CPOR

CENTRO DE PREPARAÇÃO DE OFICIAIS DA RESERVA (CPOR)

Minha saga no CPOR teve início no começo de dezembro de 1955 quando me submeti a Exames Médicos, em um Centro de Saúde da Base Naval de Belém, na estrada de Val de Cães, que dá acesso ao nosso Aeroporto de Val de Cães. Certamente, no dia desses Exames, devo ter conhecido alguns de meus futuros colegas, quer da minha Arma, a INFANTARIA, quer de outras armas ou serviços, como Intendência e Saúde. Contudo, o contato com todos eles só aconteceu quando iniciamos, no dia 15 de dezembro de 1955, nosso preparo para, quase dois anos depois, em 15 de agosto de 1957, recebermos a espada como Aspirante a Oficial da Reserva do Exército Brasileiro.

Sendo já aluno do Curso de Engenharia Civil de nossa tradicional Escola de Engenharia do Pará (EEP), o qual iniciei em março de 1954, meu desejo era entrar para a Arma de Artilharia. No entanto, a seleção para essa Arma já havia sido realizada em 1954, pois ela ocorria apenas de dois em dois anos. Assim, fiquei na mesma Arma de meu irmão Mário, então acadêmico de Medicina, que havia concluído o CPOR, em 1954. Ao ingressar no CPOR, recebemos duas unidades da farda de instrução: calça e blusa de brim verde-oliva, e coturno de couro preto. O complemento dessa farda, o boné, ainda de brim verde-oliva e conhecido como “bibico”, era comprado pelo aluno, assim como as duas fardas de passeio. Meu “bibico” (herdado de meu irmão, juntamente com uma das fardas de passeio e adaptada ao meu tamanho) era diferente de todos os de meus colegas, pois sua pala era redonda, enquanto a deles era retangular. As fardas de passeio eram de dois tipos: uma, composta de túnica e calça de gabardine verde-oliva, sapato preto de verniz e meias pretas. Essa túnica, tipo “swing”, era fechada até o pescoço por botões de jarina (ou de osso), que eram presos por argolas de metal, e do mesmo tipo dos que fechavam os bolsos. Dois grandes, em cada lado da túnica e no final dela, e dois outros menores, em cima. Ela era fechada no pescoço com colchetes, e arrematada com um colarinho, em cujas extremidades era bordada a arma do Curso. A forma do corpo era completada com um cinto de couro, com um fecho do tipo macho-fêmea, sendo o macho gravado com o símbolo do Exército. Devido ao enorme calor, usávamos uma camiseta branca interna. Essa túnica era completada com duas ombreiras, nas quais era indicado o ano que o aluno estava freqüentando, e fechadas com o mesmo tipo dos botões descritos acima.

A outra farda de passeio, também adquirida pelo aluno, conforme dissemos, era composta de uma túnica do tipo paletó, de tergal verde-oliva, e fechada com quatro botões do mesmo tipo da outra farda. Esse tipo de botões também fechava os dois grandes bolsos localizados na altura do peito, bem como uma presilha que avançava para o lado direito do corpo, e que dava a forma deste. Essa túnica era completada com duas ombreiras, nas quais era indicado o ano que o aluno estava freqüentando, e fechadas com o mesmo tipo dos botões descritos acima. Na manga comprida do lado direito, usávamos um distintivo, na forma triangular e com o vértice arredondado para baixo, feito do mesmo material da túnica. No centro dele, era bordado o símbolo do Exército Brasileiro, uma oval, com o eixo maior na direção vertical, e com cinco estrelas gravadas. Na parte de cima da oval estava bordado o nome BELÉM; em baixo, bordado um ramo de café. Ainda nesse paletó e em suas lapelas, era bordado o símbolo da Arma do aluno. A farda era completada com a mesma calça, sapatos e meias da primeira farda, e uma camisa de manga comprida de tricoline bege, fechada por uma gravata de tergal também bege. Por fim, para proteger a cabeça, usávamos um quepe de tergal verde-oliva, ostentando o mesmo símbolo do Exército Brasileiro em sua parte frontal, contornada também com ramos de café. Esse quepe era completado com uma aba de material rígido e espelhante. Registre-se que essas fardas de passeio eram confeccionadas em duas alfaiatarias em nossa cidade: a primeira chamava-se Cativo & Pepino, localizada na Rua 13 de Maio entre a Travessa 7 de Setembro e a Avenida Portugal. A segunda era a Alfaiataria Militar, também localizada na Rua 13 de Maio, entre as Travessas Campos Sales e Frutuoso Guimarães.

Existia ainda uma farda de gala, do mesmo tipo do segundo uniforme descrito acima, porém, toda branca. No entanto, ela não era exigida como parte integrante do fardamento do CPOR, apenas facultativa. Nessa farda, os apetrechos (ano de estudo, tipo de Arma e botões) usados na segunda farda eram todos metálicos. Contudo, apesar de facultativa, a fotografia para o Quadro de Formatura era tirada com esse tipo de farda. A não exigência dessa farda fazia com que as casas fotográficas mantivessem túnicas de três tamanhos (pequeno, médio e grande), que eram emprestadas ao freguês na ocasião de fazer a fotografia. Recordo-me que as fotografias de nossa turma foram tiradas no Foto Menezes. Creio ser oportuno dizer que a nossa formatura, ocorrida no dia 15 de agosto de 1957, na Praça Justo Chermont (“Largo de Nazaré”), foi realizada com a segunda farda, tipo paletó, agora com luvas pretas, e na qual tivemos de bordar, nas ombreiras, a estrela vazia de cinco pontas, indicativa do grau que estávamos recebendo: Aspirante a Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, e cujo símbolo maior era uma espada. De um modo geral, a espada era tomada emprestada de determinada família amiga (que foi o meu caso), que tinha algum filho como Oficial do Exército, formado na Academia Militar de “Agulhas Negras” (AMAN), ou mesmo no CPOR.

O ano de estudo no CPOR era composto de dois períodos: um contínuo e um descontínuo. O contínuo, de segunda a sexta-feira, tinha duas etapas: 15 de dezembro até 15 de fevereiro; e o mês de julho. O descontínuo, de março até junho, ocorria todos os domingos. Na primeira etapa contínua, o expediente era das 7 da manhã até meio-dia, com exceção das quartas-feiras, que era o dia inteiro, pois íamos para o estande de tiros, na Travessa do Utinga, fazer treinamento de tiros de fuzil e de maneabilidade (deslocamento no chão com o fuzil nos braços), para exercitarmos as aulas teóricas que recebíamos durante os outros dias da semana. O deslocamento do Quartel do CPOR até esse estande era feito em marcha sem cadência, levando o fuzil. Na outra etapa do período contínuo, ele era gasto na preparação e na realização dos acantonamentos, nos quais exercitávamos situações de guerra, com armamentos mais pesados: metralhadora, morteiro e canhão anti-carro, bem como fazíamos longas marchas carregando, além do fuzil, mochilas e um saco de viagem. Nas mochilas, levávamos todo o material da barraca de acampamento (cobertura de lona, estacas-queixo e cordas); no saco de viagem, os pertences pessoais. Fizemos três grandes acantonamentos: Outeiro, Igarapé-Açu e Mosqueiro, dos quais falarei mais à frente. Os apelidos que a maioria de nossa turma recebeu, enumerados a seguir, decorreram das diversas situações vividas nesse nosso convívio, as quais descreverei mais adiante. Registro que o nome acantonamento era devido ao fato de ficarmos alojados em prédios. Quando a “ação militar” acontecia muito longe desses prédios, fazíamos acampamento em barracas de lona.

Quando iniciamos o CPOR, este era comandado pelo Coronel Ovídio Abrantes, sendo o Major Carlos Alves da Cunha seu Subcomandante. Na Infantaria, minha Arma, os oficiais eram: o Capitão Pery Rosenzweig Menezes; os Primeiros-Tenentes Antonio Calvis Moreira, Carlos Alberto Moreira (falecido) e Wladir Cavalcante de Souza Lima; o Subtenente João Tertuliano de Almeida Lins; os Sargentos Elmano Moura Melo, Barroso (“Onça’’) e Manoel Pantoja Ruivo Lisboa (falecido); os Cabos Anselmo e Ryozó Esashiza (falecido). Ainda faziam parte da oficialidade do CPOR o Capitão-médico Alberto Gomes Ferreira (falecido) e o Primeiro-Tenente José Pessoa Guedes, que era Intendente.

Com auxílio dos militares da Ajudância Geral do Comando da 8aRegião Militar e 8a Divisão de Exército, José Márcio Rodrigues da Silva (Segundo-Sargento) e Pedro José Ferreira de Oliveira (Terceiro-Sargento), conseguiu a relação de meus colegas (aos quais acresci os apelidos) no CPOR, que enumero a seguir (aproveito a oportunidade para agradecer os sargentos indicados acima):

167-Sidney Rosas de Sá; 168-Ruy Evangelista da Silva; 169-Carlos Amílcar Pinheiro; 170-Alfredo Naziazeno Ferreira Cordeiro; 171-Ricardo Aurélio Bastos Vasques; 172-Mariuadir José Miranda Santos (“Papai Noel”); 173-José Luiz Ortiz Vergolino; 174-Fernando de Souza Monteiro (“Gonorréia”); 175-Adolf Rettelbusch (falecido); 176-Ademir da Silva Bahia (falecido); 177-Alexandre Auad Neto (“Reizinho”); 178-Wlademir da Silva Miranda (“Quiriru’’ e “Zatopec”); 179-Manoel Nazareth Sant´Ana Ribeiro (“Enxerto’’ e “Siri na lata’’); 180-Pedro Paulo de Lima Dourado; 181-José Maria Filardo Bassalo (“Fanhona’’ e “Boca de Ouro’’); 182-Américo Martins Belém (“Au-Au”); 183-Luiz Roberto Horácio Freire; 184-Guilherme de Lima Paes; 185-Agildo da Silva Beltrão (“Cabo”); 186-Leandro Gonzaga de Oliveira Junior; 187-Francisco Mário Simões dos Santos (“Cospe-Cospe”); 188-Raimundo Menezes Gonçalves Bastos; 189-Paulo de Carvalho Cruz (“Pé de Cumbo” e “Patolão”) (falecido); 190-Júlio César de Lima Ribeiro; 191-Manoel Nestor Soares de Carvalho (“Nariz de Bolacha” e “Cavalo”); 192-Gileno de Araújo Lima (falecido); 193-Olavo Albim Sidrim; 194-Fernando Silva de Palma Lima; 195-Arthur Ribeiro Bastos; 196-Wilson Luiz Monteiro Câmara; 197-Octávio Ribeiro Guilhon (“Pudim de Cachaça” e “Raposa”) (falecido); 198-Manoel Francisco Dias Pantoja (“Vertigem”); 199-Elielmano Gomes Martins; 200- Raimundo da Fonseca Santos (“Tio Totó”); 201-Luiz Mendes da Fonseca (“Fonseca Maluco”); 202-Manoel dos Remédios da Cunha Gonçalves; 203-José Angelino Priste Lobato; 204-Genésio Fernandes Pina (“Belisca-Lua” e “Palito”); 205-Fernando de Aguiar Oliveira; 206-Roberto Gatasse Kalume (“Cueca”); 207-José Maria Soares Barata; 208-Mário Eloy de Oliveira Peixoto (“Marta Rocha”); 209-José Ribamar Ferreira dos Santos (falecido); 211-Bernardino Antonio Fiúza de Mello Neto (“Beré” e “Bicicleta”); 212-Dirceu Raimundo da Rocha Pinto Marques (“Raiz Quadrada”); 213-Antonio do Nascimento Pinho; 214-Joaquim Francisco Mártires Coelho (“Macaco’’); 215-João Campos da Silva; 216-Ruy Jorge de Freitas Corrêa; 217-Célio Braga Wanderley (falecido); 218-Paulo de Tarso da Silva Barreto (“Paraíba”); 219-Luiz Octávio Garcia Barroso; 220-Antônio Carlos Fontelles de Lima (“Qui-Qui-Qui”); 221-Armando Manoel Valente Tavares (“Contra Deus” e “Boneca”); 222-João Antonio Maia Filho; 223-João Rodrigues dos Santos; 224-José Alberto da Costa Chagas; 225-José Ferreira Alvarez (“Thiany”); 226-Virgilio Ernesto Arantes de Mello (falecido).

Antes de descrever as situações (não na ordem cronológica) anedóticas, hilariantes, jocosas e, algumas vezes, perigosas pelas quais passamos no CPOR, e que nos marcaram (conforme alertavam nossos instrutores), devo registrar que nem todos os colegas que iniciaram esse Curso concluíram-no, pois, por motivo de doença ou mesmo de malandragem, deixavam de ir ao Quartel. Em cada uma dessas faltas, o aluno perdia um ponto. Quando completava o limite de quinze pontos, o faltoso ficava automaticamente desligado do Curso, devendo voltar no outro ano. Assim, alguns de nossos colegas realizaram o CPOR em três anos e não fizeram parte do Convite de Formatura, do qual falarei mais adiante.

Agora, vamos àquelas situações. No período descontínuo, que acontecia aos domingos, conforme já destaquei, geralmente saíamos do Quartel para fazermos ordem unida no “Largo de Nazaré”. Éramos comandados por um colega, denominado “xerife”, sob a supervisão do Tenente Guedes. Em um determinado domingo, saímos do Quartel sob o “comando” de nosso colega “Macaco”. Quando nos aproximamos do Cinema Moderno, no qual acontecia a tradicional “matinée” (uma sessão de cinema que começava às 9 horas da manhã), o “Macaco”, em vez de dar a ordem de comando “direita, volver”, para irmos em direção ao “Largo”, comandou o contrário: “esquerda, volver”. Eu, nessa ocasião, encontrava-me bem na porta de entrada daquele cinema e, portanto, em obediência ao comando de meu futuro cunhado, entrei na sala de espera, com o fuzil ordinário no ombro. O porteiro, vendo aquela invasão, tentou impedir-me. Disse-lhe: Isto é uma ordem de comando, e devo cumprir sob pena de punição. Outros de meus colegas ficaram “marcando passo” defronte da parede desse cinema. O Tenente Guedes, vendo aquela situação de “molecagem” com o nosso colega “Macaco”, deu novas ordens de comando: “alto”, “meia-volta, volver”, e “em frente, marche”. Quando chegamos no “Largo”, deu nova ordem de comando: “alto”. Aí, então, deu-nos uma baita lição de moral por havermos colocado nosso colega em má situação.

Aliás, com relação a essas “vozes de comando”, recordo-me de duas situações hilariantes. Uma delas, aconteceu com o Elói (“Marta Rocha”), na primeira vez que serviu de “xerife” para nossa turma. Em vez de dizer: “Direita, volver”, disse: “Direita, vamos ver”. O Tenente Guedes, com sua voz fina característica, repreendeu-o imediatamente. A segunda aconteceu com o Dirceu (“Raiz Quadrada”). Chamado pelo Major Cunha, apresentou-se com “ombro-arma”, ou seja, o fuzil no ombro esquerdo. Como estava em um recinto coberto, o Major Cunha deu-lhe uma “mijada” (repreensão, no jargão militar), dizendo-lhe que ele deveria saber que em recintos cobertos um subalterno não se apresenta ao seu superior com o fuzil em “ombro-arma”.

Creio ser oportuno dizer algo sobre os apelidos que recebemos no CPOR. Eu tinha dois apelidos: “Fanhona” e “Boca de Ouro”. O primeiro deveu-se a minha voz fanhosa; o segundo, porque estava fazendo tratamento dentário e, naquela ocasião, havia colocado uma “coroa de ouro” em um de meus dentes. O apelido “Macaco”, do Joaquim Francisco Coelho, surgiu em uma das primeiras quartas-feiras em que todos os alunos do CPOR iam para o “estande de tiro”, no Utinga. Por ocasião do intervalo de almoço, costumávamos nos reunir para contar piadas. Depois de ouvirmos algumas delas, o Joaquim se apresentou para contar mais uma. O “Boga”, aluno do segundo ano de Infantaria, aproxima-se do Joaquim e perguntou-lhe: Qual é mesmo a piada que vais contar?. A do macaco, respondeu-lhe. Quando o Joaquim começava a contar a piada, o “Boga’ interrompia-lhe com a mesma pergunta, e ouvia a mesma resposta. Depois de uma série de tentativas para contar a piada, sempre interrompida pelo “Boga”, o Joaquim desistiu de contá-la. Nunca soubemos qual era a piada, no entanto ficou o apelido: “Macaco”. O Elói Peixoto foi apelidado de “Marta Rocha”, porque era louro e boa pinta, em alusão à nossa “eterna Miss Brasil”. O Dirceu Pinto Marques recebeu o apelido de “Raiz Quadrada” em uma aula de Armamento com o Tenente Calvis. No decorrer dessa aula apareceu o cálculo da raiz quadrada de 2 ( ). Aí, então, o Tenente Calvis perguntou à nossa turma quem sabia resolver. Imediatamente o Dirceu se apresentou para fazer o cálculo, pois sabia de cor que o resultado era 1,414. Contudo, quando ele começou a realizar o cálculo para encontrar esse resultado, ele errou ao considerar o dobro de 1 como sendo 1. Em vista disso, encontrou outro resultado. A turma começou a gozá-lo e o Tenente Calvis o mandou se sentar. A partir daí, surgiu o apelido.

Os demais apelidos foram escolhidos pelo comportamento, por alguma característica física, e/ou por outra situação inusitada de seu portador. Por exemplo, o Nestor recebeu os apelidos de “Nariz de Bolacha” e “Cavalo”, por causa de seu nariz abaulado; o Luís Fonseca, o de “ Fonseca Maluco” porque fazia coisas alopradas; o Simões, o “Cospe-Cospe”, recebeu esse apelido porque cuspia quando falava; o Paulo Cruz tinha um pé muito grande, daí o “Pé de Chumbo” ou “Patolão”; o Armando Tavares era sempre do “contra” sobre qualquer coisa que era dito a ele, portanto ficou conhecido como “Contra Deus”. Seu outro apelido, “Boneca”, lhe foi dado porque tratava bem de seu visual; o Wlademir tinha dois apelidos: “Quiriru”, porque seu cabelo estava sempre para cima, e “Zatopec”, em alusão ao grande corredor polonês, já que ele disputava, e ganhava, corridas de longo alcance nos Jogos Universitários, pela Escola de Engenharia do Pará; os dois apelidos do Genésio Pina, “Belisca-Lua” e “Palito”, em razão de sua altura; o Auad, “Reizinho”, se parecia muito com o famoso personagem de histórias em quadrinhos; o Monteiro, “Gonorréia”, por causa de seu hábito de andar de perna aberta, em virtude de usar sempre o coturno, quer para ir ao CPOR, quer para ir ao seu emprego na PETROBRÁS, portanto, no início, andava daquela maneira por estranhar o seu uso. Um colega nosso deu-lhe esse apelido na suposição de que ele andava daquele modo para proteger seu pênis, pois, segundo pensava, Monteiro havia contraído a doença de mesmo nome por se envolver com uma das famosas “Maria Batalhão” [mulheres que gostavam (ainda gostam?) de homens fardados]; o Manoel Ribeiro (torcedor fanático do Clube do Remo, do qual foi um de seus Presidentes) foi apelidado de “Enxerto” por causa de uma mecha branca em sua cabeleira. O “Siri na Lata” foi-lhe dado porque ele falava estridentemente e, por isso, fazia muito barulho; o Guilhon recebeu o apelido de “Pudim de Cachaça” porque gostava (e ainda gosta!) de apreciar uma boa bebida alcoólica, principalmente a Cachaça. Nessa época, existia uma marca dessa bebida chamada de “Raposa”, daí o seu segundo apelido; o “Vertigem” do Pantoja decorreu de ele ser pálido; o Agildo recebeu o nome de “Cabo” porque, quando foi cabo de uma das Guardas, aprontou uma verdadeira confusão devido a ter tomado um pileque; o “Paraíba” do Barreto indicava a origem de sua cidade natal; o Belém era conhecido como “Au-Au” porque parecia com cachorro; o “Beré” do Bernardino Fiuza era um apelido de família. “Bicicleta” porque ele gostava de andar de bicicleta nos acampamentos; como o Kalume usava uma cueca tipo “samba canção” toda a vez que esquecia o calção branco, com lista preta nas laterais, obrigatório nos exercícios de educação física (“Kalisténica”) que fazíamos com o Capitão Calvis, este, um certo dia, disse-lhe: A próxima vez que vieres de cueca, mandarei te deter. A partir daí, surgiu o seu apelido “Cueca”; o “Papai Noel” do Mariuadir derivou de seus muitos cabelos brancos (cerca de metade); o “Boca de Velha” do Meneses era uma alusão a sua boca, cujos lábios eram grandes e caídos, como se fossem de uma genitália feminina de uma pessoa idosa, daí seu segundo apelido, “Xoxota”, como era vulgarmente conhecida essa genitália; o “Thiany” do Alvarez derivou de sua aparência física com esse famoso mágico; o Fonseca Santos, como vivia dando conselhos, recebeu o apelido de “Tio Totó”; por fim, a gagueira do Fonteles foi a responsável por seu apelido “Qui-Qui-Qui”. Certamente outros de nossos colegas tiveram, momentaneamente, algum apelido, que, no entanto não “pegou”.

Antes de descrever algumas situações ocorridas nos Acampamentos, vou registrar outras acontecidas em Belém. No “estande de tiro”, recordo-me de algumas situações inusitadas. Por exemplo, meu colega de turma da Escola de Engenharia, o saudoso José Ivo de Seixas Bonna, era aluno do segundo ano de Artilharia. Na disciplina Armamento, além de aprendermos como armar e desarmar um fuzil, tínhamos que exercitar tiros em um alvo que ficava colocado em um quadrado de madeira, a cerca de cem metros do local de onde atirávamos. Depois que dávamos uma série de tiros (com revólver e fuzil), o sargento responsável por esse exercício saía da vala que ficava atrás do alvo e, com um escantilhão de ferro, ia conferir quantos pontos cada atirador tinha conseguido. Esse escantilhão era formado de uma série de arcos metálicos concêntricos e um arco pequeno, em seu centro, onde se localizava o centro do alvo, conhecido como “mosca”. Os pontos eram atribuídos, de maneira decrescente, para cada setor circular. Pois bem, o Bonna era tão ruim de “tiro ao alvo” que não conseguia nem acertar no quadrado de madeira. Certamente houve complacência do Tenente Ferreira, da Arma Artilharia, para aprovar o Bonna. Registro também que, na disciplina Armamento, atirávamos (deitados) com a Metralhadora “Thompson .30”, com um colega segurando o pente de balas para que não houvesse “engasgamento” de nenhuma delas.

O treinamento que fazíamos com essa Metralhadora era dado pelo saudoso Tenente Carlos Alberto Moreira. Um certo dia, segundo me lembrou o Amílcar, o Pinho perguntou ao Tenente para que serviam as mangueiras da Metralhadora. Como pareceu ao Tenente uma pergunta ingênua, já que o uso delas era para esfriar o cano da Metralhadora, respondeu-lhe de pronto: Para enfiar no teu cu.

Nas viagens que fazíamos para o “estande de tiro”, saíamos do Quartel em passo cadenciado (“ordem unida”), pela então Avenida Independência (hoje, Avenida Governador Magalhães Barata). Contudo, quando chegávamos à Avenida Almirante Barroso, passávamos ao “passo de estrada”, sem cadência. Nessa ocasião, cantávamos o Hino da Infantaria (veja sua letra mais adiante). Para descansar a voz, começávamos a brincar com alguns de nossos colegas. Pois bem, nosso colega “Macaco”, então calouro da Faculdade de Direito, namorava com a também sua colega Maria Nauar (já falecida), que se candidatara a ser “Miss Caloura”. Como ela conquistou o segundo lugar, então, por ocasião dessa marcha descontraída, um de nós perguntava: O que a noiva do ‘Macaco’ ganhou?. Em uníssono, respondíamos: Pica. Em outra ocasião, gozamos nosso colega Auad (“Reizinho”), cantando o seguinte: Tropas evangelistas furaram o bloqueio imposto pelo ‘Reizinho’, apesar de sua grande vigilância. Queríamos nos referir ao fato de que nosso colega Rui Evangelista, que namorava a irmã de Auad, havia antecipado a “lua de mel”. Hoje, formam um casal muito feliz! Como o Simões morava naquela Avenida, quando passávamos por lá, toda a sua família vinha para a janela. Como ele tinha umas irmãs bonitas, é claro que começávamos a assobiar para elas. Por fim, quero registrar que, por ocasião dessas marchas, eu ajudava muito ao “Macaco”, do qual era grande amigo (e somos até hoje, pois, ele também é meu cunhado), carregando seu fuzil e, algumas vezes, o saco de viagem. Aliás, eu o ajudava também na disciplina Topografia, indo à casa dele, na Praça da República. Nessa ocasião, eu ainda não namorava sua irmã Célia, hoje minha mulher. Registro que temos dois filhos, José Maria (“Jô”) e Ádria, casados, respectivamente, com Gisa e Saulo, e os correspondentes netos: Lucas e Vítor, e Anna-Beatriz e Matheus.

Agora, registro alguns fatos inusitados ocorridos com as guardas que dávamos no Quartel. A escala dessas guardas era feita pelo Sargento Elmano que, inclusive, era irmão da namorada de nosso colega Genésio Pina. Nossa turma era formada de vários colegas que estavam se preparando para entrar no ensino superior (este composto de Escolas ou Faculdades isoladas, pois a Universidade Federal do Pará só foi fundada no dia 2 de julho de 1957), com alguns deles já nesse ensino, como eu próprio, que era aluno de Engenharia Civil, conforme já registrei. Dentre eles, alguns pertencentes a famílias tradicionais de Belém e, portanto, detinham um certo privilégio, como, dar poucas guardas e, sempre que fosse possível, acima de cabo. Essa guarda era composta de um Oficial Comandante, um Sargento, um Cabo e dois soldados. Estes eram rendidos de duas em duas horas e tomavam conta do portão principal do Quartel e de um portão que existia na Rua Gentil Bittencourt, e que ficava ao lado de uma horta que pertencia ao Quartel. Eu, por exemplo, nunca dei guarda como Oficial Comandante. Esse privilégio de alguns de nossos colegas foi objeto da paródia da música Palpite Infeliz, do Noel Rosa, feita pelo Agildo (“Cabo”) . Ei-la (lembrada pelo Mariuadir):

Quem é você que não sabe o que diz/ Meu Deus do céu que sargento infeliz/ Salve o Palma, o Cruz e o Sidrim/ Salve o Carvalho e o Ortiz, que sempre souberam muito bem/ Infantaria não quer matar ninguém, mas eles têm que dar guarda também./ Fazer escala no quartel já é brinquedo/ Diz que propina não tem mais segredo/ É que o Pina sabe bem onde ele tem o seu nariz/ Mas ele tem que dar guarda também./ Até o Bassalo em toda a guarda está presente/ De tanta guarda ele até perdeu os dentes/ Para que falar, para que gritar contra o que a escala diz/ Quem faz escala não sabe o que diz.

Aliás, registro ainda duas outras paródias musicais. Uma, do próprio Agildo (também lembrada pelo Mariuadir):

SOLDADO DE INFANTARIA

Eu sou um soldado de infantaria/ Meu Deus do céu, que dia de alegria/ Chego às seis horas, pego o meu fuzil/ e vou pra ordem unida de bornal e de cantil/ Já estou ficando “forte”/ com todo esse dissabor, de todas as instruções/ Maneabilidade é um amor/ E toda a vez que chego do “combate”/ pego o meu caneco e vou tomar/ o meu chá mate.

A outra era uma gozação feita pelos “artilheiros” para nós, “infantes”. Ei-la, lembrada pelo Sílvio Samuel Moreira Aflalo, então aluno de Artilharia, baseada na música Escravo de JÓ:

HOMENAGEM A UM INFANTE

Escravo do pó/ Que vive a rastejar/ Levanta, deita, torna a levantar/ Deitar!/ Infante sem mochila/ É transgressão disciplinar!.

Sobre as guardas, registro algumas situações anedóticas e inusitadas. Por exemplo, em uma guarda cujo Comandante era o Dourado e eu, o Sargento, tivemos oportunidade de participar do seguinte episódio. Creio que, por volta de 1957, esteve em Belém um faquir que estava jejuando, com cobras em seu esquife, localizado no “Largo de Nazaré”, ao lado de um antigo “Clipper” (parada de ônibus), defronte dos antigos cinemas “Iracema” e “Poeira”. Cerca de três horas da manhã, o Dourado me chamou e disse: “Vamos ver se esse faquir não está comendo uma hora dessas, pois ele já está há muito tempo sem comer”. Fardados, fomos até o local e, nessa condição, entramos sem pagar, por permissão do guarda que estava lá para comprovar o jejum e impedir qualquer fraude. Lembro-me de que o faquir estava dormindo e as cobras passeando em cima dele. Naquela madrugada, pelo menos, não vimos nenhuma fraude. Parece mesmo que não houve, pois não me recordo de nenhum escândalo jornalístico relacionado com esse faquir.

De outra feita, eu estava dando guarda como soldado no portão da Gentil. Como ele ficava ao lado da horta, conforme já registrei, ela era muito “visitada” por porcos que vinham da Travessa 14 de Março. Uma das funções do soldado que ficava nesse portão era não permitir a entrada desses porcos. Caso isso acontecesse, haveria punição por negligência. Por ocasião daquela guarda, cerca de duas horas da manhã, eu vi uma vara de porcos se aproximando da horta. Não tive dúvidas, armei meu fuzil com a baioneta e expulsei os porcos até sumirem do local.

O privilégio referido acima sobre não dar guardas, ou dar guardas apenas como Comandante ou Sargento, fez com que acontecesse um fato inusitado. O Freire era um desses privilegiados (ele tinha um carro de marca Perfect e colocava-o à disposição do Coronel Ovídio Abrantes, Comandante do CPOR, nos acampamentos e mesmo em Belém). Um certo domingo, faltou um dos elementos da guarda, cujo Comandante era o Mariuadir. Eu era seu soldado. Ele me chamou e disse: Hoje, vamos acabar com a malandragem do Freire. Vai na “Casa Aurora” (uma confeitaria que ficava no “Largo de Nazaré”, esquina com a Avenida Generalíssimo Deodoro, no correr dos cinemas referidos acima) e telefona convocando ele para substituir o colega faltoso. Fiz isso, telefonando para a casa do Freire, que morava com os pais, na Travessa Dr. Moraes, entre as Avenidas Nazaré e Braz de Aguiar. A atendente do telefonema disse-me que ele não se encontrava lá. O Mariuadir, então, mandou um “jeep” apanhá-lo na casa dele, pois supôs que ele estivesse escondido. O “jeep” voltou dizendo que ele não se encontrava lá. Tentamos encontrá-lo na casa da noiva dele, hoje a esposa Marli, que morava na Travessa Joaquim Nabuco. A resposta foi a de que não sabiam onde ele estava. Sorte dele e azar do colega Kalume que, ao sair da missa de domingo na Igreja de Nazaré, passou no quartel para ver os amigos. Ficou lá mesmo para completar a guarda. Esse episódio rendeu uma detenção ao Mariuadir, por parte do Comandante Ovídio, com o argumento de que houve falta de companheirismo daquele com o seu colega Freire, pois o companheirismo, segundo ele, é o que mantém o moral de uma tropa em batalha. Aliás, conforme me alertou o Aguiar, esse “azar” do Kalume se enquadra em um famoso ditado de quartel: Soldado de folga em quartel, quer serviço ou prisão.

Uma outra noite, o Agildo estava dando guarda no portão principal do Quartel, que tinha um tubo de canhão fincado ao lado. Bêbado, por volta das três horas da manhã, encostou o fuzil na parede do Quartel e tirou uma soneca encostado no canhão. Para azar dele, o Major Cunha, que morava no Quartel, chegou para dormir. O Agildo despertou com os passos dele e, pegando no fuzil, apontou para o Major e disse: Quem vem lá! Se não se identificar eu passo fogo. O Major disse apenas o seguinte para ele: Soldado, pára com isso, pois sabe que sou eu. O senhor está bêbado, amanhã conversarei com o senhor. Mais uma detenção para o “Cabo” Agildo. Por falar no Agildo, é oportuno registrar sua grande inteligência, em particular, seu grande talento para aprender línguas estrangeiras. Por exemplo, várias vezes ele chegou no quartel falando em alemão com o Capitão Pery, que tinha ascendentes alemães. Ele, percebendo que o Agildo tinha ingerido alguma bebida alcoólica, mandava o Agildo fazer “um quatro”, ou seja, ficar de pé, cruzando uma das pernas. Era comum ver o Agildo despencar, perdendo o equilíbrio. O Capitão Pery, então, mandava que ele fosse tomar um banho bem frio para curar a ressaca.

Agora, vou registrar algumas situações hilariantes, anedóticas e perigosas que aconteceram nos três acantonamentos que fizemos. A primeira delas ocorreu na Ilha do Outeiro, parece-me que em julho de 1956. Como ainda não havia a ponte que liga, hoje, Icoaracy e Outeiro, fomos para lá em uma chata do antigo Serviço de Navegação da Amazônia e Administração dos Portos do Pará (SNAPP) e ficamos alojados na extinta Escola Agrícola “Magalhães Barata”. Lembro-me de que eu fazia parte da equipe responsável pelas ligações telefônicas, da qual participavam o Ortiz, o Cruz e o Simões. Algumas vezes, fiquei responsável pela central telefônica. Nesse acampamento, por ocasião dos exercícios de tiro do canhão anticarro, a onda de choque originada pelo deslocamento de ar na ocasião de um dos tiros provocou uma lesão, sem grandes conseqüências, em um dos ouvidos do Ortiz. Nesse acampamento, o Barreto lembrou-me de uma “Maria Batalhão”, de nome Terezinha, que namorou com quase toda a nossa turma de infantes.

O segundo acantonamento aconteceu em Igarapé-Açu, em fevereiro de 1957. Fomos para lá em uma composição de trens da Estrada de Ferro de Bragança. (Segundo o historiador Ernesto Cruz, a construção dessa Estrada foi iniciada em 24 de junho de 1883, quando era Presidente da Província do Pará o General Visconde de Maracaju, e concluída em 7 de setembro de 1908, com a inauguração da Estação de Bragança, pelo então Governador Augusto Montenegro. O primeiro trecho dessa estrada, que ligou a Estação de São Braz e a Colônia de Benevides, foi inaugurado no domingo, 9 de novembro de 1884, num total de 29 quilômetros.) Em Igarapé-Açu ficamos alojados em prédios da Aeronáutica. Nossos treinamentos de guerra eram realizados em Livramento, distante cerca de 10 km de Igarapé-Açu, onde existia uma torre de ancoragens de “zepelins” (Esta torre foi construída, pelos americanos, no começo da década de 1940, por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Os “zepelins” eram usados para patrulhar o litoral brasileiro e observar os prováveis submarinos alemães que bombardeavam os navios americanos que se dirigiam à África).

Relato, agora, três incidentes quase trágicos que aconteceram nesse acantonamento. O primeiro deles, lembrado pelo Barreto, ocorreu quando a locomotiva nos levou para Livramento, ocasião em que o vagão que levava as munições quase explodiu em virtude das fagulhas que eram soltas da locomotiva ao queimar o combustível (lenha) e que caíam perto dos explosivos. O segundo incidente, também quase trágico, aconteceu quando estávamos dando tiros de morteiro para proteger a infantaria que ia atacar um local onde se encontravam os “inimigos”. Para aumentar o alcance do obus lançado pelo morteiro, eram colocados pacotes (‘baratas”) de pólvora adicionais em garras localizadas na parte posterior do obus. Este só explodia ao tocar o chão, quando alcançava uma certa altura necessária para armar o precursor do gatilho que então preparava a detonação. O dia em que aconteceu o incidente quase trágico acima referido estava muito chuvoso em virtude da época “invernosa” (verão com muita chuva) paraense. Portanto, as “baratas” explosivas adicionais estavam frias. Depois que preparamos o morteiro para fazer o lançamento, eu e alguns colegas (creio que o Guilhon, o Miranda, o Elói e o Dirceu) corremos para uma cobertura de palha que ficava perto do local onde se encontrava o morteiro, para nos proteger da chuva. Quando o tiro foi disparado, olhei para o céu para acompanhar a sua trajetória. Como o céu estava nublado, percebi um ponto negro caindo em nossa direção. Era o obus. Gritei para meus colegas e disse: Porra, vamos correr que essa merda vai cair perto de nós e nos foder a vida. Felizmente a chuva nos salvou, pois as “baratinhas” molhadas não queimaram e o obus não atingiu a altura necessária para armar o precursor. O terceiro foi registrado pelo Pantoja. Quando atirávamos de anticarro, o alvo era um lençol branco que era colocado no local onde estaria o “inimigo”. Enquanto alguns de nossos colegas estavam ainda colocando o lençol, eles perceberam que os tiros já haviam partido do anticarro e trataram de se proteger antes que ocorresse algum acidente.

É claro que, apesar dessas duas situações quase trágicas, também vivemos situações hilárias. Uma delas ocorreu quando, acampados em Livramento, desarmamos e escondemos a barraca de um colega nosso, parece que foi a do Fonteles (“Qui-Qui-Qui”). Como era uma noite chuvosa e escura, ele apalpava o local para encontrar a barraca. Contudo, ele só encontrou as “estacas de queixo” e lambuzadas de excremento. Vendo o desespero do “Qui-Qui-Qui”, traduzido pelo aumento de sua gagueira, nós o ajudamos a montar novamente a sua barraca para que ele dormisse tranqüilamente.

O terceiro acantonamento aconteceu na Ilha do Mosqueiro, em julho de 1957. Como no primeiro, fomos para lá em uma das chatas do SNAPP, que era o único meio de transporte para essa ilha, uma vez que não havia ainda sido construída a estrada que a ligava ao continente. Lá, ficamos alojados na Estrada da Bateria, em um prédio do Exército Brasileiro (EB), onde hoje é a Escola Nossa Senhora do Ó. Aliás, neste prédio, recordo-me de uma situação inusitada. Um de meus colegas, me parece que o Gonzaga, e que dormia em uma cama ao lado da minha, estava com febre-gripal. Ao ser atendido por um sargento do Corpo de Saúde que ia lhe aplicar uma injeção, brinquei com o sargento, dizendo-lhe: Sargento, eu vou sair de perto pois não quero ser testemunha de um crime. Tive grande dificuldade em convencê-lo de que estava fazendo uma piada, de mau gosto, é claro, com ele. Aproveito esta oportunidade para registrar uma irreverência minha com um outro Sargento.

Eu morava na Travessa São Pedro (número 421), próximo da Avenida Conselheiro Furtado. Nesta, na Vila Monção e que ficava defronte dessa Travessa (que, por sinal, acabava nessa Avenida), morava o Coronel Ovídio Abrantes, Comandante do CPOR, conforme já registrei. Cerca de seis horas da manhã, um veículo (“jeep”) do EB vinha apanhá-lo. Eu pegava o ônibus, “Circular Externa”, bem na esquina da Travessa Apinagés para ir ao Quartel. Quando coincidia de o “jeep” passar e eu ainda não haver pegado o ônibus, ele me dava carona. Na outra esquina, na Avenida Padre Eutíquio, um sargento também pegava carona. Pelo Regulamento do EB o subalterno tem que sempre fazer continência ao superior. Como eu era aluno do CPOR, estava na condição de subalterno. Assim, eu sempre fazia continência para ele. Um certo dia, por alguma razão de que não me lembro, disse para mim mesmo: hoje não faço continência para o sargento, vamos ver o que vai acontecer. E aconteceu. Quando chegamos ao Quartel, ele mandou me chamar e perguntou porque eu não o havia saudado. Inventei uma desculpa qualquer e ele aceitou-a. Anos depois desse incidente, ele foi meu aluno no Colégio “Abraham Levy”. Recordo-me muito bem do primeiro dia que ele entrou na sala e me encontrou como seu professor. Apenas disse para ele: Entre, Sargento, esteja à vontade. Aqui não é o EB.

Voltemos ao acantonamento de Mosqueiro. Recordo-me de um incidente que quase cegou o então Primeiro-Tenente, o saudoso Carlos Alberto Moreira. Entre a praia do Porto Artur e do Murubira, no rio que banha a Ilha do Mosqueiro, existe um banco de pedra que servia de alvo para os tiros de canhão “anticarro” que estávamos realizando. Depois de a equipe responsável (da qual eu fazia parte) por esses tiros dar a inclinação necessária para o tubo desse canhão, ele foi conferir olhando no visor que ficava aderido a esse tubo. Sem tirar o olho desse visor, ele deu ordem para o disparo. Pelo princípio da conservação do momento linear, que eu suponho ele haver esquecido na ocasião, o canhão recuou após o tiro. Nesse recuo, ele trouxe também o visor, que atingiu o Tenente Moreira um pouco abaixo de seu olho.

Ainda no Mosqueiro, gostaria de registrar mais algumas situações pitorescas. Uma delas (lembrada pelo Barreto) relaciona-se com uma das famosas trapalhadas que os irmãos Farah, Alexandre e José (mais tarde, meus alunos no Colégio “Abraham Levy” e no Colégio Estadual “Paes de Carvalho), aprontaram nessa Ilha. Os alunos do CPOR, na sua grande maioria, pertenciam a famílias que faziam o veraneio de julho nesse balneário. Quando estávamos viajando para lá, as famílias aguardavam a chegada de seus entes queridos. Alexandre e José resolveram aprontar mais uma de suas maldosas brincadeiras: espalharam o boato de que a chata do SNAPP, que nos trazia, havia naufragado. Para amenizar, eles disseram: Parece que não houve mortes, apenas alguns com ferimentos graves, felizmente, sem risco de morte. Que alívio para essas famílias, quando a chata aportou no trapiche da Vila.

O Alfredo Cordeiro, nosso colega, pertencia a uma família de classe média. Como a comida de quartel era a trivial: arroz, feijão e carne, ele a completava com refinados biscoitos amanteigados, que trazia em seu saco de viagem. Ele dormia perto de mim e do Joaquim (“Macaco”), fazendo esse saco como seu travesseiro. Vendo que ele tinha um sonho profundo, “Macaco” e eu idealizamos subtrair alguns desses apetitosos biscoitos. Por volta de uma hora da manhã de um certo dia, acordei o Joaquim e disse: O Alfredo está em um sono profundo. Vamos roubar alguns biscoitos dele. Enquanto eu levantava a cabeça dele, o Joaquim e o Miranda retiraram o saco, abriram-no e tiraram alguns daqueles biscoitos. No dia seguinte, o Alfredo deu por falta deles e perguntou para mim se eu havia visto quem roubara os biscoitos. Disse-lhe: Não te lembras que dormi antes de ti? Como eu poderia ver quem te roubou?. Não sei se ele desconfiou de nós. Aliás, o Cordeiro gostava do “Macaco” pois perguntou para ele, por ocasião da prova de Armamento: Macaco, anticarro entra para a prova de Armamento? Se entrar, vamos estudar juntos, pois eu não sei nada.

Uma terceira situação, quase trágica, aconteceu quando nos preparávamos para acampar na praia de Carananduba. Íamos fazer tiros de morteiro contra possíveis “inimigos” que iriam tomar essa praia. [Certamente, esse tipo de exercício era para homenagear a famosa invasão da Normandia, no dia 6 de junho de 1944, realizada pelos Aliados por ocasião da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).] Para esse acampamento, em barracas, era necessário que houvesse comunicação da tropa com o comando militar dessa operação, que ficava no “quartel-general” da Bateria. Foram designados para estender os fios telefônicos Paulo Cruz, Dourado e Bahia. No Ariramba, o Cruz pediu uma escada emprestada de um morador dessa praia. Com o sobe e o desce nessa escada, ela acabou quebrando em Carananduba. Quando voltaram, ele foi entregar a escada mutilada para o seu dono. Este, furioso, exigia a escada inteira, ou iria denunciar o Cruz aos seus superiores. No caminho de volta para a bateria, o Cruz, pensando nas conseqüências dessa provável denúncia, e já um pouco “etílico” para vencer a longa caminhada de volta, tentou suicidar-se. Foi uma luta para o Dourado e o Bahia convencerem o “Patolão” a não realizar esse ato tresloucado. O Cruz morreu muito tempo depois em decorrência de problemas cardíacos e, de certo, o dono da escada comprou uma outra para realizar seus serviços. Certamente, o Cruz e o Bahia relembram sempre essa história quando se encontram em algum lugar do céu!

Creio ser oportuno registrar o pavor que tomou conta de mim por ocasião dessa noite que passamos acampados em Carananduba. Desde 1948, eu convivo com uma hipocondria neurótica. Ela se manifesta quando enfrento algum problema. Assim, além de passar o dia cavando o terreno para fixar a placa base do morteiro, ajustando o seu tubo-canhão numa inclinação adequada para atingir o “inimigo”, e com a expectativa de passar a noite inteira acordado à espera do “ataque inimigo”, minha preocupação maior era a da possibilidade de chuvas, pois, certamente, ficaria molhado e poderia ficar tuberculoso. Daí o meu pavor. Felizmente, essa noite em Carananduba foi enluarada e a “batalha de Carananduba” não ocorreu, conforme registro do Aguiar descrito abaixo. Aliás, parece que foi nesse acampamento que o Rettelbush ficou tuberculoso, depois de uma noite de chuvas. Aliás, creio ser oportuno registrar que, ainda durante esse acampamento, quase uma Surucucu-pico-de jaca causou problemas sérios ao Aguiar e a alguns colegas. Veja o relato que o próprio Aguiar fez desse incidente.

Um dos exercícios programados para o encerramento de nosso Curso de Infantaria foi uma marcha até a localidade de Carananduba, onde deveria haver um desembarque de tropas na praia, que seria defendida por tropas posicionadas no mesmo local e que deveriam evitar a invasão. É interessante salientar que essa programação não foi cumprida, talvez por falta de condições (equipamentos), não havendo o tão esperado encontro entre as tropas invasores com as tropas defensivas, evitando-se assim a ‘batalha de Carananduba´.

Pela manhã, cedo, logo depois do café, iniciamos a marcha por uma estrada de piçarra, pois, naquela época, no Mosqueiro não havia asfaltamento nem de ruas e nem de estradas. Após caminharmos mais ou menos duas horas, fizemos uma parada para descanso. O local era uma estrada de piçarra, no início do Ariramba, com barrancos de aproximadamente 1 metro de altura de cada lado, nos quais uma grande parte de nós, alunos, aproveitou para sentar. Sem que inicialmente ninguém percebesse, pulou do barranco no leito da estrada uma cobra de aproximadamente 2,5 metros de comprimento, identificada posteriormente como uma Surucucu-pico-de-jaca que, segundo a literatura especializada, pode atingir até 3 metros de comprimento e possui veneno letal. Para sorte nossa – pois éramos inexperientes nesse tipo de situação, sem vivência em áreas rurais e com idade média de 20 anos – fazia parte de nosso grupo um destacamento de sargentos da Polícia Militar do Estado que conseguiu dominá-la, e um deles, segurando-a pelo pescoço, deu-lhe inúmeras lambadas no chão, desconjuntando-a, deixando-a inerte. Em seguida, um outro componente do mesmo grupo acabou de matá-la, retalhando-a com uma pá de sapa. Após o ocorrido, fomos alertados de que poderia haver uma outra cobra da mesma espécie no local, pois, segundo dizem os entendidos, elas sempre andam juntas formando um casal, o que felizmente não aconteceu.

Na conclusão dessas reminiscências sobre a minha saga no CPOR, quero prestar homenagem a todos que participaram da festa da entrega da espada de Aspirante a Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, iniciada às 9,30 horas do dia 25 de agosto de 1957 e realizada na Praça Justo Chermont. Segundo o Convite de Colação de Grau (agradeço ao colega Dourado o acesso ao Convite), a Turma General Gurjão, composta dos Cursos de Infantaria, Intendência e Saúde, teve como Patrono o General Hilário Maximiano Antunes Gurjão, como Paraninfo o Tenente Coronel Ovídio Abrantes e os seguintes homenageados: Majores: Antonio Augusto Nogueira, José Collares Bezerra e Carlos Alves da Cunha; Capitães: Teodoro Hildebrando Garcia, Arthur Ramos Bogéa, Pery Rosenzweig Menezes, Alberto Gomes Ferreira, Robespierre Batista de Menezes, Abner Coelho Conrado, José Guilherme de Sequeira Cardoso, Elias Antonio Mokarzel, Lucimar Pedrosa Ribeiro, Wilson de Pinho Marques, José Pessoa Guedes, Antonio Calvis Moreira, Arthur Nunes Ferreira Filho e Leôncio Rio Lima; os Primeiros-Tenentes: Luciano Monteiro de Figueiredo, Itamar Apiácá Barreto, Wladir Cavalcante de Souza Lima e Carlos Alberto Moreira; e o Segundo-Tenente Nicolau Dino de Castro e Costa Filho.

Eis, agora, a relação dos que receberam a espada naquele dia. De nossa Turma de Infantaria, que iniciaram o Curso em 1955 e relacionados anteriormente, apenas deixaram de recebê-la os seguintes colegas: Adolf Rettelbusch, Gileno de Araújo Lima, Fernando Silva de Palma Lima, Elielmano Gomes Martins, Joaquim Francisco Mártires Coelho, Célio Braga Wanderley (completou seu Curso no Rio de Janeiro, depois se tornou cunhado do Aguiar e hoje falecido) e Virgilio Ernesto Arantes de Mello. Registre-se que, junto com essa nossa turma, também recebeu espada o Edison Baptista de Menezes, que havia se incorporado ao nosso contingente apenas no segundo ano, em 1957. Curso de Intendência: Ronald Costa Borrajo, Vanner Penna Machado, Manoel Viegas Campbell Moutinho, José Maria Pinheiro de Souza, Joaquim Oliveira Alves da Cunha, Elias de Souza Gorayeb, Mário Cardoso de Freitas Guimarães, Walton Vieira de Nóvoa, Luiz Oswaldo Pamplona Conceição, Leônidas Acreano Figueiredo, João Severiano Dantas Filho, Emmanuel de Souza Cruz, Paulo Imbiriba Lisboa, Alexandre Vaz Tavares, Edson Raymundo Pinheiro de Souza Franco, Emmanuel de Lima Marcellino Ferreira, Cezar Bechara Nader Mattar, Ivan José Barbosa Lima, José Joaquim Martins Junior e Ramiro Jayme Bentes. Curso de Saúde: Octávio Nunes Lamarão, Lucivaldo Nazaré Tapajós Figueira, José Lino Martins e Silva Ferreira, Lázaro Nogueira Cerqueira, Nacif das Mercês Sabino Neder, Walter Ferreira Oliva, Alfredo Paes Barreto, Álvaro da Silva Campos, Manoel Wilson dos Santos Penna, Mário Antonio Martins, Ubirajara Imbiriba Salgado, Washington Pereira, Fernando de Jesus de Castro Lobato e Enéas Ferreira Carneiro. Este, por sinal, foi candidato à Presidência da República do Brasil, nas eleições de 1989, 1994 e 1998, e ficou conhecido por completar sua apresentação na TV, com o bordão: Meu nome é Enéas!!!

Creio ser oportuno registrar que, por não haver aceito realizar estágios de instrução em Manaus e em Belém, fui relacionado como Segundo Sargento da Reserva de Segunda Categoria, conforme Apostila datada de 15 de outubro de 1959, anotada em meu Diploma de Aspirante a Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, e assinada pelo Major Renato Rocha, Chefe do Serviço Militar Regional da 8a. Região Militar.

Para finalizar, segue o HINO DA INFANTARIA (Letra: Hildo Rangel; Música: Thiers Cardoso):

Nós somos estes infantes/ Cujos peitos amantes/ Nunca temem lutar;/ Vivemos,/ Morremos,/ Para o Brasil nos consagrar!

Nós, peitos nunca vencidos,/ De valor, desmedidos,/ No fragor da disputa,/ Mostremos,/ Que em nossa Pátria temos,/ Valor imenso,/ No intenso, Da luta.

REFRÃO:

És a nobre Infantaria,/ Das armas a rainha,/ Por ti daria/ A vida minha,/ E a glória prometida,/ Nos campos de batalha, Está contigo,/ Ante o inimigo,/ Pelo fogo da metralha!

És a eterna majestade,/ Nas linhas combatentes,/ És a entidade,/ Dos mais valentes./ Quando o toque da vitória/ Marca nossa alegria,/ Eu cantarei,/ Eu gritarei:/ És a nobre Infantaria!

Brasil, te darei com amor,/ Toda a seiva e vigor,/ Que em meu peito encerra,/ Fuzil!/ Servil!/ Meu nobre amigo para a guerra!

Ó! Meu amado pendão,/ Sagrado pavilhão,/ Que a glória conduz,/ Com luz,/ Sublime/ Amor se exprime,/ Se do alto me falas,/ Todo roto por balas!

Segue o REFRÃO. És a nobre Infantaria, …

No fechamento deste artigo, no qual descrevi a saga do CPOR, registro que, a partir de dezembro de 2003, eu e mais alguns desses meus colegas (Aguiar, Amílcar, Barreto, Cordeiro, Dirceu, Dourado, Elói, Fonteles, Freire, Genésio, Guilhon, Kalume, Mariuadir, Pantoja, Pinho, Tavares e Miranda) nos reunimos (nem todos ao mesmo tempo) para um almoço de confraternização, que acontece no Restaurante Avenida e numa freqüência trimestral. Até o momento em que escrevo essas reminiscências (março de 2005), já realizamos cinco almoços.