magistral.

Feita essa longa digressão, retornaremos ao contato com o professor Salmeron. No ICFPA estudei as seguintes disciplinas: Teoria Eletromagnética I, II com o professor Tiomno, Física Atômica I com o professor Salmeron, Física Atômica II com o professor Fernando de Souza Barros, Eletrônica Básica I, II com o professor Dione Craveiro Pereira da Silva, e Matemática para Físicos I, II com o professor Marco Antônio Raupp. Lembro-me de que as aulas do professor Salmeron foram compiladas por mim e entregues a ele, pois pretendia transformá-las, no futuro, em um texto didático.

Ao mesmo tempo em que estudava essas disciplinas, auxiliava, juntamente com Carlos Lima e o carioca Miguel Armony, o professor Salmeron nas disciplinas Física I, II, que ele ministrava para cerca de 200 alunos do Curso Básico da UnB, das áreas das Engenharias e das Ciências Básicas (Física, Geologia, Química e Matemática). Nossa função era corrigir e discutir cerca de dez problemas semanais propostos àqueles alunos, divididos em três turmas. O texto usado era o livro de Francis W. Sears e Mark W. Zemansky, University Physics, editado pela Addison-Wesley Publishing Company Incorporation, em 1964. Esse livro iniciava com o estudo da Óptica.

Além de dirigir o ICC e ministrar duas disciplinas, o professor Salmeron participava de seminários no ICFPA, nos quais se discutiam textos de Física (teóricos e experimentais), com a presença dos professores Tiomno e Elisa Frota Pessoa, Raupp, Fernando e Suzana de Souza Barros, Dione, Luís Tahuata, Walter Cordeiro Skroch, Miguel Taube Netto, Ramiro de Porto Alegre Muniz, Carlos Alberto Ferreira Lima e dos professores visitantes, o argentino Carlos Alberto Garcia Canal e os franceses Michel Paty e Georges Durupthy.

Além de toda essa atividade, o professor Salmeron começava a preparar a UnB para receber um acelerador de partículas (ciclotron) que o general francês Charles de Gaulle, então presidente da França, ofereceu ao Brasil, aquando de sua visita ao nosso país, em outubro de 1964. Para isso, contava com a participação do professor Paty, especialista em Física de Partículas Elementares, e do professor Durupthy, especialista em Eletrônica.

Contudo, com a crise na UnB e com a saída coletiva de 223 professores, em outubro de 1965, interrompeu-se o que seria a grande Universidade Brasileira, a Universidade Utópica de Darcy Ribeiro. Aliás, essa crise foi bem descrita pelo professor Salmeron em seu livro A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965, publicado pela Editora da UnB, em 1999.

Sobre a crise da UnB, é interessante registrar alguns fatos relacionados ao caráter ilibado, à personalidade marcante e à extrema educação do professor Salmeron. Em uma reunião (com a presença do reitor Zeferino Vaz), na qual se discutia a idéia fixa de os militares radicais “revolucionários’’ banirem da UnB os comunistas “indesejáveis’’ e a conseqüência dessa insensatez para o futuro dos professores e alunos de Física da UnB, o professor Salmeron argumentou sobre o que representaria para o futuro do Brasil a Física que seria desenvolvida na UnB com a chegada do ciclotron. Essa argumentação foi tão convincente que levou o meu colega, o gaúcho Carlos Carreta, a fazer o seguinte comentário: – “Bassalo, o professor Salmeron é um autêntico dialético-marxista’’. É importante notar, para registro histórico, que estavam presentes nessa reunião todos os professores e alunos do ICFPA. Aos alunos citados acima, acrescente-se: os cariocas Cássio Sigaud Filho, José Carlos e Sônia Valladão de Mattos, Maria Helena Poppe de Figueiredo, Sérgio Joffily, João Carlos dos Anjos e Miriná Barbosa de Souza, o amazonense Alberto Santoro, o paranaense José Medina, o potiguar Marcos Duarte Maia, o goiano Eliermes Arraes Menezes e os paulistas Antônio Rubens Britto de Castro e Luiz Augusto Discher de Sá.

De outra feita, quando os estudantes da UnB tomaram conta do Restaurante Universitário em protesto pelo crime que os militares estavam cometendo contra a sua Universidade, o professor Salmeron subiu em uma mesa e pediu aos alunos que não cometessem nenhum desatino. Como não foi atendido, arrematou: Então, vocês não são mais meus amigo. Essa atitude do professor Salmeron provocou o seguinte comentário de Augusto Dias: Bassalo, o Salmeron é um verdadeiro `gentleman’. As pessoas pisam nele e ele ainda pede desculpas.

Essa educação refinada do professor Salmeron seria posta à prova, quando, ao descer no elevador de seu prédio, juntamente com um civil poderoso e ardoroso defensor da ação militar na UnB, gentilmente disse “não’’ ao convite que este lhe transmitira para aceitar as demissões dos professores e, com isso, tornar-se o reitor da UnB. Esse convite teria sido formulado, segundo esse civil, pelo próprio Presidente da República, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.

Apesar de todo o drama que vivemos com a crise da UnB, houve momentos de humor. Com efeito, certo dia, provavelmente em setembro de 1965, o professor Salmeron entrou risonho no ICC. Perguntamos a razão de sua descontração e ele respondeu: – “Imaginem que o Laerte Ramos de Carvalho nos mostrou, agora, na reitoria, que estava recebendo de professores estrangeiros uma série de telegramas de congratulações pela sua atitude’’. Esse professor paulista, que viera substituir o professor Zeferino para destruir a UnB, não entendia, observou o professor Salmeron, que esses professores estrangeiros estavam convencidos de que o reitor estava defendendo a sua Universidade (como é natural) contra a intervenção militar, e nunca poderiam conceber que ele, reitor, era o próprio veículo dessa intervenção.

As múltiplas atividades do professor Salmeron mencionadas acima não lhe permitiram mostrar em toda a sua plenitude, pelo menos para mim, as suas atividades de cientista (Physicien Supérieur) quando trabalhou, de agosto de 1955 a dezembro de 1963, no Conseil Européen (Organization Européene) pour la Recherche Nucléaire (CERN), uma organização científica internacional localizada em Genebra, Suíça, que objetiva, principalmente, pesquisar o caráter fundamental da Física. Eu só tive oportunidade de conhecer o nível científico do professor Salmeron no momento em que comecei a me interessar pela Física das Partículas Elementares. Isso ocorreu em 1970 quando participei do III Simpósio Brasileiro de Física Teórica, ocorrido na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Nessa ocasião, conversando com o físico potiguar Liacir dos Santos Lucena (hoje, meu estimado amigo, que mais tarde colocou a Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no cenário internacional, juntamente com os físicos potiguares, também meus estimados amigos, Juarez Pascoal de Azevedo e Luciano Rodrigues da Silva) sobre a minha experiência como aluno e monitor do professor Salmeron na UnB, ele me disse: – “Bassalo, você sabia que o Salmeron está citado no livro do Frazer (William R. Frazer, Elementary Particles, Englewood: Prentice Hall, 1966) por ser um dos físicos que, no CERN, em 1963, comprovaram a existência de dois neutrinos’’? Mais tarde, em 1978, quando comecei a escrever as Crônicas da Física, particularmente a Crônica da Física das Partículas Elementares (Tomos 1 e 2, EDUFPA, 1987 e 1990), compreendi o verdadeiro significado dessa afirmação de Liacir. Trata-se do seguinte.

Em 1930, o físico austro-norte-americano e laureado Nobel (1945) Wolfgang Pauli Junior havia proposto a existência de uma nova partícula elementar para poder explicar o decaimento beta ( ), ou seja, a transformação do nêutron em um próton e a emissão do elétron. Contudo, como essa reação nuclear não satisfazia a lei de conservação da massa-energia, Pauli propôs então a existência de uma partícula que preservava esse “dogma’’ científico. Mais tarde, em 1934, o físico ítalo-norte-americano e também laureado Nobel (1938) Enrico Fermi apresentou a teoria matemática desse decaimento, ocasião em que deu o nome de neutrino à partícula de Pauli.

Por outro lado, em 1947, a célebre experiência realizada pelos físicos, os ingleses Sir Cecil Frank Powell (laureado Nobel, 1950) e Hugh Muirhead, o italiano Giuseppe Paolo Stanislao Occhialini e o brasileiro César Mansuetto Giulio Lattes, mostrou que existiam dois tipos de mésons – mi ( ) e pi ( ) – hoje, respectivamente, múon e píon, sendo que o primeiro decorria do decaimento do secundo.

Logo depois, em 1950, os físicos norte-americanos Carl David Anderson (laureado Nobel, 1936), Robert Benjamin Leighton, Aaron J. Seriff, C. Hsiao e E. W. Cowan observaram que o múon também apresentava um decaimento, envolvendo o elétron, o neutrino de Pauli-Fermi (hoje, neutrino associado ao elétron – ) e, provavelmente, um outro tipo de neutrino.

O primeiro arranjo experimental construído com o objetivo de detectar o foi idealizado pelos físicos norte-americanos Frederick Reines (laureado Nobel, 1995) e Clyde Lowain Cowan, em 1953, ao estudarem a colisão de um fluxo de neutrinos oriundos do decaimento produzido pelo reator nuclear do Hanford Engineering Works. Nessa colisão foi observada a produção de nêutrons e de pósitrons (estes descobertos por Anderson, em 1932). No entanto, as experiências realizadas durante a década de 1950 e começo da década de 1960 envolvendo neutrinos colocaram em relevo a seguinte questão: será que os neutrinos oriundos do decaimento eram os mesmos que os decorrentes do decaimento dos píons? Ou seja, será que um fluxo de neutrinos provindos do decaimento dos píons, ao colidir com prótons ( ), produziria nêutrons ( ) e pósitrons ( ) como observado por Reines e Cowan? Contudo, antes de se poder realizar tal experiência, existia a questão de se obter o feixe de neutrinos produzido pelos píons.

Em 1960, os físicos, o ítalo-inglês-russo Bruno M. Pontecorvo, o norte-americano Melvin Schwartz (laureado Nobel, 1988), e os sino-norte-americanos Tsung-Dao Lee e Chen Ning Yang (ambos laureados Nobel, 1957), em trabalhos independentes, propuseram um tipo de experiência para a produção dos neutrinos associados aos píons, qual seja: , . Essa experiência foi realizada em 1962 com o ciclotron Nevis do Brookhaven National Laboratory, nos Estados Unidos, pelos físicos norte-americanos Leon Max Lederman (laureado Nobel, 1988), Schwartz, Jack Steinberg (laureado Nobel, 1988), G. Danby, J. M. Gaillard, K. Goulianos, e N. Mistry.

Por fim, a existência de dois neutrinos [um associado ao elétron ( ) e outro associado ao múon ( )] foi confirmada no CERN, em 1963 (vide Physics Letters 13, p. 80; 86, 1964), em experiências das quais participaram o professor Salmeron e os físicos G. Bernardini, J. K. Bienlein, A. Bohm, G. von Dardel, H. Faissner, F. Ferrero, Gaillard, H. J. Gerber, B. Hahn, V. Kaftanov, F. Krienen, C. Manfredotti, M. Reinharz, P. G. Seiler, A. Staude, e H. J. Steiner. Note-se que hoje é conhecido um terceiro neutrino ( ) associado ao lépton pesado tau , partícula descoberta em uma experiência realizada no Stanford Linear Accelerator Center, em 1975, sob a liderança do físico norte-americano, o laureado Nobel (1995) Martin Lewis Perl.

Além desse relevante trabalho para o desenvolvimento da Física, o professor Salmeron deu outras contribuições, também importantes, trabalhando em vários tópicos dessa ciência, com cerca de 150 artigos publicados em revistas internacionais e em “proceedings’’ de conferências internacionais, distribuídos nas seguintes áreas: interações de raios cósmicos de altas energias; produção de partículas estranhas em raios cósmicos (nestes dois tópicos, destaque-se a descoberta do então méson tau ( ) neutro, em 1956, e da primeira produção associada de mésons K, em 1957); interações de neutrinos de altas energias; teoria de interações fracas; influência do bóson intermediário W na desintegração radiativa do méson; aniquilações antipróton-próton e produção de mésons nessas aniquilações; produção e propriedades de ressonâncias mesônicas e bariônicas; interações hadrônicas de altas multiplicidades e reações inclusivas; interações píon-núcleo; produção de pares de léptons em colisões hadrônicas; produção de mésons vetoriais, e em especial o jota/psi ( ), em colisões hadrônicas (esta área de pesquisa evidenciou que a produção dessa partícula, descoberta em 1974, decorre da aniquilação quark charme (c)-antiquark charme ( ) a energias de algumas dezenas de GeV); funções de estruturas de mésons; interações de íons pesados; procura do plasma de quarks e glúons.

Registre-se que muitos desses trabalhos resultaram de propostas de novas experiências com novos detectores (por exemplo, o famoso DELPHI) que o professor Salmeron, juntamente com outros físicos, apresentou ao CERN e que abriram novos campos de atividades dessa instituição científica. Note-se, também, que a experiência sobre a procura do plasma de quarks e glúons – a “sopa de quarks-glúons’’ – continua em andamento no CERN e decorre de um trabalho teórico sobre interações núcleo-núcleo realizado pelo professor Salmeron e publicado em 1993, na Nuclear Physics B389, p. 301. Para mais alguns detalhes sobre o trabalho científico do professor Salmeron, veja, por exemplo, seu depoimento para o jornalista Alessandro Greco no livro Homens de Ciência, Conrad Editora do Brasil, Ltda., 2001.

Paralelamente a essa função de gerador da Ciência Física, o professor Salmeron tem ainda contribuído no gerenciamento dessa Ciência, colaborando de maneira decisiva na formação e consolidação de vários grupos de ensino e pesquisa em diversas instituições nacionais e internacionais e na organização de conferências nacionais e internacionais (algumas delas, como presidente). Além disso, tem exercido diversas atividades em Sociedades e Revistas Internacionais de Física e, entre 1985 e 1989, foi Conselheiro da Royal Swedish Academy of Sciences para submeter propostas para atribuição do Prêmio Nobel de Física. Creio que o título de Directeur de Recherche Emérite do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), em Paris, França, desde outubro de 1992, resume toda essa sua atividade científica. Destaque-se, também, que o professor Salmeron tem escrito vários artigos jornalísticos alertando para o papel da Ciência, em particular da Física, para o desenvolvimento do Brasil.

Na conclusão dessa minha modesta homenagem ao professor Salmeron, quero ainda relatar três episódios relacionados ao meu convívio com esse estimado amigo e que, em meu entendimento, justificam o título desse trabalho. Quando o Serviço Nacional de Informações (SNI) impediu-me de sair do Brasil, por duas vezes, para realizar pesquisas na França, em 1972 e 1974 (por indicação de meu estimado amigo Mauro Sérgio Dorsa Cattani, do IFUSP), tentei obter uma Bolsa de Estudos da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, em 1975. No entanto, apesar de uma generosa indicação do professor Salmeron a esse meu pleito, não fui contemplado com ela. Anos depois, tive a grata satisfação de saber que havia sido vencido pelo Mário Novello, estimado amigo e antigo colega da UnB, hoje um cósmologo de prestígio internacional.

Um segundo episódio refere-se ao carinho com que o professor Salmeron recebeu em Paris, cidade onde reside, a mim e a minha mulher Célia quando, em 1991, visitamos (juntamente com meu cunhado Joaquim Francisco Coelho, professor da Universidade de Harvard) essa cidade. Depois de nos oferecer um almoço em um dos restaurantes de Paris, levou-nos a conhecer alguns pontos históricos importantes dessa cidade européia. Quando nos deixou no hotel em que estávamos hospedados, perto da Gare du Nord, Célia me disse: Bassalo, que pessoa fina e educada é esse seu amigo, o professor Salmeron.

Por fim, o terceiro episódio que quero registrar diz respeito à seriedade e ao desvelo com que o professor Salmeron lida com o ser humano. Em 1999, orientei um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do aluno Walter Neil Marques de Melo, no Departamento de Física da Universidade Federal do Pará, sobre a balança de torsão de Coulomb. Para isso, era necessário consultar os artigos originais do físico francês Charles Augustin Coulomb, publicados nas Mémoires de l’Académie Royale des Sciences de Paris, em 1785. Mandei um e-mail para o professor Salmeron consultando sobre a possibilidade de ele conseguir cópias xerox desses trabalhos. Ele prontamente atendeu a esse pedido e o Walter concluiu o seu TCC.

(Adendo: O Professor Salmeron foi objeto de uma grande homenagem por ocasião da LISHEP2004 (LISHEP: LAFEX International School on High Energy Physics), que aconteceu entre 17 e 20 de fevereiro de 2004, no Instituto de Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Com efeito, no dia 18 de fevereiro desse mesmo mês foi lançado o livro intitulado Roberto Salmeron Festschrift: A Master and A Friend, em homenagem aos seus oitenta anos, ocorrido no dia 16 de junho de 2002. Esse livro editado pelos físicos Ruben Aldrovandi, José Mariano Gago e Alberto Santoro, foi publicado pela AIAFEX, Rio de Janeiro, 2003.)

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1. Artigo publicado na Ciência e Sociedade CBPF-CS-007/01, Novembro de 2001.

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