TEORICAMENTE, VOCÊ PODE VOLTAR NO TEMPO ¹

OPINIÕES

TEORICAMENTE, VOCÊ PODE VOLTAR NO TEMPO ¹

Uma entrevista. A repórter e o entrevistado, que é JOSÉ BASSALO.

R – Professor Bassalo, então é verdade que se pode voltar no tempo?
B – Teoricamente, é possível voltar no tempo. Olha, os cientistas são tão religiosos quanto os religiosos. O cara nasce com a folha de seu tempo e caminha com esse tempo. Antes, o nascimento já aconteceu e já levou a folha do tempo. Você está voltando, já carregou sua folha. As religiões explicam de seu jeito. Quando aparece uma dificuldade, aparece também a explicação. Voltar no tempo, seria realmente bom.

(Entram em cena Maria José, a irmã gêmea, Mário, Madalena, Antônio e Luiz, os irmãos, como pré adolescentes, além de outro ator que é Bassalo, também com a mesma idade. Eles estão jogando futebol e as mulheres ou participam ou assistem.)

R – Quando o senhor nasceu?
B – Nasci em 10 de setembro de 1935, na Maternidade da Ordem Terceira, meia hora depois do nascimento da minha irmã Maria José. Meus pais têm descendência estrangeira. Meu pai era espanhol e minha mãe italiana. Meu pai era sapateiro e na nossa casa, bem pequena, modesta, ele construiu a sua sapataria.

(Alguém grita.)
Olha o almoço!

Todos os pré adolescentes vão para a mesa comer comida italiana.
Maria José – Ah, mãe, todo Domingo tem de comer essa macarronada?
Mário – Pois eu adoro, mana. Domingo é dia de macarronada!
Madalena – Pois eu gosto mesmo é das porpetas!
Antônio e Luiz – Braciola! Braciola!

R – Porpetas?
B – Minha mãe sempre manteve o almoço italiano aos domingos. Porpetas são bolos de farinha de pão misturada com ovos. E braciola, que também chamávamos berjola é um enrolado de massa de farinha de pão, misturada com ovo e revestida de carne.
R – E o estudo?
B – Fiz o primário no Instituto Luso Brasileiro, ali no Largo da Trindade. Também estudei o Curso Primário do Professor Lobo, de manhã e de tarde. Era o tempo da Segunda Guerra Mundial e havia racionamento e filas, muitas filas. Em 1947 fui para o Curso Ginasial no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC).

(Entram em cena, estudantes com bandeiras e faixas para Governador em favor da Coligação Democrática Paraense, do Marechal Zacarias de Assunção e principalmente contra Barata. Eles cantam: Barata, pega na chinela e mata!)

R – Foi uma época de muita atividade política estudantil.
B – Foi. Nós estudantes nos unimos para acabar com o general Barata, que era do Partido Social Democrático (PSD) e fazia o que se chamava baratismo. Mas já nessa época eu, além de estudar, trabalhava como professor. Eu ensinava Matemática para o “Boró”, que estudava de noite e trabalhava de dia na Mercearia e Padaria Fortaleza do Humaitá. Fazia um calor!
R – E quando terminou o Ginásio, o que você fez? Naquela época havia o Clássico, que hoje é chamado de Ciências Humanas e o Científico, para o lado de Ciências Exatas e Biológicas.
B – Eu queria ser engenheiro. Por isso fiz o Científico. Meu irmão Mário, que queria ser médico, também. Mas já nessa época eu comecei a trabalhar para ajudar nas despesas lá de casa. Eu te disse que nós éramos muito pobres. Meu pai, minha mãe e até minha irmã Madalena, que tinha um Curso Primário lá em casa, davam dinheiro.
R – E no que é que você trabalhava?
B – Na Casa Concórdia, fazendo de tudo. Varria, fechava, limpava até a vitrine e foi em um dia que aconteceu uma coisa importante para mim.

(Entram em cena Bassalo, limpando uma vitrine onde retirava faixas e cartazes da campanha política.)

Bassalo está limpando. Passa um amigo.
B – Fala Loriwal.
L – Alô Bassalo.
B – Quais são as novidades?
L – Por enquanto somente você, um estudante, um professor, trabalhando e limpando vitrine de loja. Eu hem?
Bassalo fica apenas olhando e Loriwal vai embora.
R – Ele era seu amigo mesmo?
B – Era. Talvez ele não tenha percebido a brincadeira de mau gosto. Mas foi quando eu cheguei à conclusão de que não poderia trabalhar e estudar. Aí fiz vestibular para a Escola de Engenharia do Pará (EEP) e passei. Parei de trabalhar na Casa Concórdia, mas continuei a ensinar Matemática. Um amigo me disse que havia uma vaga no Colégio “Abraham Levy”. O meu negócio era Matemática. Mas um dia veio a Diretora e me pediu para dar aula de Física. Aí começou essa coisa de Física. Eu me formei em Engenheiro Civil, fazia Cálculo Estrutural e tinha a Física. Sabe a Tuna Luso Comercial? Pois é, eu calculei a estrutura das piscinas, trampolim, arquibancada. Aí veio a chance de ir para Brasília.
R – Mas você tinha uma profissão. O que foi fazer lá?
B – A coisa de ser professor. Fui fazer bacharelado, mestrado e doutorado.
R – Isso era final dos anos 60, o tempo da revolução.
B – Era. Havia repressão e ditadura. Ih, em dezembro de 1968, aconteceu o AI5.

(Entram estudantes em cena.)
Um – Eles vão invadir, com certeza.
Dois – Melhor evacuar o alojamento.
Três – Eles estão com raiva da Marcha dos Cem Mil, mas nós vamos continuar e acabar com esses milicos!

B – Isso era uma sexta-feira. Imagina que eu tinha uma prova de Relatividade na segunda. Não podia sair, ir embora, fugir. E a prova? Pois é, eu fiz tudo e quando acabei um relatório e preparei minhas coisas para ir embora, apareceram os caras, de madrugada.

(Um – Tem até tanques lá fora!
Dois – E cachorros!
Polícia – Todo mundo fora! Em fila indiana pra não pegar porrada!

Os estudantes vão saindo em fila.)

R – E o senhor também foi preso?
B – Fiquei preso, mas me liberaram. Eu não tinha atividade política. Meu negócio era estudar. Imagina que até meu orientador foi preso. Voltei para Belém e tentei continuar a minha tese de mestrado. Depois fiz doutorado. Ainda quando eu tentei fazer mestrado na França, o SNI não deixou e eu fiquei em Belém. Por isso quando vocês dizem que eu sou bom e tal eu não concordo. Os melhores foram os que conseguiram sair do Brasil para estudar. Alguns até foram presos comigo, mas era gente de São Paulo, que conseguiu mexer os pauzinhos e foi. O meu negócio era Matemática, lembra?
R – Isso mexeu muito com a qualidade da Educação?
B – Muito. Decaiu. Sou a favor de fazer de questões subjetivas no Vestibular. Não basta marcar. Tem que saber explicar. Precisa de mudança radical. Institutos de Tecnologia ligados à Universidade. Precisa ter boa formação para quando chegar na Universidade. Precisa Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento. Na Ciência o cara aprende. Na Tecnologia ele gera e produz e produzindo, tem o Desenvolvimento. O Brasil compra esses aviões boeings caríssimos e só produz o bandeirante …
R – E parar de ensinar, o senhor pensa?

(Entram em cena todos os participantes e cada um vai respondendo.)

Um – Eu quero trabalhar até onde der. Até os setenta anos, se eu estiver vivo até lá. Até os setenta eu tenho 6 livros pra terminar e eu estou trabalhando em quatro. Ainda tem mais dois para entregar.
Dois – Depois eu vou fazer uma coisa que é dar um Curso de Física Histórico-Conceitual. Mostrar como evoluiu a Física.
Três – Eu ensino desde os 11 anos de idade. Vou parar agora por quê? Só se a esclerose entrar, mas enquanto eu estiver lúcido, eu vou ensinar.
Quatro – Não pense que você é o mais inteligente que sempre tem um mais inteligente que você, que já está percebendo que você está tentando ultrapassá-lo.
Cinco – Felizmente ninguém tira nada da sua cabeça. Tudo o que você conquistou, ninguém tira.

R – Professor Bassalo, eu estava com medo antes de vir entrevistá-lo. As pessoas dizem …
B – As pessoas criam muita imagem da gente. Ficam até com receio de chegar. Mas como você viu, eu sou muito humano.
R – Às vezes é bom a gente voltar no tempo.
B – Teoricamente você pode voltar no tempo. Agora, por exemplo, nós voltamos no tempo. Você gostou?

———
1. Peça de Teatro organizada pelos alunos da Turma 2.203 dos professores Marcos Orguen e Pascoal dos Santos Paracampos e encenada por ocasião do I Festival Modernista de Física realizada pela Sociedade Civil Colégio Moderno, em outubro de 1999.

TEATRO ²

Cena 1: A neta de Bassalo (Anna-Beatriz) entra em cena do fundo do auditório e saltitando vai até o canto do palco.
A-B: – Ué! O que será que tem dentro dessa caixa? Só pode ser do vovô! Será que ele fica triste seu eu mexer…
Lá ela encontra os manuscritos do avô e começa a folhear.
Bassalo entra em cena, pega os papéis da mão da garota e chama sua atenção.
B: – Por que você mexeu nisso Anna-Beatriz? São as coisas do vovô!
A-B: – O que é isso?
B: – Ah, isso é a minha vida, a minha história, minhas descobertas. Tudo começou… (Bassalo faz um gesto como se tivesse contando uma história e a garota faz expressão de pensamento, começa a imaginar aquilo que o avô está contando.)

IMAGEM:
Professor dando aula
Bassalo entra na sala de aula e faz pose [óculos escuro (toca música)], penteando o cabelo, dá alguns passos e cai no chão. Coloca o óculos de grau (toca música). Bassalo vai para sua cadeira vaiado pela turma (bolinhas de papel são jogadas).
O professor faz cálculos no quadro e quando não consegue resolver, Bassalo ajuda-o dando o palpite certo.
P: – Mas que coisa! Eu nunca tive dificuldade de resolver esse tipo de questão.
B: – Quer ajuda professor?

A-B: – Vovô, o senhor sempre quis ser professor?
B: – Na verdade, só fui descobrir a minha vocação para ser professor durante o Curso Ginasial…

IMAGEM:
Os amigos de Bassalo pedem para que ele os ajude a resolver exercícios, pois estão com dificuldade e não conseguem entender a matéria:
Amigo: Aê Bassalo! Dá uma ajuda pra gente aqui? Sabe como é né? Muita conversa durante a aula, muita paquera… e a gente acaba não entendendo a matéria!
B: – Olha isso aqui é fácil. É só aplicar essa fórmula e resolver assim…
Amigo: – É isso aí cara! Você explica melhor que o professor! Por que você não vira um mestre!?
B: – Eu? Não…

(Amigos saem do palco e Bassalo fica pensando na possibilidade de ser professor)

B: – Foi assim que eu descobri minha vocação para professor, Anna-Beatriz.
A-B: – Continua vô… e essa foto? (foto do casamento)
B: – Bom depois disso, me formei em engenharia e comecei a dar aula no CEPC, onde conheci sua avó e me apaixonei.

IMAGEM:
Durante a aula, Bassalo resolve cálculos no quadro. A turma toda fica conversando e não presta atenção, com exceção de Célia que fica atenta (toca a música e põe uma luz vermelha). Bassalo põe um óculos escuro e faz pose para Célia. Levanta o óculos escuro e manda um beijo para ela. Sai de sala. As amigas de Célia insinuam que o professor estava apaixonada por ela.

Amiga: – Célia você viu como o professor te olhou?
C: – Me olhou? Como?
Amiga: – É bem que vocês poderiam namorar né? Ele é um gatinho.
(Falam saindo do palco)

A-B: – Mas e aí vovô o que aconteceu?
B: – Com o tempo começamos a nos interessar um pelo outro e as coisas foram acontecendo naturalmente.
A-B: – E então…
B: – Bom, continuei ensinando matemática num Colégio chamado Abraham Levy. Até que um dia, a diretora me pediu para dar aula de física, e foi aí que comecei a me interessar pela matéria. Depois me formei em engenharia civil. Aliás, sabe aquele clube que você vai? A Tuna? Pois é! Foi o vovô quem fez o projeto do cálculo estrutural da piscina, do trampolim e da arquibancada.
A-B: – Ah vovô e me falaram que o senhor foi preso. É verdade?
B: – É, fui preso, mas me libertaram. Até meu orientador foi preso. Mas aí voltei para Belém e tentei continuar minha tese de mestrado. Depois fiz doutorado. Por causa de minha prisão fui impedido de realizar meu maior sonho, que era fazer mestrado na França, e tive de ficar em Belém.
A-B: – O que mais vô?
B: – Anna-Beatriz você não acha que está tarde para uma criança estar acordada? Já está na hora de dormir não é?
A-B: – Ah vô! Mas eu quero saber mais!
B: – Amanhã eu conto mais tá bom? Agora você tem que ir dormir, pois tem aula amanhã.
A-B: – Poxa! Tá bom então… boa noite vovô!
B: – Boa noite Bia! Durma bem!

IMAGEM:
As luzes se apagam e apenas um foco ilumina Bassalo. Ele anda pensativo e observa alguns livros na estante! Pega um dos livros falando
B: – Nossa quanta coisa que eu já fiz. O Nascimento da Física como deu trabalho escrever esse livro. E a tese do “oscilador harmônico’’, passei muitas noites em claro pesquisando para concluí-la. Ih! E por falar nisso, esqueci de escrever isso na minha biografia. Como sou distraído! (Ele vai até a mesa e senta-se para continuar a escrever)
B: – Ah ainda não falei sobre meus livros Crônicas da Física. Nesses livros tentei explicar…

(Fecha a cortina)

Abre a cortina, Bassalo está trabalhando em seu escritório e sua empregada vai chamá-lo.
E: – Seu Bassalo tem quatro meninas lá na sala esperando pelo senhor. Elas disseram que é sobre um trabalho aí…
B: – Ah sim! Pode pedir para elas entrarem.

(As quatro alunas entram)

MM: – Com licença. Obrigada.
B: – Mas então, do que vocês realmente precisam? O que vocês estão querendo saber?
Carol: – Um pouso sobre sua vida, sua história, suas descobertas…
(Bassalo finge que conta e a cortina fecha)
Reabre a cortina com um quadro voltado para a platéia e o Bassalo explica para o público o “efeito túnel’’.
B: – Alguma pergunta?
Platéia: – Eu tenho!! Explica essa última parte que eu não entendi.
B: – Bom, então já que você não entendeu a minha explicação, não existe ninguém melhor do que o próprio Bassalo para explicar isso para vocês!
Bassalo sobe para receber as homenagens.

Carol: – Esta peça foi uma homenagem para você em agradecimento a toda sua ajuda e compreensão. Nesse nosso pouco tempo de convívio podemos perceber que você não é apenas um bom físico, mas também uma excelente pessoa que nos orgulhamos de ter conhecido. Muito obrigado!

———
2. Peça de Teatro organizada pelos alunos da turma 207 dos professores Marcos Orguen e Pascoal dos Santos Paracampos, por ocasião do II Festival Marista de Física do ColégioMarista “Nossa Senhora de Nazaré, e encenada na UNAMA, em outubro de 2000.

Script da Peça: José Bassalo,

em 20 minutos.(3)

Cena 1: A peça inicia com duas alunas do 2º ano A do Colégio Santa Catarina de Sena, Roberta e Marcela, conversando sobre o VI Festival de Física pela rua (caminho do elevador até o palco). Elas encontram uma ex-aluna.

R- Eras aquela prova tava horrível, ninguém merece! Ei, aquela ali não é a Paula?!

M- É sim.

R- Paulaaaa…

P- Oi, meninas. Tudo bom?!

M e R- Oii.

M- Pra onde estais indo?

P- Ah, vou almoçar ali naquele restaurante. E vocês?

R- Nós também.

M- Que bom, assim a gente pode conversar um pouco mais.

R- Eras, quanto tempo! Desde que saíste do santa a gente nunca mais tinha se visto né?

P- Pois é. Tô morrendo de saudade de lá. Ah, me disseram que começou o Festival de Física. E aí, como é que ta?

R- Ótimo. E adivinha quem é nosso físico?! José Bassalo!

P- Não é aquele físico paraense?

M- Esse mesmo! Eu adorei. Já andei até pesquisando sobre a vida dele. Sabia que a família dele era muito humilde e ele teve que começar a trabalhar muito cedo? Foi por isso que ele iniciou o curso científico, que hoje é o ensino médio, à noite…

* Saem de cena *

Cena 2: Bassalo, adolescente, está fazendo uma entrega e esbarra num amigo: Loriwal.

E- Bassalo?! Que fazes por aqui, rapaz?!

B- Vim fazer uma entrega aqui perto…

E- E esse caderno? Não me digas que vens estudando pelo caminho?

B- O pior é que sim! Tô trabalhando na Casa Concórdia, pra ajudar nas despesas lá de casa. Iniciei meu curso científico à noite e meu tempo pra estudar é curto, por isso sempre que posso pego meu caderno.

E- Mas assim não dá… olha, estudo não é brincadeira, merece tempo e dedicação! Agora eu tenho que ir. Mas foi bom te reencontrar… Até logo, e pensa no que eu te falei, tá?

B- Tá, pode deixar, até logo!

* Bassalo sai pensativo. *

Cena 3: Roberta, Marcela e Paula já no restaurante(que estará de um lado do palco, nessa hora dividido ao meio e com a luz do outro lado apagada).

R- É, aí ele viu que não dava pra trabalhar e estudar ao mesmo tempo e decidiu que iria somente estudar.

P- Ele devia ser um daqueles alunos todos certinhos né?

M- Nem tanto assim… Parece que ele aprontava algumas. Li em sua biografia uma história hilariante que aconteceu na época em que ele fez o ensino médio…

* A cena do restaurante congela e a luz se apaga. Acende então a luz do outro lado. Bassalo e seu amigo estão brincando com o apagador de sua sala, pois não há professor no momento. *

Amigo- Ai, Bassalo. Pensa rápido! (joga o apagador)

B- (pega e arremessa) Lá vai, lá vai.

Amigo- Ah, assim ta fácil. Quero ver agarrar essa… (o amigo lança o apagador com força na direção de Bassalo, que se abaixa. A professora, que está logo atrás, recebe no rosto o apagador, formando em volta de sua cabeça um nuvem branca. Os alunos começam a rir.)

B- Professora Valdez..  desculpe, mas foi (ri baixinho), foi sem querer…

* Apaga a luz desse lado e volta a cena do restaurante. *

(risos)

P- Essa foi boa…

M- Coitada da professora…

R- É. Mas voltando ao assunto. Uma coisa é verdade: ele era, e ainda é, muito inteligente. Começou o curso de Engenharia Civil com 19 anos e logo depois foi chamado para dar aulas.

P- Engenharia Civil? Mas ele não é físico?!

M- Agora é. Mas a física veio depois. Além disso, mesmo estando no curso de Engenharia começou a dar aulas no Colégio Abraham Levy e depois no Paes de Carvalho. Sabia que em 1957 ele preparou, junto com Loriwal Rei de Magalhães, o projeto da Nova Marabá?

P- Aquela história de que Marabá teve que ser reconstruída por causa de uma forte enchente que a deixou literalmente no fundo?

R- Aham.

P- Já ouvi essa história. Puxa, então ele era um bom engenheiro, né?

M- Engenheiro de prestígio em Belém! Foi ele, inclusive quem calculou a estrutura das piscinas, trampolim e arquibancada do Clube da Tuna…

P- E a carreira de professor?

R- Seguia junto com a de engenheiro. Ele conheceu sua mulher, Célia, dando aulas no Paes de Carvalho…

* congela a cena novamente *

Cena 4: Bassalo, já professor, está na sala de aula, copiando um cálculo no quadro. Os alunos estão conversando animados.

* As luzes do palco estão apagadas, acende a luz só em cima de Célia, que parece estar divagando… alguns segundos depois a luz acende e Célia cai na real.*

Diego- Céliaaaa… ei, Terra chamando…

Célia – Hã? Que foi?

Cris- Ih, Diego, esquece! Quando se trata do professor Bassalo essa daí não tem olhos nem ouvidos pra mais ninguém!

Amiga2- E numa coisa nós temos que concordar: ele é um gatinho e eu já vi ele olhando pra você várias vezes Célia.

Célia- Que isso, meninas? Mas que idéia!

Diego- Ah, Célia. Fala a verdade…

(a turma toda se agita) – Éééé né?

* Bassalo vira, vê Célia e sorri. Ela, sem graça, devolve o riso. Apagam as luzes e fecha a cortina desse lado do palco*

Cena 5: Roberta, Paula e Marcela, ainda no restaurante.

M- E eu que pensei que isso só existisse em novela!

(o garçom traz a pizza)

R- Que nada Marcela, e os dois estão juntos até hoje! Ele disse que é ela quem o ajuda a escrever os livros e os artigos que ele já publicou em jornais e revistas.

P- Então ele foi engenheiro, professor e agora escritor?! Caramba…

R- É verdade. E ele trabalhou mais de 44 anos na UFPA.

M- E já fez mestrado e doutorado em São Paulo… Por falar nisso, ele passou por poucas e boas lá… Já foi até preso.

P- Preso? Como já? Me conta essa história.

Cena 6: entra a cena dos policiais, eles saem da platéia e os “presos” de trás do palco, em fila

Policial 1- Vamos, mão na cabeça.

Policial 2 – É isso aí! Em fila! Em fila! (o policial começa a revistar bassalo e seus 4 amigos)

B- Peraí, eu não fiz nada…

Policial 2 – Cala a boca!!

Policial 1 – Agora todo mundo pra delegacia! Pode começar a andar. (bate de leve neles com o cacetete enquanto eles reclamam que não fizeram nada. Saem de cena.)

Cena 7: No restaurante a conversa continua.

R- E ainda teve problema com as notas. Logo que ele recebeu sua primeira nota do mestrado achou que não conseguiria ir em frente.

* A cortina fecha por inteiro e ao reabrir não há nada no palco. Bassalo entra com a primeira prova na mão, atordoado ele olha para a Universidade de São Paulo (imagem ao fundo do palco) e fala: *

B- Eu não acredito!

* Senta no palco *

B- Porque que eu fiz isso?! Deixei minha cidade pra vim pra cá, pra isso?!

Ah, Belém, minha terra… (vão aparecendo as imagens) deixei minha família aí, meus amigos, meu trabalho… Olha essa nota… Ah, meu Deus. Será que isso foi em vão, será que eu vou conseguir?!

* Baixa a cabeça, triste. *

A luz fica bem fraca, a voz das meninas no fundo:

M- Nessa prova ele tirou dois.

R- Mas a força de vontade foi maior e na segunda prova ele tirou oito. E assim concluiu seu mestrado em 1973.

(Bassalo vai saindo)

M- E fez, também em São Paulo, seu doutorado, em 1975.

( a luz acende e as meninas sobem ao palco com a camisa do festival)

P- Acho que agora tá explicado porque ele está num festival concorrendo com Einstein, Galileu e Newton…

M- É, e esse é paraense!!

R- E por ele ser motivo de orgulho de todos nós, chamamos aqui José Bassalo, o próprio, para receber nossas homenagens!

(Os alunos que participaram da peça sobem ao palco, cada um com uma rosa na mão, entregam ao Bassalo e agradecem).

——-

3. Peça de Teatro organizada pelos alunos do 2o. Ano A – 2007 dos professores Marcos Orguen, Pascoal dos Santos Paracampos e Márcio Roberto Alves Nogueira, por ocasião do VI Festival de Física Catarinense de Física do Colégio “Santa Catarina de Sena”, e encenada no Auditório desse Colégio, em maio de 2007.

OPINIÕES

BATENTE QUASE MEMÓRIA ¹

Milton Augusto Freitas de Meira

Em sua mesa de trabalho ele vai juntando manuscritos em quantidade. A espera tem o seu tempo certo para quem não se esconde nas estantes do passado. Como cidadão ativo escreve o que sente no curso da vida, estuda, vai desbravando caminhos através de livros e outros instrumentos importantes para o seu desenvolvimento intelectual e moral. Inquieto se projeta no tempo de uma centelha para somar esforços na área do conhecimento; tem a sua maneira de ser quando vai ao encontro de si mesmo no seu momento intuitivo, seguindo seu caminho trabalhando intensamente, produzindo conhecimentos e dando prova de sua abnegação como professor emérito. Na sua luta cotidiana comunica-se abertamente, harmonizando idealismo com ações concretas no seu momento de construção. Íntegro e confiante no que faz tem o seu jeito próprio de mostrar contradições em oratórias informais, às vezes inflamado por impulsos na excelência do pensar “filocientífico” na prazerosa esquina dos poetas: para os estudiosos da ciência e da filosofia, o “filocientificismo” é também fruto de uma esquina urbana em um céu plenamente azul, que no calor “cosmopoético” está em comunhão com a natureza e seus mistérios.

Dois mil e cinco é mais um ano de festas do calendário gregoriano e a tradição diz que o mês de junho é dedicado aos santos mais influentes no cenário popular folclórico sentimental do povo brasileiro. Atentos que são a fogos de artifício e ardentes fogueiras os andarilhos do cotidiano também festejam suas conquistas em clima de festa. Olho este céu azul, agora encorpado com nuvens brancas e mormacentas, que me faz olhar para o alto e pensar na chuva como solução do momento. Estou diante de um semáforo, são alguns segundos de espera sob o signo do Sol, as mangueiras ainda servem de refúgio e amenizam o calor deste início de tarde: para quem constrói caminhos o encontro da chuva é um tempo de colheita, deixando na terra uma semente que floresce, tudo vem e volta no tempo de um percurso, sempre que há um momento para pensar no que foi construído ao longo dos anos, não importa se nuvens brancas fiquem acinzentadas como se fosse um véu divisor aos olhos humanos. Neste cosmo ainda persiste o olhar atento dos inquietos e engenhosos construtores do saber, desde os mais remotos sinais da existência humana.

O sinal verde do semáforo movimenta pedestres debaixo de uma velha mangueira, olho uma rua que um dia foi um corredor de procissões no seu traçado secular, tempo em que a boa nova era também lembrada no canto dos pássaros, mesmo que não houvesse um céu plenamente azul. Eles ainda vivem sob o signo da esperança no horizonte real da memória, quando voltado em uma dimensão de olhar inteiramente ligado a um rio de água corrente, denso, à medida que o contador de estórias divaga no seu tempo, incansável e criativo, quando se revela atento ao mundo que vive: matura-se também o filósofo na sua viagem através da ciência, sem perder a ternura neste céu aparentemente longínquo.

Em uma rua de mangueiras aquela batente tem o seu lugar em uma calçada bem larga, hoje um caminho de janelas com sinais de silêncio, chamando no tempo um vão de porta que dava passagem a um outro corredor, um caminho de livros sinalizando moinhos para os poetas escritores e artistas visionários. Neste corredor de caminhos duas casas tinham uma parede em comum e o mesmo pé direito, mas o engenheiro se dava conta do seu espaço quando havia um céu se revelando na matéria com o seu tempo de explosão, conflito, onde a seiva do antagonismo foi centelha no mundo das idéias e suas projeções na arte da dialética. Este corredor ainda é pródigo ao humanista que vai ao encontro da modernidade no frenético ritual dos navegantes siderais, atento ao olhar e ao sentir, percurso sempre bem aventurado para quem faz o verbo florescer. O céu azul de outrora permanece azul e o tempo que ficou para trás não é apenas um tempo que passou, algo ficou no rastro da chuva depois de muitos caminhos já percorridos. Vale a pena divagar em palavras quando se juntam manuscritos a serviço da memória, colocados em ordem para dar ciência sob o signo da verdade, que faz do amigo um cavaleiro já realizado no vasto campo do saber que o consagra no seu magistério exemplar. Amigo Bassalo, um abraço fraterno.

CARO AMIGO BASSALO ²

Milton Augusto Freitas de Meira

O céu azul, agora encorpado com nuvens brancas, me faz olhá-lo e pensar na chuva como solução. Amenizando o calor neste início de tarde, as mangueiras ainda servem de refúgio para quem quer caminhar sob o signo do Sol. Quem faz um percurso deixando sementes na terra encontra na chuva um tempo de colheita, ele vem e volta sempre que há um momento para parar e pensar debaixo de frondosas mangueiras, que fizeram de uma rua um corredor de procissões em seu traçado secular. Muitas vezes o céu ficava plenamente azul, no tempo em que a boa nova era também lembrada no permanente canto dos pássaros. Eles ainda vivem sob o signo da esperança, não importa se nuvens brancas fiquem acinzentadas como se fosse um véu divisor aos olhos humanos, nesse cosmo persiste o olhar inquieto dos engenhosos construtores do saber desde os mais remotos sinais da existência humana. Chamando no tempo esse céu aparentemente longínquo mas real, pretenso ao filósofo e ao cientista em seu universo criativo, matura-se também o olhar da memória no humanista que viaja através do conhecimento. A velha batente ainda tem o seu lugar naquela rua de mangueiras que um dia se chamou de Avenida São Jerônimo, hoje um caminho de janelas com sinais de silêncio: em um quarteirão de calçada bem larga o vão de uma porta dava passagem a um outro corredor, um caminho de livros encontrando poetas, escritores e artistas visionários. Neste corredor de caminhos o engenheiro se dava conta do seu espaço diante de um céu já consagrado pela ciência e de suas leis fundamentais: a seiva do antagonismo foi centelha no mundo das idéias com intensas projeções na arte da dialética, conflito inevitável quando este céu tinha o seu mundo na matéria e no seu tempo de explosão. Igualmente atento ao olhar e ao sentir vai ao encontro do afeto, harmonizando convicções no tempo que quer caminhar. O tempo que ficou para trás não é apenas um tempo que passou, algo ficou no rastro da chuva depois de muitos caminhos já percorridos. O céu de outrora permanece azul no frenético ritual dos navegantes siderais, percurso da modernidade nos que pensam na boa nova em uma nova calçada com um novo tempo de esquina. Vale a pena divagar em palavras quando se juntam manuscritos, já colocados em ordem para dar ciência sob o signo da verdade, que faz do amigo um cavaleiro já realizado no vasto campo do saber, que o consagra no seu magistério exemplar. A palavra é sempre bem-aventurada quando faz o verbo florescer. Agora mais um café bem forte e um cesto de pães, para brindar o que é mais importante na vida, amizade sincera e convivência fraterna. Acredito na eternidade do espírito, um grande abraço do amigo Milton Meira.

———
1. Artigo escrito em junho de 2005.
2. Artigo escrito em 7 de junho de 2005.

No comments yet.

Leave a Reply