Família

FAMÍLIA

A. MINHA VIDA DE SOLTEIRO:1935-1962

Nesta primeira parte, vou registrar algumas recordações colhidas no “chão” de minha infância e de minha adolescência, desde meu nascimento, em Belém do Pará, na Maternidade da Ordem Terceira de São Francisco, sob os cuidados do Dr. Waldemar de Freitas Ribeiro, no dia 10 de setembro de 1935, às 12h, meia hora antes do nascimento de minha irmã Maria José, até meu casamento, no dia 06 de outubro de 1962, com Célia Mártires Coelho. Além da Maria, tenho os irmãos Antônio e Mário. Minha irmã Madalena e meu irmão Luiz, o “Corumbá”, este por parte de pai, já faleceram. Mais adiante, falarei de cada um deles, assim como de meus tios e primos.

Meus pais e suas origens

Meu pai Eládio nasceu no dia 13 de junho de 1897, em uma aldeia espanhola chamada Pueble de Tribes, San Miguel de Vidueira, na província de Orense, no Caminho de Santiago de Compostela, no noroeste da Espanha. Chegou a Belém do Pará em 1912 [ano em que os adversários de Antônio Lemos queimaram, no dia 28 de agosto, seu jornal A Província do Pará), em companhia de sua mãe Teresa Basalo (Ricoy, nascida em 1867, falecida no dia 04 de novembro de 1952, filha de Alonzo Basalo (Estevez e Francisca Ricoy Diaz)] e de sua irmã Lúcia. Mais tarde, chegou sua irmã Luzia, nascida no dia 30 de setembro de 1909. Meu pai morreu no dia 20 de abril de 1980, e a tia Luzia, no dia 17 de setembro de 1983. Os vizinhos chamavam o papai de Seu Hilário. Nota: As informações acima foram passadas por meu pai e complementadas por meu sobrinho Luís Carlos Bassalo Crispino que esteve, em julho de 2012, nessas localidades espanholas e encontrou novas informações. Por exemplo, ele obteve a informação de que a mãe de uma pessoa de nome Eladio Basalo é Josefa Basalo, filha de Salvador Basalo e Sebastiana Vasquez, e que teria nascido, em 09 de setembro de 1897, em Cernado, distante 7 km de San Miguel de Bidueira.

Minha mãe Rosa nasceu no dia 08 de março de 1900, numa aldeia italiana de nome Castelluccio Inferiore, na Província de Potenza, a cerca de 500 km de Roma, no centro sul da Itália. A família de minha mãe, os Filardi (o), é originária da Grécia. Em 1400, instalou-se na ilha de Rodes. Devido à invasão dos turcos em Altamura (Bari), um de seus ramos transferiu-se para Bolonha, inscreveu-se na Nobreza, e tornou-se proprietário de vários feudos em Castelluccio. Desses Filardi, alguns foram religiosos, todos Monsenhores. Por exemplo, Ennio foi Bispo de Ascoli, em 1536, sob o Papado de Paulo III; Mário foi Arcebispo de Avignon, na França, em 1624, sob o Papado de Urbano VIII (amigo de Galileu Galilei); Massenzio foi Bispo de Martirano (Catanzaro), em 1650, sob o Papado de Innocêncio X. Por outro lado, um dos Filardi, Antonio, foi Oficial de Fronteira, e foi preso na Guerra de 1810-1814, entre a França de Napoleão I e a Itália. Apesar dessas raízes, meus avós maternos, Paulo e Madalena, eram camponeses. Minha mãe morreu no dia 28 de agosto de 1999.

A casa onde vivi

A convite de sua tia materna Maria, casada com Francisco Libonati, meu padrinho de batismo, dono de uma fábrica de calçados, mamãe veio para nossa cidade em 1924, para morar com ela e com seu irmão José, que já se encontrava em Belém, trabalhando como sapateiro na fábrica de seu tio, com papai, também sapateiro dessa mesma fábrica. Casaram-se em 1926 e foram morar na Travessa São Pedro, número 19 (depois 421 e, hoje, 851), no Bairro do Jurunas, cuja quadra compreendia as transversais Avenida Conselheiro Furtado (por onde passava o bonde, assim como as linhas de ônibus Circular Interna e Circular Externa) e Rua Arcipreste Manoel Teodoro, e paralela à Avenida Padre Eutíquio, antiga Travessa São Mateus.

Localizada em um terreno de 14 21 metros, inicialmente nossa casa, recuada em relação ao muro da frente e construída colada ao lado direito do terreno (de quem olha de dentro do terreno para a rua), tinha uma sala, onde o papai trabalhava (depois que a fábrica do Libonati, localizada na esquina da Arcipreste com a São Mateus, pegou fogo, papai começou a trabalhar em casa), dois quartos e uma cozinha que davam para uma varanda. Apenas a sala era forrada. As paredes da casa eram de enchimento e o telhado era de telha cerâmica. Os pisos eram de madeira escura corrida (provavelmente de maçaranduba), sendo que a sala era de acapu e pau-amarelo. A cozinha era de cimento liso. Mais tarde, meu pai construiu, ao lado dessa varanda, uma cozinha, e ao lado desta, a sua “nova’’ sapataria. Esses dois compartimentos eram de madeira. O banheiro e o sanitário, também de madeira, ficavam fora do corpo da casa, no limite do lado esquerdo do terreno.

Nessa “nova” sapataria do papai, ajudei-o muito, fazendo a famosa “cola de sapateiro’’, engraxando sapatos e costurando, com a sovela, as solas (“meia’’, que ia dos dedos a metade do pé, e “inteira’’ que cobria o pé inteiro) de sapatos que o papai recebia para consertar. Essa “cola’’ era feita da seguinte maneira: as sobras do solado conhecido como “crepe-sola’’, que era de borracha, eram cortadas e colocadas em uma lata com gasolina para amolecê-las. Depois de um certo período de “fusão“, eu, então, usava um pedaço de pau para transformá-la em uma pasta. Essa “cola’’ era usada para vários estágios do conserto de um sapato. Um deles, por exemplo, era para fechar uma abertura feita na lateral do solado para esconder a costura (de fio encerado), que prendia a sola ao couro do sapato. Os buracos dessa costura eram feitos pela sovela, que era um espigão de ferro, pontiagudo, com um cabo de madeira para permitir seu manuseio. Aliás, ao contar essa história da “cola” para os filhos de meus cunhados, um deles, o Antônio Guilherme (“Gaéga”), filho da Rosa Maria e do Pedro Pinho de Assis, me disse: – Quer dizer, titio, que o senhor foi um ‘cheira-cola´ quando criança?.

Mais tarde, por volta de 1951, para abrigar meu irmão Antônio, sua mulher Judite, e mais os filhos Antônio, Rosângela, Paulo, Fernando, Roberto, Guilherme, Rosineide e Rosana, o papai construiu, entre o banheiro-sanitário e sua sapataria, uma pequena casa, composta de uma sala e dois quartos, ainda de madeira. Quando não morava mais em casa, o Antônio adotou um filho de nome André.

Os móveis de nossa casa eram os mais simples possíveis. No quarto do papai, havia uma cama de casal, um guarda-roupa e uma penteadeira. No segundo quarto, onde moravam minha avó Tereza e minha tia Luzia, tinha uma cama de solteiro e uma cômoda. Como não existiam camas suficientes, minha tia e minhas irmãs, Madalena e Maria, dormiam em rede. Aliás, também em rede e na sala, dormíamos eu, Antônio e Mário. Às vezes, dormia também em uma rede na sala o Corumbá, que morava com sua mãe. Todos esses móveis eram, me parece, de macacaúba, feitos pelo Seu Sidoca. Mais tarde, quando a Madalena começou a trabalhar, em 1951, como professora no Grupo Escolar “Placídia Cardoso”, que ficava na Rua Tamoios, depois da Travessa do Jurunas, papai fez a sua sapataria e ela, então, adquiriu uma mobília para a sala, composta de quatro cadeiras, um sofá, duas poltronas, duas colunas e uma mesa de centro, todos de macacaúba, comprados na Movelaria Kislanov, que ficava na Padre Eutíquio, defronte à Rua Carlos Gomes.

(Aliás, lembro-me de que, quando estudava nessa mesa de centro, entre final de 1953 e fevereiro de 1954, para o Vestibular da Escola de Engenharia, fascinou-me saber que a fórmula de resolução das equações algébricas de segundo grau chamava-se fórmula de Bhaskara, segundo alertou-me meu colega do Terceiro Científico do CEPC, o Adriano Marçal Nogueira. Também nesse estudo deparei-me, tratando com Geometria, que havia nomes de outros matemáticos, além de Pitágoras e de Tales, que também contribuíram para a evolução da Geometria: Viète. Talvez esteja aí a gênese de meu interesse pela História da Matemática e da Física, quando, no início da década de 1970, ministrei o primeiro Curso de Desenvolvimento da Física, no Departamento de Física da UFPA. Falarei mais sobre isso, quando tratar de minha vida acadêmica.)

Na cozinha existia uma mesa e bancos corridos, de madeira tosca. O fogão era à lenha, com quatro bocas, cuja fumaça era tirada por uma chaminé. (O primeiro fogão a querosene, marca Jacaré, foi comprado por mim quando comecei a trabalhar no extinto DMER, cujo significado darei mais adiante.) A lenha era comprada na Estância Monte-Alegre, que se situava na então Estrada Nova (hoje, Bernardo Sayão). Vi, inúmeras vezes, meu pai cortando lenha, em frente à cozinha, assim como cansei de telefonar, na Mercearia e Padaria Fortaleza do Humaitá, que ficava na esquina da São Pedro com a Arcipreste, para aquela Estância pedindo lenha, pois demoravam a entregá-la, e ela vinha em um caminhão velho.

O quintal tinha muitas árvores frutíferas, tais como: abacateiro, goiabeira (em cujos galhos comi, muitas vezes, a sobremesa do almoço: saborosas e verdoengas goiabas), abiozeiro, bananeira, cupuaçuzeiro, jambeiro, cacaueiro, e um cacto de jamaracaru, de cujo caule a mamãe fazia xarope para gripe. Lembro-me, por várias vezes, de acordar o papai de madrugada para enxotar uma coruja que, nos galhos do abacateiro, tocava a sua “música fúnebre’’ (batida de seus bicos nos galhos) a qual, segundo a crença popular, tal “música’’ indicava que haveria morte na família, já que a mesma simbolizava o toque do martelo em pregos fechando um caixão de defunto. Para espantar a coruja, o papai tocava fogo em jornais velhos e, com essa precária iluminação, conseguia ver onde ela se encontrava. Lançando pedras nela, fazia-a voar e deixar o abacateiro. No seu vôo, ela piava como se estivesse rasgando pano, o pano que envolve os mortos: a mortalha. Daí ela ser também conhecida como “rasga mortalha’’.

Ainda em nosso quintal, existia um grande coradouro de zinco, perto de uma tina (metade de uma barrica de vinho, que meu pai comprava na tanoaria do Sr. Américo, que ficava na Arcipreste, próximo da Travessa Tupinambás) com torneira (defronte da goiabeira), onde a mamãe lavava e secava as nossas roupas e as de suas clientes, pois, para auxiliar a renda doméstica da casa, lavava roupa para fora. Neste quintal, eu, Antônio e Mário jogávamos “peladas’’ com bola de meia (uma velha meia de sapato enchida com papel), para desespero de nossa mãe, pois a bola caía sempre no coradouro e sujava a roupa que lá estava estendida. Nesse improvisado campo de “pelada’’, uma das traves era a goiabeira e a esquina da casa, e a outra eram as duas colunas do muro da frente, entre o portão de entrada e o muro lateral direito do terreno. Entrávamos na casa por uma escada com cerca de três degraus, e seguíamos por uma passarela de cimento até a porta de entrada da sala. Nosso terreno era mais alto que o leito da rua, que era de chão batido, cheio de capim, com os postes de luz (da Pará Electric) em seu centro, onde também jogávamos “peladas’’. Essa casa foi depois demolida e construída outra de dois andares pelo meu cunhado Pedro Rosário Crispino, casado com a Maria. Hoje, ela não pertence mais a ele, já que foi vendida.

Com relação à atividade de minha mãe como lavadeira, lembro-me de um incidente que quase me matou. Na época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), faltavam vários alimentos comestíveis, principalmente, açúcar e trigo. Assim, o pão era escasso e tínhamos de fazer fila para comprá-lo na Padaria Onça, que ficava na Arcipreste, perto do “Largo de Engomar’’ (que recebeu esse apelido por apresentar a forma de um triângulo), na intercessão da Arcipreste com a rua Veiga Cabral, a atual Praça Coaracy Nunes. Aliás, nessa praça, joguei muita “pelada’’ com meus amigos de infância. Um dia, depois de entregar as roupas lavadas, envoltas em um pano, na casa das Professoras Zilda Garcia, Palmyra Amorim e Maria Luiza Barros que moravam na Arcipreste, entre a São Pedro e a Padre Eutíquio, encaminhei-me para comprar pão naquela padaria, com o pano que ficara liberado depois da entrega, envolto no pescoço. Enquanto aguardava na fila para comprar o pão, brincava com amigos. Um deles apertou o pano em meu pescoço, quase me afogando. Enquanto ouvia gritos para encontrar uma tesoura para cortar o pano, eu consegui, no desespero, afrouxar o laço e me salvar. Ao chegar em casa, não contei para ninguém o que acontecera. Contudo, fui para o canto direito do quintal, perto da rua, fazer massagens em meu pescoço que ainda doía. Ufa!, escapei da morte, dizia eu para mim mesmo.

Ainda com relação à escassez de certos alimentos em conseqüência da Segunda Guerra Mundial, relato mais alguns fatos marcantes em minha vida. A falta de carne me obrigava a enfrentar filas no Mercado Batista Campos (hoje, demolido), localizado na esquina das Avenidas Padre Eutíquio e Conselheiro Furtado. Para eu conseguir um bom lugar na fila da carne, tinha que dormir na porta desse Mercado, pois a carne disponível para a venda era menor do que a demanda. Na falta de açúcar, usávamos açúcar moreno, ou rapadura, ou então triturávamos as “bolas de Cuba’’, que eram esferas (com cerca de 3 cm de diâmetro) feitas de açúcar moreno. Por outro lado, a mesma dificuldade para comprar carne também existia para a compra de peixe. Em vista disso, foram idealizados Cartões de Racionamento, um para peixe e um para carne. Às vezes, era possível comprar carne com o cartão de peixe, como aconteceu comigo.

O contato que tive com a morte, narrado anteriormente, não foi o primeiro que aconteceu na minha vida. Antes, quando eu tinha dois ou três anos de idade, lembro-me de haver acordado e ver minha mãe preocupada comigo, pois passara a noite toda anterior passando azeite (de andiroba, provavelmente!) no meu ventre que havia inchado bastante. A preocupação da mamãe com a minha saúde certamente decorria de comentários que a vizinhança fazia ao me ver franzino, como recém-nascido, em seu colo: – Dona Rosa, será que o Zé Maria vingará? Essa pergunta certamente penetrou em meu subconsciente, já que a idéia de morte sempre me acompanhou durante a minha vida, depois de um incidente que aconteceu comigo quando tinha onze anos de idade, do qual falarei mais adiante.

Apesar das dificuldades financeiras de meus pais, nunca passamos fome. Contudo, para compensar a falta de alimentação apropriada para um crescimento saudável, minha mãe fazia um “caribé’’ (basicamente, um mingau ralo de farinha d’água) que nos servia no final da madrugada. Por outro lado, aquelas dificuldades não impediram que tivéssemos cuidados de médicos particulares ao nascermos (o Doutor Agostinho Monteiro aparou o Antônio e a Madá, o Dr. Waldemar Ribeiro, os demais); estudamos (eu e meus quatro irmãos) o então Curso Primário em uma Escola Particular, do Professor Raymundo Firmiano Lobo, que se localizava no Largo da Trindade, e da qual também falei em outro artigo dessas minhas lembranças.

Por ser italiana, minha mãe Rosa manteve no Brasil alguns hábitos de sua terra natal. Por exemplo, aos domingos comíamos uma macarronada, feita por ela, com farinha de trigo e ovos, com porpetas (bolos de farinha de pão misturada com ovos, que chamávamos de “bolinhas’’), mais saborosas na segunda-feira, que serviam, inclusive, como merenda na Escola Primária, a braciola, um enrolado de massa de farinha de pão, misturada com ovo, e revestida de carne, que chamávamos de “brajola’’ (aliás, somente em 1965, quando estudava na Universidade de Brasília, meu colega Mário Novello, filho de italianos, ensinou-me o nome certo desse “quitute” feito pela minha mãe), e mais o molho de massa de tomate. Os ingredientes dessa macarronada eram comprados na Mercearia Bela, na esquina da Arcipreste com a Padre Eutíquio, de propriedade de Francisco e Luiza Pinto, pais dos saudosos Orlando Pinto (mais tarde, um conceituado médico de Belém) e de Orlandina, que viria a ser, posteriormente, esposa do engenheiro civil Alírio César de Oliveira, meu professor no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), na Escola de Engenharia do Pará (EEP) e meu chefe no hoje extinto Departamento Municipal de Estradas de Rodagem (DMER). O Dr. Alírio e sua mulher Orlandina faleceram, respectivamente, em 14 de fevereiro de 2005 e 23 de janeiro de 2000.

Nas festas tradicionais, como Páscoa, Círio e Natal, comíamos uma galinha que era assada geralmente no forno da Fortaleza do Humaitá. Às vezes, a galinha era também assada na Padaria Onça. Lembro-me bem, pois era eu que ia buscar esse verdadeiro “petisco’’, cuja identificação era feita com uma pequena etiqueta de chapa de flandre. Geralmente essa galinha era acompanhada de vinho tinto, comprado na Fortaleza, e tão bem apreciado por minha tia Luzia. É oportuno dizer que esse vinho era engarrafado, às vezes, com a minha ajuda, de uma barrica de 200 litros, e depois selados, com várias marcas, como, por exemplo, Constantino, Gaúcho, Sultão, Trentino, Tropeiro, dentre outras. Ao lado dessa Padaria, cujos donos foram o Seu Mendes, o seu José, o Seu Aires e o Seu Rodrigues, tinha um anexo onde funcionava a Barbearia do Seu Souza. Quando este se mudou para a Conselheiro próximo da São Mateus, esse anexo transformou-se no depósito dessa Padaria.

Na época do Natal, além da macarronada, comíamos crispeda e rose catarra, feitos também de trigo e ovos. A crispeda era comprida, em forma de charuto, e a rose catarra tinha a forma de uma flor. (Registro que esses nomes me foram ensinados, muito mais tarde, pelo meu cunhado Pedro Rosário Crispino, também filho de italianos, e conhecedor da língua italiana.) Essas duas iguarias eram feitas por minha mãe na véspera do Natal. Lembro-me de que, ao acordar, no dia 24 de dezembro, quase sempre chovendo, corria para a cozinha para comê-los. Também ganhávamos presentes de Natal. Nunca bicicleta Phylipps, pneu balão, e nem patinetes, por razões óbvias. (Recordo que somente alguns anos depois aprendi a andar de bicicleta, usando a de um colega do Mário, o saudoso Dr. Sebastião Pontes, o “Sabito’’, que ia estudar em casa.) Os homens ganhavam carrinhos feitos de madeira e as mulheres, bonecas. É oportuno registrar um fato curioso. Como a rua São Pedro era cheia de capim, num certo ano rezei ao Papai-Noel, para ganhar um caminhão de limpeza com ancinhos, enxadas e pás, tudo de brinquedo, para “limpar’’ a nossa rua. Como não falei a ninguém desse desejo, é claro que meu pai (Noel) Eládio não me deu esse presente. Não sei se foi a partir desse fato que deixei de acreditar no Santa Claus, como uma entidade mundial que trazia presentes em seu trenó, vindo da Lapônia.

Os vizinhos: 1

Agora, registrarei algumas de minhas lembranças de nossos vizinhos próximos e mais afastados de casa, e a amizade com seus filhos. No lado direito de nossa casa e limítrofe, numa casa que tinha um grande quintal na frente com sapotilheiras e um pé de laranja-da-terra, muito amarga, morava a família Sampaio: Seu Waldemar e Dona Altina, com os filhos Rubens, Ruth, Ruidemir, Rosineide, Rosemary, Ruivilar, Ruiantônio e Rui. Seu Waldemar trabalhava no Moinho Paulistano, situado na Cidade Velha, e Dona Altina era doméstica. Mais tarde, moraram nessa casa a família Pinho: Seu José e a Dona Glória Pinho, que tinham cinco filhos: “Biloca”, Ismael, Eunice, Mário e Fernando. Seu José era açougueiro no Mercado de Carne, no Ver-o-Peso. Em certa época de nossa vida, comprávamos carne com o Seu José. Lembro-me de um fato curioso sobre essa compra. Aos domingos, eu ia com o Fernando fazer essa compra. Junto com a carne, comprava, também, um exemplar da Folha do Norte, um jornal de propriedade do jornalista Paulo Maranhão, avô de meu saudoso amigo Haroldo Maranhão. Pois bem, no dia 28 de setembro de 1952, domingo, quando voltávamos do Mercado de Carne, vindo a pé pela Travessa São Pedro, e pitando cigarros Continental (sem filtro), que eu tirava escondido de meu irmão Antônio, li, com tristeza a morte do grande cantor Francisco Alves, em decorrência de um acidente de carro na estrada Rio-São Paulo, ocorrido no dia anterior.

Continuemos lembrando os vizinhos do quarteirão da São Pedro onde morávamos. Em frente de casa, tivemos, primeiro, a família Prado, o pai Custódio, que era agente do Lloyd Brasileiro, e a mãe Alice, e os filhos Carlos, Celina e Carmen; esta, a mais nova, casou depois com o radialista e hoje publicitário José Sarraf Maia. Muito mais tarde, fui colega do Carlos na UFPA, quando ele dirigiu a parte Administrativa, na gestão do Reitor Aracy Barreto. Era uma casa de madeira, que tinha em seu quintal algumas árvores frutíferas, inclusive o cutite, um fruto de polpa e casca amarela, muito gorduroso, e com caroço, que eu comia e apreciava bastante. Essa casa foi depois vendida para o Dr. Durval Nóvoa, que a derrubou e fez um “bangalô’’ de tijolo e concreto. Ele era advogado e casado com Dona Nancy e tiveram sete filhos: Albanilze (Alba), Altino (hoje médico), Leonício Otávio (hoje dentista), Fátima, Maria das Graças, Ruth e Durval. Aliás, lembro-me de um fato curioso. Quando o Antônio saiu de casa para morar com a Judite, em 1948, ele mandou um bilhete para a mamãe falando dessa sua decisão. Quando a mamãe leu o bilhete, na hora do almoço, começamos a chorar pela perda do filho e irmão. Como a vovó Tereza (ela já estava cega) não chorou, a Alba, muito pequena e que sempre almoçava com a gente, jogou uma colher nela em represália por não compartilhar com a nossa dor. A pureza da criança é fantástica!

No lado esquerdo da casa dos Prados, morava a família Cruz: Seu Camilo e Dona Elvira, que tinham três filhos: Fernando (que morreu cedo), o saudoso Júlio (um respeitado médico ortopedista e, por muito tempo, médico do Clube do Remo, seu clube de futebol do coração, e meu, também), Isaura e Maria Flávia (já falecidas). Isaura casou com o Francisco Martins, que viria a ser, anos depois, meu colega no DMER. Depois a família Cruz mudou-se para a Travessa 7 de Setembro, nos altos da Fábrica União, local onde trabalhava o seu Camilo. Foi nessa casa onde ocorreu um pequeno incidente e que mostrou o apreço que a Família Cruz tinha por nós. Um belo dia, eu e Maria fomos passar o dia nessa casa. Numa de nossas brincadeiras, quebramos um vaso de estimação da Isaura. Entramos em pânico e começamos a chorar. Aí, então, a Isaura veio em nosso socorro, limpou os cacos, pediu para pararmos de chorar e nos deu deliciosos biscoitos (feitos na própria Fábrica União) para comermos com guaraná, certamente da marca Simões ou Soberano, que eram as que existiam nessa época.

Depois que a Família Cruz se mudou, veio morar na casa o Seu Heraldo Gonçalves e Dona Ainda, que criavam o sobrinho e afilhado Rodrigo, com quem eu brincava. Este era bastante generoso, pois permitia que brincasse com os seus brinquedos, além de ter acesso às promoções da Rádio Clube, fundada em 22 de abril de 1928 pelos radialistas Edgar Proença, Roberto Camelier e Eriberto Pio dos Santos, cujos estúdios localizavam-se na Travessa Jurunas (hoje, Roberto Camelier) com a Rua Conceição (hoje, Governador Fernando Guilhon), e conhecidos como “Aldeia do Rádio”. Lembro-me de uma promoção da pasta dentifrícia Colgate e dos sabonetes Palmolive, que patrocinavam nessa Rádio, respectivamente, as Aventuras do Tarzan e do Zorro. Quem comprasse um determinado número desses materiais de uso pessoal e guardasse os invólucros poderia trocá-los por uma miniatura de faca que o Tarzan usava ou um boton do Zorro. Como não usávamos sabonete (usávamos o mesmo sabão, em barra, talvez Borboleta, que minha mãe lavava roupa) e raramente pasta dentifrícia, tive acesso a esses brindes por generosidade do Rodrigo. Eles moraram pouco tempo na São Pedro e logo se mudaram para a Rua dos Tamoios, próximo da Travessa Jurunas, onde joguei muita bola, pois havia um grande quintal na lateral direita da casa.

As Rádios Clube e Marajoara

Por falar na Rádio Clube, a famosa PRC-5 – A Voz que Fala e Canta para a Planície, “slogan” inventado por Edgar Proença, quero anotar um fato interessante. Todas as quintas-feiras, 11 horas da manhã, essa Rádio tinha um programa denominado Coquetel de Ritmos, do qual eu participava como platéia. Era um programa de variedades, com cantores regionais (como o conjunto Os Namorados Tropicais, composto por Zé Maria, Tácito Cantuária, Verbeno Costa, Mário Guerreiro e Jorge), apresentação de seus famosos rádio-atores e perguntas que valiam brindes a quem respondesse certo. Um determinado dia, a pergunta foi a seguinte: – Quem de oito tira quatro e ainda fica oito? Como sempre gostei de números, levantei-me e respondi: “Biscoito”. Ganhei uma bela camisa! Na apresentação dos rádio-atores, tive oportunidade de ver, ao vivo, vários deles. Por exemplo, a Amerina Teixeira, o Acácio Humberto, o Mário Herculano, o Otávio Cascaes e o Mário Amoedo. Muitos anos depois, tive oportunidade de conviver com dois deles, Otávio Cascaes e o Acácio Humberto. Devo registrar que foi o Dr. Otávio Bandeira Cascaes que, quando Prefeito de Belém, me colocou à disposição da UFPA, quando eu era engenheiro do DMER. O Dr. Acácio Humberto tornou-se meu grande amigo quando fazíamos parte do Conselho Superior de Ensino e Pesquisa da UFPA (CONSEP/UFPA).

De outra feita, ganhei discos de vinil (78 rotações), ao participar também de programas de perguntas e respostas. Um deles foi numa promoção ambulante, uma espécie de “trio elétrico”, o famoso Show Vigorelli (conforme me lembrou meu concunhado Cláudio Cativo Rosa), que passava pela Avenida 15 de Agosto (a Avenida Presidente Vargas de hoje). O outro, foi no programa A Cavalgada da Alegria, que tinha uma seqüência sobre perguntas e respostas, com a participação do público, e que se realizava no auditório da Rádio Marajoara, localizada no Largo de Nazaré, onde ficava o famoso cassino Rancho Grande. Essa Rádio, a ZYE-20, teve sua primeira transmissão realizada no dia 07 de setembro de 1953, na voz do jornalista, antropólogo e crítico de arte Frederico Barata, representante dos Diários Associados, em Belém, e que viria a conhecer, na casa de meu sogro Machado Coelho, em 1957. Aliás, foi nessa Rádio que dei a minha primeira entrevista (as perguntas foram feitas previamente e para respondê-las pedi ajuda de meu irmão Antônio) para o Pedro Galvão (hoje, dono da Agência Galvão de Publicidade), então meu aluno no CEPC e que participava do programa estudantil, o Antena Estudantil, comandado pelo professor Gelmirez Melo e Silva.

Os vizinhos: 2

Voltemos aos nossos vizinhos. Em substituição à família do Seu Heraldo, veio a Família Pantoja: Antônio e Graciosa. O Pantoja, como o chamávamos, era jornalista; na adolescência morara no Rio de Janeiro e fora, inclusive, goleiro do time juvenil do Botafogo Futebol e Regatas. Com o Pantoja, eu e o Fernando Carneiro, também nosso vizinho, jogamos muito “botão”. Aliás, anos mais tarde fui profissional desse jogo, denominado então celotex, conforme me reportarei mais adiante. O Fernando era

filho do major João Carneiro, cirurgião dentista, e sua mãe se chamava Eurídice. Ele tinha os seguintes irmãos: Ana Maria (hoje, funcionária aposentada da UFPA), José, Maria Emília, Nazaré e Nazarena. A Nazaré casou-se com Cleto Moura, um dos cartorários mais conceituados em Belém.

Os Carneiros moravam quase ao lado de nossa casa, na direção da Conselheiro Furtado, numa casa que fora construída em uma parte do terreno de propriedade da família Amor Divino. Desse modo, essa residência situava-se entre um grande barracão, junto a nossa casa, e um terreno amplo que fazia esquina com a Conselheiro Furtado, onde, nesta Avenida, ficava a entrada principal da casa dos Amor Divino: Dona Laura e Seu Manoel, e seus filhos: Almerindo, Waldemar, Mário e Fernando. Além desses filhos, eles adotaram mais dois: Raimunda e Alfredo. Naquele terreno, brinquei muita bola e, em um certo dia, quase tive um acidente de grandes proporções. O Waldemar criava uma cabra que conduzia uma pequena carroça. Eu, mais a Raimunda e o Alfredo, andávamos nessa carroça. Nesse dia, a cabra resolveu testar a sua capacidade de corrida e disparou contra a cerca que limitava o terreno. Por sorte, o Waldemar conseguiu conter a corrida e paramos em frente da cerca. Ufa!, menos um problema para meus pais. Seu Manoel era empreiteiro de obras e guardava materiais de construção no grande barracão referido acima.

Na casa deles, além de brincar no quintal, quase todas as noites ia jogar “sueca”, um jogo de baralhos de cuja regra não mais me recordo, do qual participava a Dona Laura, seus filhos (inclusive os adotivos), e o Seu Miguel, da família Figueiredo, que morava na Arcipreste. Mais tarde, esse terreno foi vendido e nele foram construídos dois “bangalôs”. No da esquina, morava o Doutor Benedito Coelho de Souza, sua mulher Mercedes e a sua filha Maria José. No outro, o filho Benedito (conhecido como “Pão Lulu” e com quem também joguei muito “botão”, juntamente com o Antônio Resende, que morava defronte) e sua mulher Carlinda, ambos já falecidos.

Depois que os Carneiros se mudaram para a Arcipreste, primeiro para uma casa no quarteirão entre São Pedro e São Matheus (hoje, Avenida Padre Eutíquio) e depois para junto da Padaria Onça, a casa onde moravam foi alugada para a Dona Laura Farache, com suas duas filhas: Célia e Maria Eugênia, conhecida como “Maruja’’, e que estudava no Colégio Santa Rosa. Como eu ensinava Matemática para a “Maruja’’, recebia um tratamento carinhoso por parte dela e de sua mãe. Lembro-me bem do “ovo estrelado“ que ela preparava para mim, cujo cheiro da “manteiga Real’’, na qual “nadava’’ o ovo, era bastante convidativo. Em casa, essa manteiga era apenas um substantivo abstrato. A Célia é mãe do Paulo Leite, hoje ator de cinema, teatro e televisão, no sul do país. A “Maruja’’ é hoje professora aposentada do Núcleo Pedagógico Integrado (NPI), da UFPA.

Ainda no quarteirão de nossa casa, tivemos outros vizinhos. No lado direito da casa dos Prados, morava a família da Dejacir que, mais tarde, casou com o Dr. Pedro Valinoto, psiquiatra, muito amigo de minha tia Luzia, e meu primeiro médico, dos muitos que tive para lidar com a minha hipocondria neurótica, da qual falarei mais adiante. Depois veio a família Bemerguy, Seu Abraão e Dona Messody, com os filhos Isaac, Elias, Maú, Simol e Rica. Isaac casou com a Dona Luz e tiveram vários filhos, dentre eles, o Moisés, que foi meu aluno de Matemática, por volta de 1949, ocasião em que estudou Português com a minha irmã Madalena, a saudosa Madá. Anos mais tarde, em 1967, o Moisés voltaria a ser meu aluno, desta vez na EEP, na disciplina Eletromagnetismo, do Curso de Engenharia Elétrica. Ao lado da casa dos Bemerguy, ficava a residência de outra família Sampaio, Seu José do Carmo e Dona Orencia, que fazia esquina com a Conselheiro Furtado. Os Sampaios tinham dois filhos: Newton, dentista e já falecido, e Noemy, recentemente falecida.

Completando os vizinhos de nosso quarteirão, tivemos a família Avelino, que morava na esquina da Arcipreste, com entrada por esta rua, e que tinha um grande quintal que fazia limite com a casa dos Sampaios, nossos vizinhos. A família Avelino, Dona Idalia (Dadá) e seu Eunápio, tinha dois filhos: Paulo (conceituado médico) e Hilda (recentemente falecida). Faziam ainda parte da família Avelino a Dona Lili, irmã de Dona Dadá, e a sobrinha Maria Sarah Cardoso Nunes (“Sarita”, que hoje mora em Niterói). A Dona Dadá encantou-se com o Mário quando pequeno e o considerou como um filho, tanto que ele praticamente morava com a família Avelino. Até hoje, o Mário tem um vínculo muito afetivo de “parentesco’’ com essa família.

Depois que a família Avelino mudou-se para a Conselheiro Furtado, próximo da Avenida Generalíssimo Deodoro, a casa foi ocupada pela família Dias Ferreira, Seu Fernando e Dona Raimunda de Paiva, que tinha seis filhos: Fernando, Maria, Carmen, Laurênio, Manoel Maria (hoje, conceituado médico) e Terezinha.

A próxima ocupante dessa casa foi a família Caldeira, Seu Pedro Maria e sua mulher (cujo nome não recordo), que tiveram quatro filhos: Oneide, Ione, Orlando e Hélio. A Ione foi uma de minhas alunas particulares de Matemática.

Conforme falei acima, a casa ocupada pelas famílias Avelino e Dias Ferreira tinha um grande quintal, no qual foi construída uma vila de três casas, a Vila Maria. A primeira delas, que ficava na esquina da Arcipreste, foi ocupada pela família Mesquita, Seu Artur e Dona Ester, e seus filhos Ivanise e Roberto (geólogo do Departamento Nacional de Pesquisas Minerais) A Ivanise foi também uma de minhas alunas particulares de Matemática. Na casa do meio (de número 429), morou uma família, cuja filha Terezinha de Jesus Aquino (falecida em 1998), que morava com sua mãe, a Sra. Saturnina Aquino, casou-se, em 1954, com o Arthêmio Scardino Guimarães, que foi durante muito tempo Diretor Administrativo do hoje extinto jornal A Província do Pará. Aliás, o Arthêmio (já falecido) era irmão do hoje engenheiro mecânico Ademir, que foi meu aluno no CEPC, a quem agradeço as informações sobre seu irmão e alguns vizinhos dele. Depois do nascimento de sua primeira filha Heliana, a família mudou-se para a Avenida Comandante Braz de Aguiar e a casa passou a ser ocupada pelo famoso maestro paraense Guiães de Barros. Por fim, na terceira casa, segundo o Ademir Scardino Guimarães (informada prestada a mim, por e-mail, no começo de 2007), morava o Sr. José Lusquinhos, que era dono de uma joalheria, com a sua esposa, a Sra. Carmen Lusquinhos e os filhos: José Maria, que se formou em Direito e Maria José (de apelido “Zezete”), que se formou em Medicina. Hoje, nesta casa, mora a Dona Catarina, viúva do senhor Álvaro Cardoso Bastos.

Em continuação aos nossos vizinhos, vou destacar alguns que moravam na Arcipreste, na continuação da São Pedro, e na Conselheiro Furtado. É oportuno destacar que essa amizade decorria do fato de que o papai consertava os sapatos dos componentes dessas famílias. Na Arcipreste, no quarteirão limitado pelas Travessas Tupinambás e São Pedro, tivemos, logo na esquina, a família Ribeiro Alves, Seu Luís Santiago e Dona Cândida (ambos falecidos), com os filhos: Ana Maria, Luís Santiago, Antônio e Rosa Maria. A Ana Maria também foi uma de minhas alunas particulares de Matemática. Ainda desse mesmo lado da Arcipreste, ficava a Tanoaria do Seu Antonio Antunes das Neves, casado com a Dona Orminda. Eles moravam ao lado da Tanoaria, com os filhos Américo, Edite e Esmeralda. Ao lado da Mercearia e Padaria Fortaleza do Humaitá, morava a família Maia da Costa, Seu Isáuro Gonçalves da Costa (que era médico) e Dona Cilísia Maia da Costa, com os filhos Isáuro Célio (“Neném’’), Manoel José (“Duca’’), Clara Maria, Cilísia Célia e Luís Ney. Com o “Duca”, que é engenheiro civil e arquiteto, tive uma relação maior de amizade, pois ele foi meu colega de magistério da UFPA. Na seqüência, moravam as seguintes famílias: Martins, Seu Flávio (o famoso jogador “Vivi” do Clube do Remo), Dona Maria da Conceição e as filhas Ieda (falecida), Iacy e Iolanda; Nogueira, Seu Mário Azevedo Nogueira e Dona Mercedes Fernandes de Azevedo Nogueira, com os filhos Daniel, Armando (médico, recentemente falecido), Mário (advogado), Guilherme (que faleceu cedo de apendicite supurada), Afonso Henriques (engenheiro, já falecido) e Maria Eugênia, que também foi uma de minhas alunas particulares de Matemática. Ao lado da casa dos Nogueira morava a família Viana: Seu Osvaldo, Dona Maria e os filhos Marcílio, Renato e Waldemar; este foi rádio-ator da Rádio Clube, PRC-5 e hoje é um conceituado advogado. Com a mudança dessa família, a casa foi comprada pelo professor Djalma Montenegro Duarte, meu professor na EEP e que, até falecer, foi meu grande amigo.

Ainda na Arcipreste, porém no quarteirão limitado pela Avenida Padre Eutíquio (antiga São Mateus) e a rua de casa, registro os seguintes vizinhos: pelo lado direito, os Caldeira, já mencionados, e logo depois a família Rezende, Seu Antônio e Dona Maria, e seus filhos: José (engenheiro), Lucila, Elisa e Celanira. Ainda mora nessa casa a Lucila. Ao lado morava a família Brito, Seu Dário, Dona Cândida e os filhos: Lígia, Jonas (engenheiro), Lacy, Arival (hoje, conceituado médico dermatologista), Iolanda e Ailce. Brinquei muito (bola e “botão”) com o Lacy e o Arival. Mais tarde, minha amizade com Arival estreitou-se bastante, pois ele era professor da Faculdade de Medicina, e chegou a ser seu Diretor, quando ela se transformou no Centro de Ciências da Saúde da UFPA.

Pelo lado esquerdo da Arcipreste, moravam as famílias: Maciel: Seu Lauro, Dona Lucila e os filhos Luís Otávio, José Lauro, Antônio Luís, Rosa, Lúcia, Janira, Laércio e Ana Cristina; na casa ao lado, moraram as professoras Natércia e Lúcia, com quem estudaram o Antônio e a Madá; depois ocupou essa casa a família Carneiro, já mencionada; em seguida vinha a família Pessoa: Seu Artur, Dona Mimi e os filhos, dos quais me lembro apenas da Josélia e do Artur; ao lado, morava o Comandante Flávio Moreira. Na casa seguinte, morou a família Azevedo: Oscar Alves de Souza Azevedo e Maria da Conceição Novaes Azevedo, e as filhas Lúcia Cândida Azevedo (hoje casada com o advogado Paulo Rúbio Meira) e Consuelo Dolores Azevedo (hoje viúva do Afonso Henriques Nogueira); esta foi também uma de minhas alunas particulares. Ainda nesse quarteirão, moraram a família Coelho, Seu Antônio e Dona Antonina, e os filhos Nair, Sérgio e Laurinda. Esta é casada com o químico Lourival Franco, meu colega de magistério no CEPC, e meu vizinho, quando já casados, moramos no Edifício Santarém, na Conselheiro Furtado, defronte da Roberto Camelier; a família Figueiredo, cujo sobrinho Hélio Figueiredo da Serra foi meu grande amigo de infância e com quem brinquei bastante.

Hélio Serra, os “choros” das Santas e as Festas Juninas

Com o Hélio recordo-me de muitas coisas que realizamos juntos. Por exemplo, quando houve um surto de “choros” de Santas em Belém, fizemos muitas “peregrinações” noturnas a essas casas. Às vezes, participava dessa peregrinação meu outro grande amigo, Loriwal Rei de Magalhães, de quem falarei mais adiante. Esse surto iniciou-se com o “choro” de uma Santa na Igreja do Padre Antônio, em Uberaba, Minas Gerais, em 1948. Assim, no dia 03 de novembro de 1948, o jornal Folha do Norte abriu a seguinte manchete: Santa chora na casa de uma mulher humilde. Tratava-se do “choro” de Nossa Senhora das Graças, na casa da Dona Zenóbia da Costa, na Avenida Conselheiro Furtado, próximo da Travessa 9 de Janeiro. Imediatamente, várias romarias foram organizadas para ver o “choro” e, no trajeto delas, os romeiros (inclusive eu e o Hélio), tomavam “emprestado” tijolos das construções para ajudar a construir uma capela para a Santa, capela, aliás, que existe até hoje e que, certamente, não foi construída somente com esses tijolos “emprestados”, e sim com várias doações dos beneficiários dos “milagres” que o “choro” da Santa promovia. Esses beneficiários tinham em suas famílias portadores de deficiência (cegos, surdos, mudos, aleijados etc.). A minha própria família participou dessa busca milagrosa, pois, como a minha avó Tereza estava cega, sua filha, a tia Luzia, levou-a, em um “carro de aluguel”, como eram chamados os “táxis” de hoje, para ver se o milagre da recuperação da visão acontecia. Minha avó Tereza morreu cega, no dia 04 de novembro de 1952. Ainda com o Hélio, visitamos outras casas em que outras Santas “choravam”. Lembro-me de uma casa de pessoas de posse, na Avenida Braz de Aguiar, esquina com a Passagem MacDowell, e uma casa humilde na Travessa Apinagés, passando a Rua Caripunas. É claro que essa onda de “choros” contagiou várias casas de Belém. A tia Luzia começou a ver “lágrimas” em um quadro de uma Santa que tínhamos em casa, o que, contudo, não passou apenas de um desejo de ser privilegiada por Deus. Contudo, essa desilusão da tia Luzia não aconteceu com a Dona Nancy, esposa do Dr. Durval, nossos vizinhos defronte de nossa casa e já referidos. Em sua casa, houve o “choro” de uma Santa. Recordo-me da luta ansiosa de um humilde mudo, que fazia serviços para essa casa, na frente da Santa para recuperar a sua fala. Ele permaneceu mudo! Registre-se que o “choro” na casa da Dona Zenóbia acabou quando ela fantasiou-se para brincar o Carnaval de 1949, e a Folha do Norte exibiu sua foto carnavalesca, com a seguinte manchete: Zenóbia gaiteira esmerila o dinheiro da Santa. Registre-se, também, que as primeiras reportagens sobre a Dona Zenóbia foram feitas pelo então repórter da Folha do Norte, Geraldo Palmeira que, mais tarde, se tornaria um político muito influente em Belém. Dizia a “rádio cipó” que esse “choro” foi invenção dele!

Eu e Hélio fizemos outras incursões noturnas. Íamos com freqüência ver as “Festas Juninas” no famoso “Terreiro do Pai do Campo”, na Rua dos Mundurucus, próximo da Rua dos Jurunas (Muito mais tarde, o terreno onde se situava esse “Terreiro” foi vendido, em lotes, e meus amigos Luiz Gonzaga Baganha e Alírio construíram suas casas, uma ao lado da outra; Baganha ainda mora lá, porém, não mais o Alírio por haver falecido.) Como não tínhamos dinheiro para pagar o ingresso, geralmente arranjávamos uma maneira, não muito honesta, de entrar no recinto onde ocorriam as peças sobre um determinado pássaro. De um modo geral, nessas peças teatrais, o caçador sempre tentava matar o pássaro. Numa dessas peças que vimos, o “Bem-te-vi”, o caçador estava bêbado. Quando a atriz, que representava o “Bem-te-vi”, perguntou ao caçador por que ele queria matá-lo, ele respondeu: Mato a ti e até a p… que o pariu. Claro que houve uma risada geral na platéia! Lembro-me com saudade dessa Belém. Ao término dessas nossas peregrinações, vínhamos andando, de madrugada, sem medo de assalto. Como as ruas não eram iluminadas, tínhamos medo, apenas, de “visagem” e de outros “assombradores” do imaginário popular: “Matintapereira”, “Lobisomem”, “Porco sem cabeça”, “Saci Pereré”, etc.

Por fim, com o Hélio, aconteceu uma coisa que me dói até hoje. Ele havia se formado na Marinha Mercante. Mais tarde, contudo, fez vestibular para a EEP, que funcionava ainda na Travessa Campos Sales. Na prova de Física, eu era um dos fiscais. Como ele estava com dificuldade em uma das questões, consultou-me para tirar uma dúvida. Eu, usando uma moral rígida, disse que não poderia ajudá-lo, pois, se assim o fizesse, estaria prejudicando os demais concorrentes. Felizmente, ele passou no Vestibular, e formou-se em Engenharia Civil como eu. Hoje, ele é aposentado do ex-Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) e cursa o terceiro período na Faculdade de Jornalismo “Pinheiro Guimarães”, no Rio de Janeiro. Aliás, a vontade de ser engenheiro já havia se manifestado em nós desde muito cedo pois, conforme registrei antes, eu fazia as minhas “construções” no quintal de casa, e ajudava o Hélio a fazer as dele, em seu quintal.

A turma da Sapataria do Arnoud

Ao lado da família Figueiredo, morava a família Maia, Seu Manuel e Dona Edwiges, e os filhos Orlanda, Tereza, Emanuel, Armando, Orlando, Luís e Miguel; ao lado dessa família moravam as professoras Zilda e Palmyra Garcia, já por mim referidas. Mais adiante, moravam outras famílias, com cujos filhos brinquei bastante. Por exemplo, na casa do Eduardo Castro (já falecido), em cujo quintal treinávamos luta-livre, em um ringue improvisado que nós mesmos construímos, assim como brincávamos muito vôlei, com a Aimede e a Celina Prado, e sua prima Nazaré. Elas eram netas da grande Ana Prado, uma espírita bastante famosa em virtude de experiências de reencarnação que realizava. Já a conheci no ostracismo. Dessa turma da luta-livre e do vôlei, além do Hélio Serra, fazia parte também meu grande amigo Loriwal, que morava na Padre Eutíquio. Devo a esse grande amigo meu primeiro emprego público: foi ele que me levou para trabalhar no então Serviço Municipal de Estradas de Rodagem (SMER), em março de 1954. Aliás, na adolescência, eu e ele compartilhamos uma mesma namorada: a Raimundinha, como a chamávamos. Eu, de madrugada, quando íamos, eu e ela, comprar carne no Mercado Batista Campos, e o Loriwal, na noite anterior a essa madrugada. Ainda dessa turma do vôlei, participou o Lóris, que morava nesse mesmo quarteirão da Arcipreste. Também foi um de meus grandes amigos de infância. Tive muita briga com ele, pois, sendo ele um bom jogador de “pelada”, às vezes, eu ficava chateado por ele fazer mais gols do que eu, na célebre “pelada dominical” que jogávamos no “Largo de Engomar”, já referido. Aliás, essa animosidade “futebolística” com o Lóris e com outros “peladeiros” [dentre os quais me lembro do Olímpio (em cujo porão de sua casa, na Rua Veiga Cabral, nossa turma jogava “ping-pong”, enquanto o Hélio Serra namorava sua irmã mais nova, a Cléa) pelos ataques de epilepsia que sofria, devido ao esforço que fazia na “pelada”] era o tema de conversa na Sapataria do Arnoud, localizada na Padre Eutíquio, quase esquina da Arcipreste, durante toda a semana, por ocasião das reuniões que fazíamos nela, no final da tarde, de segunda a sábado. Aliás, anos mais tarde, o Loriwal ensinou topografia para o Arnoud (já falecido) e, com isso, conseguiu um bom emprego de topógrafo na PETROBRÁS.

Das reuniões realizadas na Sapataria do Arnoud, nas quais participavam os amigos já referidos, e o Milton da Rocha Souza, auxiliar do Arnoud, o Milton Maia, os irmãos Cabral: Alfredo e Artur, e seu primo Décio, os irmãos Araújo: José Maria (“Seu Cumpadre”, já falecido), Emanuel (engenheiro) e João, os irmãos Virgulino: Eduardo (médico, já falecido) e José (professor normalista), os irmãos Lourenço: Everaldo (comerciante) e Hélio (cirurgião dentista), meu primo Antônio Filardo, Manoel Pignataro (mais tarde, um excelente jogador de futebol), os irmãos Sandres: Renato (médico) e Henrique (ele foi meu aluno e Monitor na EEP, conforme registrarei em um outro texto destas reminiscências), Alexandre Silva Martins (“Papão”, era um excelente tocador de “bongô”; ele tocou na TV Marajoara e, mais tarde, na TV Tupi, no Rio de Janeiro), e tantos outros, lembro-me de alguns fatos marcantes relacionados à acirrada eleição governamental entre o General Barata e o Marechal Alexandre Zacarias de Assunção, ocorrida no final de 1950. O Barata era o grande líder político do Pará, que ascendeu ao poder paraense como decorrência da Revolução de 30, liderada por Getúlio Vargas. Certamente por causa dessa liderança, seus partidários, os chamados “baratistas” e pertencentes ao Partido Social Democrata (PSD), dirigido pelo Barata no Pará, realizaram vários atos truculentos e violentos com seus adversários políticos. Em virtude disso, quando ele perdeu a eleição, por uma diferença de 555 votos, houve uma grande manifestação de júbilo em Belém. Todos os bairros de Belém foram decorados com bandeirinhas. Em nosso bairro, Batista Campos, não foi diferente. Lembro-me de haver pendurado muitas bandeirinhas por conta dessa festa, junto com a Turma da Sapataria do Arnoud, para desespero de uma “baratista” que morava junto daquela Sapataria. Em conseqüência dessa grande vitória, lembro-me, também, da visita que o Governador de São Paulo, Ademar de Barros, líder do Partido Social Progressista (PSP), fez ao Dr. Ferreira Lemos, um dos líderes desse Partido político, que morava na Padre Eutíquio em uma das famosas “casas altas”, de um conjunto que terminava na Arcipreste.

A Copa do Mundo de 1950 e o “Uruguai Futebol Clube”

Na São Pedro, no quarteirão compreendido entre a Arcipreste e a Rua Veiga Cabral, pelo lado direito e na direção da Veiga Cabral, morava a família Tavares: Seu Adelino e Dona Lucinda e os filhos Lucélia, Wilson, Antônio, João, Iolanda, Ivone e Cláudio. O João Tavares foi meu grande amigo de infância. Com ele, freqüentei muitas festas de igreja, principalmente a da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que ficava na rua Cesário Alvim, uma continuação da Arcipreste, na direção da Estrada Nova, e que chamávamos de “Coréia”, em virtude da “Guerra da Coréia”, iniciada em 1950. Ao lado da casa dos Tavares, morava uma família que mantinha uma horta, onde plantavam couve, alface, tomate, jerimum (cujas sementes eu comia torradas na chapa do fogão de lenha de minha casa), etc., e que eram vendidos, para a vizinhança, por um membro dessa família em um carro de madeira, com um grande depósito e onde ficavam essas verduras, apoiado em duas longas travessas de madeira, que se uniam na frente a uma roda. Dessa família, houve um amigo meu de infância, o Walter que, mais tarde, viria a ser jogador de futebol do Clube do Remo.

O ano de 1950 tem, para todos os brasileiros amantes do futebol, uma recordação trágica. Trata-se do dia 16 de julho, dia em que houve o jogo Brasil x Uruguai, que decidia a Copa do Mundo de 1950. Perdemos de 2 x 1. Gols de Friaça, para o Brasil, e de Schiafino e Gighia, para o Uruguai. Aliás, nesse dia, eu estava no Campo do Paysandu, na Avenida Tito Franco (hoje, Almirante Barroso) entre as Travessas Curuzu e Chaco, assistindo ao jogo Remo x Paysandu, levado por meu irmão Antônio. Esse jogo foi ganho pelo Remo, com um gol do Itaguarí, um negro, que era um excelente jogador e com a característica de jogar de toca. Desse jogo, lembro-me de um fato inusitado. De todos os presentes no campo, apenas um estava muito feliz. Tratava-se do jogador Veliz (Júlio), que era uruguaio e goleiro do Remo. Esse jogador tinha sido contratado pelo Remo ao São Cristóvão, clube carioca, que viera a Belém fazer uma excursão. Esse time tinha sido campeão carioca no ano de centenário do Rio de Janeiro e possuía um excelente time: o goleiro Veliz, os zagueiros Raimundinho e Augusto, a linha média formada por Bianchi, Papeti e Castanheira, e a linha atacante constituída por Santo Cristo, Walfrido, João Pinto, Nestor e Magalhães. O “center forward” João Pinto era um terror. No jogo do São Cristóvão com o Paysandu, ele fez tanto gol que, nós, remistas, fizemos uma paródia com a música, cantada pelo Orlando Silva, o chamado “Cantor das Multidões”. Essa paródia era a seguinte: Aos pés de Santo Cristo, Dodó (goleiro do Paysandu) se ajoelhou, pedindo que João Pinto não fizesse mais nenhum gol …. . Anos mais tarde, já no DMER, tive oportunidade de conversar bastante com o Veliz, que era motorista da ambulância do Setor Médico desse Órgão Rodoviário Municipal.

Essa derrota do Brasil para o Uruguai ensejou que eu e Hélio Serra, mais os amigos da Travessa São Pedro e adjacências [dentre eles, Paulo Emílio Fiúza, os irmãos Sandres, Lóris, Pignataro e Teobaldo (“Teo”) Guilherme Rosa] criássemos um time de futebol, o Uruguai Futebol Clube, com o qual disputávamos jogos com outros times, nos campos do Liberto, São Domingos e Imperial. Lembro-me de que pedíamos ao Pantoja, que era jornalista da Folha do Norte e Folha Vespertina, para dar notícias sobre esses jogos. Aliás, segundo me contou o Hélio Serra, a inauguração desse nosso clube foi comemorado com uma feijoada na casa do Fiúza, que residia na Travessa São Francisco.

Os vizinhos: 3

No lado direito desse referido quarteirão da São Pedro, na direção da Arcipreste para a Veiga Cabral, morava a família Barata, Seu Antenor e Dona Laura, e os filhos Antenor Augusto, Aldenora, Aldenor e Aumilton. O Antenor Augusto, falecido em 2007, tornou-se um bom cantor, e fez algumas apresentações nas rádios Clube do Pará e Marajoara. No quintal da casa dele joguei muita “pelada”. À casa dessa família Barata, ia sempre o Anacleto, que vendia tucupi. Contudo, como ele tinha dificuldade de dicção, dizia “tutupi”, e, por isso, ficou conhecido como o “Tutupi”. Ao lado da família Barata, morava a família do Seu Mimo. Na seqüência, vinha a família Rosal, Seu Pedro e Dona Julieta, e os filhos Pedro, Lourdes e Helena, esta é hoje professora aposentada da UFPA. Ao lado, morava uma outra família Tavares, cujos filhos eram a Júlia, o João, o Raimundo (“Dico’’) e o Eduardo. O Eduardo era casado com a Dona Eduarda. Na casa dessa família havia uma oficina de consertos de carro e de fabricação de ônibus. Foi lá que foi construído o ônibus em forma de Zeppelin, de nome Viação Pérola, e que foi uma sensação em Belém nos anos 40 e 50. (Aliás, esse ônibus era uma réplica dos outros cinco construídos na Indústria São José de Ribamar Ltda., de nome Viação Sul Americana, de propriedade de Clóvis Ferreira Jorge, segundo registro do professor Armando Dias Mendes, em seu livro A Cidade Transitiva, IOF, Belém, 1998.) Ao lado dessa família, morava a Dona Manoela, cujo filho, o Pedro, era investigador. Morava, também, o Eugênio, com quem brinquei, e que aplicava injeções. Cheguei a tomar algumas com ele. Em seguida, vinha a casa do Seu Sidoca, que fazia móveis, e que tinha um filho adotivo, o Jaime Passos, que, até hoje, mora lá, e teve uma oficina de consertos de carro. Em uma das esquinas da São Pedro com a Rua Veiga Cabral ficava a Mercearia do Antônio Agrião, o “Paysandu’’. Nela, nas horas de folga, ajudava-o fazendo sacos de papel de embrulho. Esse tipo de papel era áspero, poroso e de cor cinza. As compras feitas nas Mercearias de Belém daquela época, de um modo geral, eram embrulhadas com esse tipo de papel e com um outro tipo, conhecido como papel manilha, quase de mesma textura, porém de cor rósea. Aliás, depois do uso desses papéis, eu os aproveitava para fazer meus cadernos de estudos dos Cursos Primário e Ginasial. É oportuno registrar que, devido à porosidade desses papéis, eles não serviam para a compra retalhada de manteiga e de banha. Nesse caso, era usado o papel vegetal. Esse tipo de papel, que é translúcido e impermeável, foi muito usado para fazer os desenhos (hoje, feitos em computador) de Engenharia Civil. Usei-os bastante nas plantas das casas que fiz, bem como nos cálculos estruturais que realizei. Tratarei desse assunto em outro artigo dessas minhas lembranças. Registre-se ainda que as três esquinas restantes da São Pedro com a Veiga Cabral eram ocupadas por hortas.

No quarteirão da São Pedro, entre a Veiga Cabral e a Avenida Almirante Tamandaré, também tivemos relações de amizade com alguns moradores. Dentre eles, lembro-me bastante da família Santos, cujos filhos eram: Alberto, Armando, Antônio e a irmã Alcina. O Alberto, que chamávamos de “Bé’’, já falecido, trabalhava na Sapataria Sem Rival, do Seu Isaac Garcia, que ficava na Avenida Padre Eutíquio, logo depois da Rua Senador Manoel Barata. Lá trabalhou, também, a tia Luzia, como costureira de sapatos. Lembro-me de ir sempre nessa Sapataria buscar a tia Luzia para acompanhá-la na compra de algum presente para mim. Um desses presentes foi um revólver de brinquedo comprado na Casa dos Presentes, que ficava localizada na Senador Manoel Barata, entre as Travessas Campos Sales e Frutuoso Guimarães.

Na Avenida Conselheiro Furtado, tivemos, também, relações de amizade com várias famílias. Já falei da família Amor Divino. Ao lado dela, morou a família Gonçalves: Seu Domingos e Dona Elvira (já falecidos) e os filhos Augusto, Artur (já falecido) e Adriano. O Seu Domingos tinha a Fábrica de Mosaicos Cruzeiro. A casa dele tinha um grande quintal, frutífero como o nosso, onde ficava essa Fábrica e fazia limite com o nosso quintal. Antes dessa família e de minhas lembranças, morou a família do Francisco Paulo do Nascimento Mendes, que, mais tarde, viria a ser meu professor no CEPC e se tornou meu grande amigo. Ao lado da família Gonçalves existia uma fábrica de móveis. Junto a esta, morou a família do João Bahia, que foi meu grande amigo de adolescência. Com ele, fui muito ao arraial junino da Igreja de Santa Terezinha, na rua dos Jurunas, esquina com a Travessa São Miguel. Ao lado da casa do João, morou, inicialmente, a família do grande advogado Pereira Brasil, cuja filha Francy, hoje Francy Meira, é esposa do engenheiro e arquiteto Alcir Meira. Lembro-me de que eu e Maria brincávamos muito com a Francy. Depois que essa família mudou-se para a Avenida 15 de Agosto, hoje Presidente Vargas, junto ao Clube Assembléia Paraense, a casa foi ocupada pela família do historiador Ernesto Cruz, com a esposa Antonieta e os filhos Cauby, Ajanary e Coaracy, que eram exímios jogadores de tênis de mesa (“pingue-pongue”). Quando eu treinava celotex (“botão”) na sede do Clube do Remo, os Cruz também treinavam tênis de mesa. O Cauby (já falecido) era, também, um excelente poeta. Mais adiante, e ainda nesse mesmo lado da Conselheiro, morava o Renato Coral (com quem também joguei “botões”) e, um pouco adiante, a família do Seu Eduardo (“Dudu”) Failache, com a esposa Eledes Pitágoras e os filhos Mário, Maria de Lourdes (“Lulu”), Carmen e Conceição. Ele era dono do famoso “sebo”, a Livraria Econômica, que ficava na Travessa Campos Sales, defronte do prédio onde funcionou a EEP. A casa dele era a sede do time de “celotex” Colo Colo, do qual fiz parte com seu filho Mário. A família Failache depois se mudou para a Vila de Icoaracy, onde tiveram mais três filhos: Eduardo, Socorro e André. O Mário morreu bruscamente, com a esposa, filha e neto, em desastre de carro, próximo daquela Vila. Aliás, o Mário foi quem fez as fotos de meu casamento com Célia, no dia 06 de outubro de 1962. Registro ainda que, ao lado da casa dos Failache, morava o advogado Waldemar Viana num “bangalô”, no qual trabalhei depois que passou a ser a sede do então SMER, em 1954.

O “celotex” e os amigos que fiz nesse jogo de “botões”

O nome “celotex” dado ao jogo de “botões” foi cunhado pelo jornalista paulista Geraldo C. Décourt, por volta de 1930, porque a mesa onde ele jogava “botões” era de um material importado de Chicago, nos Estados Unidos da América, de uma firma chamada The Celotex Co.. Além de dar o nome desse jogo, ele editou suas regras e a divulgou nos vários jornais da então Capital Federal, a cidade do Rio de Janeiro, conforme ele próprio registrou em seu livro intitulado Aconteceu, sim!… , publicado pela Editora Pannartz, S.P., em 1987. [Aproveito a oportunidade para agradecer ao meu amigo e “celotexista” (“palhetista”) Ruy de Oliveira Barros o acesso a esse livro, no qual vi nomes famosos de vários “celotexistas” (o ex-Ministro Delfim Neto, o ex-Governador Lauro Natel, o ex-Deputado Federal Herbert Levy, o ex-pugilista Eder Jofre, o treinador e ex-jogador de futebol Zagalo, os comediantes Costinha e Chico Anísio, os compositores Chico Buarque de Holanda e Toquinho, e os atores Nuno Leal Maia e Osmar Prado), bem como a outras informações que utilizei nestas notas “celotexistas”.]

Quando comecei a “celotexar”, em 1953, o Celotex já era um dos esportes oficiais da então Federação Paraense de Desportos (FPD), pois sua inclusão havia sido feita em 1950, pelo então Presidente dessa Federação, o Coronel da Polícia Militar do Estado do Pará, Arthur de Souza Vieira, sendo o Departamento de Celotex dirigido por Raymundo Eulálio Amorim. (Registre-se que este jornalista, enquanto permaneceu no comando desse Departamento da FPD, manteve uma coluna no jornal Folha Vespertina, intitulada Celotex aos Sábados). Contudo, a mudança do nome Celotex para Futebol de Mesa parece ser desconhecida, conforme a pesquisa realizada, em 2000, pelo também “celotexista” Theodorico Cardoso Rodrigues, hoje Oficial Reformado da Polícia Militar do Estado do Pará, ex-Juiz de Futebol e ex-Comentarista Esportivo, conhecido como o “Papa da Arbitragem”, da Rádio Clube e da Rádio Marajoara. Creio ser oportuno dizer que, antes da oficialização do Celotex, ele foi jogado extra-oficialmente em vários outros clubes e, por isso, foi criada, por volta de 1948, a Associação Paraense de Celotex. Dentre esses clubes, o mais destacado era o São Matheus, na então Travessa São Matheus (depois Avenida Padre Eutíquio), dirigido pelo Sr. Oleno, no qual iniciou o próprio Theodorico e que, também, contava com outros grandes “celotexistas”, como Abel, “Bronzeado”, Durval, Fernando Andrade (que, mais tarde, se tornou árbitro de futebol), Lindolfo Ayres e Nilo Cardoso. [Para maiores detalhes sobre o Celotex, antes de 1950 e depois que deixei, por volta de 1960, de praticar esse “esporte da bolinha de lã” (nome cunhado pelo jornalista esportivo da A Folha do Norte, Laurestino Soares), ver a excelente pesquisa do Theodorico, referida acima. Aproveito a oportunidade para agradecer as informações adicionais que ele me prestou para estas recordações de minha vida de “palhetista”.]

É oportuno dizer que, antes de me tornar um “jogador profissional” desse “jogo de botões”, brinquei em várias casas de amigos de infância e de adolescência. Por exemplo, quando estudava no Curso Primário do Professor Raymundo Firmiano Lobo, brinquei na casa de meu colega nesse Curso, o saudoso Odilon Andrade, que se localizava na Rua Arcipreste Manoel Teodoro, próximo do então “Largo da Pólvora”. Quando aluno do Ginásio, no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), brinquei na casa de meu amigo Ronaldo Passarinho Pinto de Souza (hoje, advogado, Conselheiro do Tribunal de Contas do Município e ex-Deputado Estadual), que morava na Travessa Apinagés, próximo da Rua dos Tamoios, juntamente com o falecido médico Rodolfo Tourinho que, nessa ocasião, namorava com sua irmã Celeste. Na mesma Tamoios, porém próximo da Travessa do Jurunas (hoje, Avenida Roberto Camelier), joguei na casa do Orlando Vilhena, filho do dono do Café Manduca, o senhor Manoel Vilhena. É claro que também joguei em casa, com meus irmãos, Antônio e Mário, e com vizinhos.

Antes de falar nos amigos que fiz no jogo de Celotex, farei uma pequena descrição dele. Ele era constituído de 10 botões de madeira (pau amarelo, macacaúba, goiabeira, etc.), com diâmetro aproximado de 5 cm, cerca de 1 cm de altura e cavado, confeccionado no “torneiro” da rua 28 de Setembro, no Bairro do Reduto. Completava o “time de celotex”, um goleiro de madeira pesada (normalmente de acapu), na forma de um prisma de cm. O jogo oficial de “celotex” era jogado em uma mesa de madeira de m, revestida de compensado, com redes nas laterais para impedir que o botão caísse no chão e se quebrasse, e apoiada em cavaletes de 0,7 cm de altura. As traves eram de ferro cm, completadas com uma rede. A bola era de lã, com 2 cm de diâmetro. Para confeccioná-la, enrolávamos fio de lã (de uma única cor ou de cores misturadas) em um garfo e depois o enrolado era amarrado no meio dos dentes, resultando um pacote na forma de um oito. Esse pacote era então desbastado com uma tesoura de ponta fina, e, com auxílio das mãos, a forma esférica era finalmente conseguida. Recordo que o Ruy Barros era um exímio fabricante dessas bolas. O deslocamento dos “botões” nessa mesa era conseguido por intermédio de uma palheta de mica, cuja forma dependia do jogador. De um modo geral, tinha a forma de um trapézio, com o lado menor na forma de “bico de flauta”, para impulsionar o “botão”. Havia casos de a forma ser semicircular. Para evitar o atrito dos botões na mesa, ela era parafinada, assim como os botões. Hoje, esse jogo ainda é realizado no mesmo tipo de mesa, porém com pequenas alterações na regra, com os botões de plástico PVC, com diâmetro de até cm, a palheta de acrílico e a bola de borracha, segundo me informou meu amigo Ruy Barros.

Vejamos, agora, os amigos que fiz no “celotex”. Conforme registrei acima, este futebol de “botões” foi formalmente oficializado em 1950, sendo, ainda neste ano, Campeão e Vice-Campeão, respectivamente, o Grajaú Esporte Clube e o Colo Colo Celotex Clube. No Grajaú, jogavam: Almir Nobre (radialista), Francisco (“Chico”) Otávio, José Maria Hosana, e os falecidos Mário Azevedo (depois, meu colega no DMER) e Otávio Ledo Nery (cunhado do Hosana, Sargento da Aeronáutica, a quem, depois, dei aulas de Física e Matemática). O Grajaú possuía um time interno, o Olímpicos, com os seguintes jogadores: Antonico Hosana, César Botelho de Lima (falecido), Elias Barbosa (“Rubens” e “Santo Antonio”), Hubert de Oliveira Mendes (“Nena”), Osmar Sabóia de Barros, Ruy de Oliveira Barros e Secundino Portela (falecido). No Colo Colo, jogavam: Carlos Lemos (jornalista), Cássio, Edgar Oliveira (funcionário do antigo SNAPP), e os falecidos Guilherme O´ de Almeida, Mário Failache e Renato Coral (que era engenheiro agrônomo). No ano seguinte, em 1951, o Grajaú foi Bicampeão, tendo o Pará Celotex Clube. Este foi fundado por “Manduca” e no qual jogavam: Dagoberto Souza, Fernando Souza (motorista), Geraldo França, os então acadêmicos de engenharia Hélio Cardoso e Joaquim Albuquerque, além de Theodorico Rodrigues. Em 1952, o Colo Colo foi o Campeão com o Grajaú como Vice-Campeão.

Em 1953, conforme afirmei acima, comecei a “celotexar” no Valparaíso, que era o time interno do Colo Colo. Dos que jogavam comigo, recordo apenas do Odilson (conhecido como “Amigo da Onça” e hoje engenheiro) e Antonio Carmelo Lustosa Failache, tio do Mário (hoje médico). Por essa época, recordo ainda outros clubes de celotex, tais como: o Talismã, no Bairro Cidade Velha, no qual jogavam: Carlos Amílcar Pinheiro e Dirceu Raymundo Pinto Marques (hoje engenheiros e foram meus alunos de Física na preparação do Vestibular de Engenharia), Dirceu Pinto Marques, Emílio Albuquerque (hoje médico), Tugdual Guedes do Carmo, Valmiro Assumpção, e os irmãos Sá Vieitas; o Yolanda, na Travessa Lomas Valentinas, cujos únicos “palhetistas” do quais me recordo jogando nesse clube, eram: Antonio Rocha, Benedito Vasconcelos (“Bibi”), Luiz Carlos Oliveira (“Setenta”) e Mário Luz; o Bangu, no Bairro de Canudos, no qual jogavam o Antonico, o Carlos Costa, o Jorge Costa Rodrigues (depois, tornou-se oficial da Polícia Rodoviária do Pará) e o excelente encanador, Ludgardo Pedro Magalhães (“Perico”); Associação Atlética Dramático, na Avenida Generalíssimo Deodoro, no qual um dos grandes “celotexistas” era o então acadêmico de engenharia, o saudoso Ignácio Moura Barroso; e o Similares, no Bairro da Campina, no qual jogavam o Ismael Pinho (meu vizinho na Travessa São Pedro) e o falecido Luciano Oliveira (mais tarde, meu colega de magistério no Departamento de Física da UFPA). Nesse ano de 1953, foram Campeão e Vice, respectivamente, Pará e Dramático.

A temporada Oficial de Celotex era iniciada com o Torneio Coronel Arthur Vieira. Depois, seguia o Campeonato Paraense de Celotex. As partidas que compunham esses eventos aconteciam nos domingos pela manhã, começando oito horas. Cada jogo era constituído de cinco partidas, com 40 minutos cada, com dois tempos de 20 minutos. Havia um juiz (“celotexista”) designado pelo Departamento de Celotex e uma súmula. Normalmente, os treinos para esses jogos aconteciam aos sábados de tarde. Quando havia algum jogo importante no domingo, ocorria um treino na quinta-feira de noite. Em 1954, passei a vestir a camisa grená do Colo Colo, identificada apenas com o escudo CC, em seu lado esquerdo. Minha passagem para o time principal aconteceu porque dois de seus jogadores, Carlos Lemos e Guilherme, haviam se juntado ao Almir Nobre, Ignácio Barroso, Mário Azevedo e Fernando Souza para fundar o Departamento de Celotex do Clube do Remo. Almir e Mário ficaram livres com o término do Grajaú e não quiseram ficar no Olímpicos, como aconteceu com os demais “Grajauianos”. Nesse ano de 1954, o Pará foi Bicampeão, sendo o Remo, o Vice-Campeão. Em 1955, o Amílcar, a convite do Odilson, entrou para o Colo Colo. Em 1955 e 1956, o Remo foi Bicampeão, sendo Vice, respectivamente, Pará e Olímpicos.

Em 1957, aconteceu um fato inusitado e lembrado pelo Amílcar. O Colo Colo, depois que saiu da casa do Mário Failache, foi para a sede social do Remo, na Avenida Nazaré. Nesse ano, o Colo Colo fazia um jogo decisivo com o Remo. Este, lutava pelo tri-campeonato e precisava apenas de um empate. Pois bem, no final da quarta partida, o jogo estava empatado. A quinta partida decisiva seria entre o Amílcar e o Carlos Lemos, ex-“colocolista”, e que agora jogava no Remo. Quase no final dessa partida, que também estava empatada, houve um pênalti contra o Carlos Lemos. Quando o Amílcar se preparava para batê-lo, os demais jogadores remistas (dentre eles, o Guilherme e o Nobre) disseram ao Amílcar que a continuação da mesa do Colo Colo na sede do Remo dependia desse pênalti. Como o Amílcar converteu o pênalti, o Remo perdeu o campeonato para o Olímpicos e fomos despejados da sede do Remo e nossa mesa foi colocada nos jardins da sede do Remo. Com isso, encerrou-se o Colo Colo. Registro que, em 1958, o Olímpicos foi Bicampeão e o Remo, Bi-Vice-Campeão.

Com o término do Colo Colo e com a minha formatura em Engenharia Civil, em 1958, as minhas novas atividades afastaram-me um pouco da “bolinha de lã”. Até 1960, cheguei a jogar no Remo e no Paysandu. Neste, joguei ao lado do “Amigo da Onça”, do “Perico” e de mais dois novos companheiros: Oldemar Souza e Plínio Souza. Em 1959 e 1960, o São Matheus (em sua segunda fase) foi Bicampeão, tendo como Vice, respectivamente, Olímpicos e Belém Celotex.

Depois que deixei de jogar oficialmente o “celotex”, passei apenas a brincar com meu filho Jô, agora, em mesas pequenas e com botões de plástico. Como sempre, o meu time era o Clube de Regatas Vasco da Gama e o dele, o Clube de Regatas Flamengo. Aliás, recordo que, quando “celotexista”, os números de meu time de madeira eram feitos por mim, no SMER, em papel vegetal, com um círculo de tinta nanquim preta, envolvendo o número em tinta nanquim vermelha. Claro que, já casado, senti saudades das “domingadas celotexistas”. Em certo domingo, a saudade foi tão grande que levei meus dois filhos, Jô e Ádria, para assistir a um jogo que acontecia na sede do Santa Cruz, no Bairro da Pedreira. Dos jogadores que realizavam esse jogo, lembro-me apenas do “Bibi”. Essa saudade era também mitigada, em ocasionais conversas com o Plínio, em sua Banca de Revistas, na calçada dos Correios e Telégrafos, na Avenida Presidente Vargas.

Por fim, para concluir essas lembranças “celotexistas”, quero registrar uma “surra” ( ) que levei de meu estimado amigo, o físico e professor Francisco Caruso Neto, em sua sala de trabalho no Instituto de Física da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, quando o visitei, com meu irmão Mário, em 24 de fevereiro de 2005. Essa “surra” ocorreu em uma mesa, metade da que costumava jogar, com botões e bola “cúbica” de plástico, com um goleiro que ocupava quase toda a trave, e com uma regra completamente diferente: 12 toques até o chute final para o gol, sendo que cada botão pode dar no máximo três toques consecutivos. (Detalhes dessa regra podem ser encontrados no site http://www.bolaebotao.com.br, segundo o “palhetista” Caruso.) Creio que o “gol de honra” deveu-se ao meu antigo traquejo com botões de madeira e com a regra de apenas um toque para cada jogador!

A turma da Praça Batista Campos

Voltemos ao João Bahia, o Joãozinho. Além de irmos ao arraial na Igreja de Santa Terezinha, nos reuníamos, na década de 1950, todos os domingos, de tarde e de noite, na Praça Batista Campos, esquina da Rua Mundurucus com a Avenida Serzedelo Correa. Dessa turma, faziam parte os irmãos Éser e Aser Freitas, e seu primo José; os irmãos Murilo e José Carlos (“Maranhão”) Ferreira (o Murilo foi dono do Colégio “Rutherford”); o Alaôr Lobo; e o Aírton Souza (engenheiro). Aliás, foi na casa dos irmãos Freitas (que tinham ainda as irmãs Telma e a “Mindinha”, morta prematuramente em um acidente de caminhão), cujos pais eram o seu Saulo e a Dona Elvira, que fiz, em 1955, minha primeira obra de engenharia (um acréscimo no final da casa), na qual realizei meu primeiro cálculo estrutural, que me foi ensinado pelo Baganha, usando o livro Calculista de Estruturas, do Simon Goldenhórn. Além do mais, fiz um painel de cacos de azulejos na fachada da casa deles, na Praça Batista Campos. Esse painel foi desenhado por meu colega de turma de engenharia, o saudoso Wilson Constantino Ferreira. Mais tarde, em 1966, quando estava de “castigo” na Escola de Arquitetura, tornei-me amigo do professor dessa Escola, o saudoso arquiteto Donato Melo Junior (que se tornaria depois um grande amigo de meu sogro, o escritor e jornalista Machado Coelho), que chamava esses painéis de “estilo raio-que-o-parta”. Aliás, meu também saudoso amigo e colega no SMER/DMER, engenheiro Jofre Alves Lessa, foi o precursor desse estilo nas casas que construiu. Nesta oportunidade, quero prestar uma homenagem a esse amigo, pois devo a ele minha indicação para professor de Matemática do Colégio “Abraham Levy”, em março de 1954.

Os vizinhos: 4

Ainda na Avenida Conselheiro Furtado e, agora, na direção da Travessa Tupinambás, tivemos também relacionamento com a família Sampaio, da qual já falei, e que morava na esquina com a Travessa São Pedro. Vizinha a essa família, existia uma casa, cujo acesso era por intermédio de uma longa ponte de madeira, e cuja família vendia açaí. Anos depois, a família de Álvaro e Maria Cunha fez um bangalô, e mora nele até hoje. O Sr. Álvaro era sócio da Joalheria Sul Americana, localizada na Rua Conselheiro João Alfredo, na qual comprei meu anel de grau de engenheiro, em 1958, por 12 mil cruzeiros. Ao lado, morou a família do Dr. Canuto Azevedo, cuja esposa, a professora Irene Teixeira de Azevedo, ensinava na Escola Normal do Pará (ENP) a cadeira Desenho, que havia conquistado por intermédio de um Concurso Público, em 1943. Essa família tinha um casal de filhos, sendo que a menina Elza era colega da Madá naquela Escola. O rapaz, de nome Mário, foi meu amigo de infância, com quem brinquei muita bola no quintal de sua casa. No lado oposto da Conselheiro, entre as Travessas Apinagés e Tupinambás, tivemos relacionamento com outras famílias. Por exemplo, mais próximo da Tupinambás, morava a família Bahia, dona de uma casa de comércio na Rua Santo Antônio, e tinha dois filhos: o Agissé (que depois se tornou Oficial do Exército) e o Ademir (já falecido). Este foi meu colega no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), que se localizava no Quartel ao lado da Basílica de Nazaré. Ainda nesse lado da Conselheiro Furtado e na direção da Apinagés, morava a família do João Afonso, vindo depois a família Braga: Sr. Hito e Dona Zélia, que tinha três filhos: Ivany (que se casou com o engenheiro Luciano Moraes, mais tarde meu colega de Magistério na EEP), Reinaldo e Wladimir. Com eles, morava também o sobrinho do Sr. Hito, o Milcíades, economista e hoje professor aposentado da UFPA. Depois, vinha um bangalô onde morava a família do Heber Monção, hoje conceituado médico pediatra, cuja mãe era muito amiga da tia Luzia. Em seguida, vinha a casa onde morava a família Barata, cujo pai, Jairo Barata era dentista. Ele era casado, em segundas núpcias, com a Sra. Maria de Nazaré (“Marita”) Monteiro Barata (já falecida), irmã do Waldir João da Silva Monteiro (engenheiro agrônomo), Walber da Silva Monteiro (advogado) e Walcyr da Silva Monteiro (escritor). Do primeiro casamento, o Dr. Jairo, como o chamávamos, teve os filhos Roberto Augusto Xavier Barata e Luís Edmundo Xavier Barata (hoje Oficial reformado da Aeronáutica). Lembro-me de, muitas noites, conversar com a mãe do Dr. Jairo, Dona Dalila, na porta da casa deles. Aliás, a Dona Dalila era descendente da família imperial brasileira Orleans e Bragança. Seu casamento com um plebeu tornou-a plebéia. Registro que, muitos anos depois, moraram nessa casa meus cunhados Antero e Marcionila (“Marcinha”). Ao lado do Dr. Jairo, morou a família Paiva, cujo pai trabalhava na Serraria do pai do Francisco Martins, esposo da Isaura Cruz, a quem já me referi. A família Paiva Rodrigues, seu Abílio e Dona Éster, tinham vários filhos: Abílio (já falecido, era um alto funcionário do Banco do Brasil), José, Guilherme, Orlando, Oscarina, Tereza e Maria. O José, que foi meu grande amigo de infância, depois de formado advogado, tornou-se um importante funcionário do antigo Banco de Minas Gerais. Também nessa casa, joguei muita “pelada”.

As “peladas” e as “lutas livres”

Aliás, é oportuno dizer que as “peladas” que jogávamos na casa dos Paiva, bem como nas demais casas de amigos de infância, e, também, nos campos de clubes do subúrbio paraense (Liberto, na Padre Eutíquio com a Travessa Caripunas, São Domingos, na Rua do Jurunas com a Travessa Tamoios, e o Imperial, na Travessa Conceição, próximo do Jurunas) ou em outros campos (Radional, na Estrada Nova, e o do então Instituto Agronômico do Norte, no Marco), eram com uma bola conhecida como “pneu”. Este era formado de gomos (retângulos alongados com bordas curvas) de couro e costuradas. Nele, havia uma abertura, com alguns furos, e que era fechada com um fio, também de couro (cadarço), por onde passava a câmara de borracha, com um bico. Depois que essa câmara era cheia, com uma bomba de ar usada para encher “pneus” de bicicleta, o bico era empurrado para dentro, através da abertura, e esta era fechada com o aperto do cadarço. É claro que, depois de cheio, o “pneu” ficava com uma intumescência, provocada pelo recolhimento do bico, que ficava sob a capa de couro, e, quando ela atingia as cabeças dos jogadores, doía bastante. Depois, com o progresso tecnológico, os novos “pneus” apresentavam apenas um furo no couro, por onde era injetado ar, com um bico especial que se adaptava ao bico da bomba de ar. Muito mais tarde, quando estudei Geometria, aprendi que a feitura dessas “bolas de futebol” decorre de um complicado problema geométrico (de Topologia Combinatória), qual seja, o de como cobrir uma superfície esférica, de geometria não-Euclidiana, com figuras geométricas planas (gomos, pentágonos, hexágonos, etc.), de geometria Euclidiana. É óbvio que nós, os “peladeiros”, e certamente os jogadores de futebol profissional não precisávamos de conhecer essa sutileza geométrica para ter um bom desempenho em campo. Eu era um “quase-perna de pau” que, no entanto, sabia chutar o “esférico” com os dois pés. Aliás, eu gostava de jogar sempre como “ponta esquerda”, hoje caracterizada pela “camisa 11”. Será que minha postura política “esquerdista”, que assumi posteriormente, tem origem atávica?

Um outro fato relativo a essas peladas e que me marcou muito foi o ocorrido em um jogo no campo da Radional. Em um certo instante dessa partida eu recebi uma bola na linha média do time adversário e mandei um petardo com o pé esquerdo. A bola chocou-se com a esquina esquerda da trave, a famosa “gaveta”. Talvez se tivesse feito o que seria um “golaço”, não estaria falando dele agora. Esse fato marcou-me pois, conforme descobri muitos anos depois, ele se relaciona com uma postura que tem sempre me acompanhado na vida, que é a minha satisfação de saber que tenho “a possibilidade de fazer alguma coisa”. É a potência de Aristóteles. O ato Aristotélico me intimida, uma vez que, para realizá-lo, em meu entendimento, é necessário ter coragem para tal. Aliás, como o ato de coragem tem um preço, sempre relutei em pagar, a não ser em situações-limite. Terei oportunidade de falar dessa minha covardia limitada no decorrer desse testemunho de minha vida.

Ainda com relação a esses campos de futebol em que joguei minhas “peladas”, quero recordar as “Lutas-Livre” que aconteceram no campo do Liberto, começo da década de 1950, às quais quase não assistia pois não tinha dinheiro para comprar a entrada. Apesar disso, fui a algumas delas em companhia de meu estimado amigo Hélio Serra, que sempre entrava nessas lutas levado pelo primo de sua mãe, Abel Figueiredo, que era Deputado Estadual e Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Pará. Quando não assistia a alguma dessas lutas, eu acompanhava o resultado pelos jornais da época: Folha do Norte, Folha Vespertina, A Província do Pará e A Vanguarda. Grandes representantes desse tipo de luta participaram delas. Por exemplo, os estrangeiros: “Leão de Portugal” (português), “Bey Ulsemer” (peruano), “Mesnick”, e “Gigante de Memel”; o carioca “Tatu”; e os paraenses: “Gigante de Ébano”, “Gato Selvagem”, “Demônio Louro” e seu irmão “Lourinho”. Recordo-me de uma exibição de força realizada pelo “Leão de Portugal” ao puxar, com os dentes, um veículo pesado no Largo do Relógio. Recordo-me, também, de, anos depois, cruzar com o “Bey Ulsemer” em vários locais de Belém, pois ele decidiu ficar morando nessa cidade depois que acabaram essas lutas. É oportuno destacar que os belenenses sentiram orgulho do “Gigante de Ébano” quando ele doou sangue para salvar a vida do então Prefeito de Belém, o médico Lopo de Castro, por ocasião de um trágico acidente que este sofreu.

Os vizinhos: 5

Continuemos com os vizinhos da Avenida Conselheiro. Ao lado da família Paiva, vinha a família Rezende, seu Manoel e Dona Helena, cujos filhos eram o Antônio (hoje, aposentado do Banco do Brasil), o Manoel (“Neném”, hoje, médico) e a Margarida. Ainda nesse lado da Avenida Conselheiro, porém no quarteirão entre a Travessa Apinagés e a Avenida Padre Eutíquio, tive relacionamento com a família Lobato, cujos filhos eram: José, Jane e Mário. O José, hoje engenheiro aposentado da PETROBRÁS, e morando no Rio de Janeiro, foi meu colega no CPOR; a Jane trabalhou na EEP, quando eu lá ensinei, e o Mário (hoje, médico) foi meu grande companheiro na época das famosas Balas América.

(As Balas América era um tipo de bombom envolvido por “figurinhas” que deveriam ser coladas em um álbum. Mário me deu muitas “figurinhas difíceis”, pois, para adquiri-las, era necessário comprar muitas delas, já que a sua “dificuldade” decorria da baixa freqüência com que eram oferecidas aos colecionadores. Dessas “figurinhas”, lembro-me de algumas famosas: “Cobra Coral”, “Macaco no Milharal”, “Olavo Bilac”, “Sede da Central do Brasil”, etc. Recordo-me, perfeitamente, da felicidade que tive quando, ao comprar uma dessas Balas na Sorveteria Delícia, que ficava na Esquina das Avenidas Conselheiro Furtado e Padre Eutíquio, ao lado da Barbearia do Seu Souza, vi que se tratava de uma dessas “figurinhas difíceis”: a “Sede da Central do Brasil”. Quando o álbum era cheio, o autor da façanha recebia brindes. Não me lembro de haver completado o meu álbum. É oportuno registrar que o Mário auxiliou o saudoso amigo, o médico Ronaldo Fonteles, quando este operou minhas amídalas, em fevereiro de 1966).

Meus irmãos, meus tios e primos e suas famílias

Segue abaixo, um resumo da vida de meus irmãos, tios e primos.

Irmão: 1. Luiz (“Corumbá”)

Luiz nasceu, em 1923, de um relacionamento de meu pai antes de ele casar com minha mãe Rosa. Não conheci sua mãe, que era negra. Ele tinha a pele morena, mas seus cabelos eram lisos. Vivia com uma senhora, também de cor negra, a Dona Maria, e moravam na Rua Conceição, no Bairro da Cremação; não tiveram filhos. Era eletricista da antiga Pará Electric, uma firma inglesa que gerava energia e controlava o transporte coletivo (bondes) de Belém. O “Corumbá” tinha um grande orgulho de seus semi-irmãos. Lembro-me bastante dele, sempre descalço e com a bainha da calça enrolada, a levar eu e a Maria, na Cremação, para mostrar aos seus amigos, principalmente aos seus colegas do time aspirante do clube Norte Brasileiro, do qual era seu goleiro. Lembro-me, também, de ele dormir, algumas vezes, junto comigo e com o Antônio, em redes armadas na sala de nossa casa. Seu relacionamento com o meu pai era sempre conflituoso, pois ele bebia muita cachaça. Ele tinha um grande apreço por sua (nossa) avó Tereza. Quando esta morreu, no dia 04 de novembro de 1952, por ocasião de seu enterro, que saiu de nossa casa, na Travessa São Pedro 421, ele chorava convulsivamente e pedia que ela o levasse logo dessa vida cruel. Ele morreu, de cirrose hepática, no dia 31 de dezembro daquele mesmo ano.

Pará Electric

Creio ser oportuno dizer alguma coisa de minhas lembranças sobre a Pará Electric. Ela foi instalada em Belém, em 1898. Seus bondes elétricos circulavam por vários bairros de Belém. Perto de casa, circulavam os das linhas Circular Interna e Circular Externa. Existiam alguns bondes de luxo, os chamados “balangandãs”. Para o transporte de maior número de pessoas, essa Companhia ligava dois bondes, chamado pelo povo de “bonde cachorro”. Para evitar problema de troco, a Pará Electric vendia uma espécie do “Vale Transporte” de hoje, apelidado pelo povo de “boró”. Esses bondes eram movidos por eletricidade, gerada por essa Empresa, distribuída por uma rede aérea, e transmitida ao bonde por uma lança (um espigão), articulada na parte superior do bonde, e tendo uma carretilha (roldana) em sua extremidade que deslizava naquela rede. Era motivo de alegria para as crianças ver quando essa roldana escapulia da rede e o bonde parava. Aí, então, o cobrador descia e, por intermédio de uma corda, creio que de aço, e sempre presa à lança, a repunha em contato com a rede. Também era comum o acidente provocado pelos bondes, por ocasião da desatenção das pessoas quando desciam deles. Lembro-me de dois desses acidentes. Um deles aconteceu com um membro da família Bahia, que morava na Avenida Conselheiro Furtado. Ao tentar descer do bonde, ainda em movimento, foi para baixo dos trilhos e, então, foi cortado pelas rodas do veículo. Teve morte imediata. Isso aconteceu por volta de 1945, pela parte da manhã. Lembro-me bem desse acidente, pois, quando voltava da aula do Professor Lobo, aproximadamente às onze e meia, fui até a esquina da São Pedro com a Conselheiro, local em que ocorreu o acidente. Não tive coragem de ver o corpo estendido na rua depois de retirado dos trilhos. O outro acidente aconteceu com um vizinho nosso, da Travessa São Pedro, o bombeiro “Pecó”, que teve a sola de um de seus pés cortada pelas rodas de um bonde.

No final da década de 1940 os bondes da Pará Electric foram substituídos por ônibus. Essa substituição decorreu do fato de essa Companhia não se interessar mais em investir no melhoramento desse tipo de transporte, pois a sua capacidade de gerar energia elétrica para Belém estava se esgotando. Essa incapacidade era sentida pelos belenenses, pois, além de a luminosidade das lâmpadas ser fraca (chamávamos de “tição” para a luz que vinha delas), a interrupção de seu fornecimento era uma constante. Para contornar essas dificuldades, os usuários lançavam mão de outros meios de iluminação. Estes, que dependiam do poder aquisitivo de quem os comprava e que acredito ainda existir em muitas regiões interioranas brasileiras, são do tipo lampião a óleo, que funciona pela queima de uma mecha (pavio), normalmente feita de material fibroso para permitir a ascensão (por capilaridade) do combustível utilizado. No entanto, a intensidade da luz emanada dessa queima depende de inovações tecnológicas agregadas a esse velho lampião. Assim, quando a mecha é substituída por uma camisa incandescente produzida por petróleo vaporizado à pressão, protegida por uma manga de vidro, resulta o petromax ou “candeeiro Kitson”, inventado em 1885. Por sua vez, quando a mecha é apenas protegida por uma manga de vidro, temos o candeeiro; se não há proteção, resulta a lamparina. Além desses três meios de iluminação, existia, também, o carbureto. Registre-se que esse composto químico era bastante usado nas oficinas que trabalhavam (e acredito que ainda trabalham) com solda de metais, pois, ao ser colocado em água, desprende o gás acetileno que, em contato com o oxigênio do ar, se torna inflamável e, ao inflamar-se, produz luz. É oportuno destacar que o carbureto também foi usado para iluminar os faróis dos carros, antes da bateria elétrica, conforme me lembrou meu estimado amigo o Sr. Alfredo José Salame, de quem já falei em outro local destas Memórias.

Irmão: 2. Antônio

Antônio nasceu no dia 19 de maio de 1927, no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco, aos cuidados do médico Agostinho Monteiro. Ele estudou os primeiros dois anos do então Curso Primário com as professoras Lúcia e Natércia, em uma Escola localizada na Rua Arcipreste Manoel Teodoro, entre as Travessas São Pedro e São Mateus (hoje, Avenida Padre Eutíquio). A conclusão desse Curso, do terceiro ao quinto anos, foi realizada no Instituto Luso Brasileiro do professor Raimundo Firmiano Lobo, no Largo da Trindade. Para poder estudar na Escola Prática de Comércio [depois, Escola Técnica de Comércio (ETC)], fez o Exame de Admissão no então Grupo Escolar “José Veríssimo”, situado na esquina da Avenida Conselheiro Furtado com a Rua Presidente Pernambuco. Nessa Escola, localizada na então Avenida 15 de Agosto (hoje, Presidente Vargas) com a Rua Santo Antônio, concluiu o Curso de Guarda Livros, aos 17 anos de idade, em 1944, no mesmo ano em que fez o Tiro de Guerra, para receber o Certificado de Reservista de Terceira Categoria. Quando estava para obter o diploma de Perito Contador, ainda na ETC e em 1947, abandonou os estudos para se casar com Judith Pereira, filha de José Bernardino Pereira e Maria da Costa Pereira, donos do Posto Pescadinha, localizado na Avenida Conselheiro Furtado, próximo à Padre Eutíquio.

Devido às dificuldades financeiras de nossos pais (papai Eládio era sapateiro e a mamãe Rosa era lavadeira), o Antônio começou a trabalhar desde cedo, aos 11 anos de idade e logo que entrou para a ETC, com o despachante Antônio Gonçalves Navegantes. Contudo, logo depois foi trabalhar com o Sr. Pinho, que era proprietário da Casa Baiana, uma casa que vendia artigos masculinos, situada na Rua Santo Antônio. Dificuldades em se adaptar nesse novo emprego levaram-no a voltar ao ramo de despachante, passando então a trabalhar com o despachante João Florentino da Gama, na Travessa Frutuoso Guimarães.

Quando estudava na ETC, fez uma boa amizade com o Sr. Camargo, então Inspetor de Alunos dessa Escola, que o convidou para ser seu ajudante na Carteira de Despacho da Companhia Americana THE TEXAS COMPANY (hoje, Texaco do Brasil S. A.), onde trabalhou por nove anos e cinco meses. A sua saída dessa Companhia deveu-se à regra interna de ela não deixar nenhum funcionário completar dez anos para não obter estabilidade. Devido ao seu grande conhecimento sobre o despacho marítimo de mercadorias (nessa época não existia a Estrada Belém-Brasília, e, portanto, o comércio paraense era apenas marítimo), foi convidado para trabalhar com o Sr. José Dias da Costa Paes, que acabara de criar a Dias Paes Representações Ltda. Nessa firma, trabalhou por cerca de 19 anos. É oportuno registrar que, nesse local, foi colega de um amigo de infância, o Augusto Barata que, mais tarde, seria cantor da Rádio Marajoara.

Na firma Dias Paes, o Antônio tomava conta da Carteira de Contabilidade e tratava das prestações de contas do Lloyd Brasileiro. Quando esta passou a ser gerida pela Agência Marítima Internacional, sob a gerência de Miguel Machado da Rocha, Antônio passou a trabalhar nessa Agência, localizada na Rua Gaspar Viana. Contudo, um incêndio ocorrido no prédio que a abrigava fez o Sr. Rocha desistir desse gerenciamento. Em vista disso, o Lloyd passou a ser gerenciado por O. M. Franco & Cia. Ltda., sob os cuidados de Antônio Brito e Anselmo Franco. Nessa firma, meu irmão trabalhou por cerca de 3 anos, quando o Lloyd deixou essa Agência.

Com toda essa experiência como despachante, Antônio resolveu, junto com seu primogênito, Antônio Filardo Bassalo Filho (“Toninho”), formar a sua própria empresa, a Balonave: Bassalo Navegação, Comércio e Representações Ltd, que fazia despachos no Cais do Porto de Belém. Contudo, quando o Porto de Belém foi privatizado, em 1989, por dificuldades para cumprir as exigências para atuar no Porto, como, por exemplo, possuir duas empilhadeiras de três estágios cujo valor estava acima das possibilidades financeiras dessa firma, Antônio resolveu fechá-la e viver apenas de sua pequena aposentadoria.

Do casamento de Antônio com a Judith, que faleceu em 23 de dezembro de 1994, resultou os filhos que, por sua vez, também constituíram famílias, conforme descreverei a seguir. Toninho (comerciante), nascido em 17 de março de 1950, casou-se com Mariceli Silva, em 20 de outubro de 1971, com a qual teve os seguintes filhos: Fabrício, nascido em 21 de abril de 1975, Fabíola, nascida em 10 de janeiro de 1979 e Flávia, em 01 de janeiro de 1981. Fabrício, Capitão da Polícia Militar do Estado do Pará, casou-se com a economista Patrícia da Cunha Abdelnor, em 23 de maio de 2004, e tem a filha Maria Luisa Abdelnor Bassalo, nascida em 04 de janeiro de 2007. No segundo casamento com Ana Lúcia Campos e ocorrido em 8 de dezembro de 1987, Toninho teve mais dois filhos: Luciano, de 16 de março de 1989 e Adriano, de 8 de agosto de 1994. Em seguida, nasceu a Rosângela (culinarista), em 13 de março de 1951. Casou-se com Carlos Augusto Botelho, em 30 de janeiro de 1972, e teve a filha Kristiany, de 8 de abril de 1972 que, por sua vez, teve a filha Giovanna, nascida em 22 de novembro de 1995, do casamento com Homero de Souza Cerquinho Junior. O terceiro filho do Antônio foi o Antônio Paulo (artista plástico e professor de Artes Plásticas), nascido em 2 de maio de 1952 e falecido em 14 de setembro de 2005, teve um filho de nome Gabriel, de 10 de dezembro de 1982, do casamento com Teresinha de Fátima Ribeiro. O Fernando (operário especializado), que nasceu em 4 de junho de 1953, tem dois filhos: Rafaela e Carolina, resultantes de seu casamento com Maria Carmelita, e nascidos, respectivamente, em 24 de fevereiro de 1988 e 20 de fevereiro de 1990. O quinto filho do Antônio, o Roberto (comerciante), nasceu em 25 de dezembro de 1955 e, antes de casar, ele teve um relacionamento com Edna Abreu que resultou no nascimento de Gleydson, ocorrido em 01 de outubro de 1978. Roberto casou-se com Simone Barata, em 1979. Dessa união, nasceu Dayvs, em 13 de dezembro de 1979 e Roberta, em 18 de novembro de 1980, que foi criada com os avós. O Dayvs casou-se com Kelly Nazaré da Silva, em 19 de novembro de 1981, teve dois filhos: Melissa Souza Bassalo, de 6 de junho de 2002 e Manuela Souza Bassalo, de 18 de outubro de 2003, que moram em Boa Vista junto com os pais. De seu segundo casamento, com Sônia Alvarenga, Roberto ganhou, em 31 de julho de 1993, a filha Vitória. Guilherme, gerente de vendas (apelidado por mim de “Carequinha”), o sexto filho, casou-se com Lizete Martins e teve, em 25 de fevereiro de 1986, o filho de nome Leonardo. Em segundas núpcias com Shirley Costa, Guilherme teve um outro filho, de nome Guilherme, de 6 de dezembro de 2000. Os dois últimos filhos do Antônio foram: Roseneide (bióloga), nascida em 22 de setembro de 1961, teve os filhos Luna e Igor, nascidos, respectivamente, em 11 de março de 1988 e 12 de abril de 1991, de seu casamento com Valdo Vieira; e Rosana (assistente social), nascida em 5 de fevereiro de 1962, casou-se com Denis Pontes e teve os filhos Ian, de 20 de outubro de 1988 e Davi, de 27 de outubro de 1991. Além desses oito filhos, Antônio e Judith tiveram mais um, o André Rami (advogado), que nasceu em 10 de novembro de 1971, casou-se com Vânia Amanajás, de quem teve o filho André Bassalo Filho, nascido em 30 de março de 1998. Por fim, o Antônio é torcedor fanático do Clube do Remo, em Belém do Pará, e do Fluminense Football Club, no Rio de Janeiro.

Creio ser oportuno dizer que o Antônio e a Judith, um pouco depois de seu casamento (não oficializado), moraram algum tempo, em uma pequena casa, inicialmente, de chão batido, composta de uma sala (que funcionava, também, como cozinha e sala de jantar) e dois quartos, construída pelo papai, e onde nasceram quase todos os seus filhos, com exceção do Toninho.

Durante essa permanência em casa, houve uma relação pouco amistosa entre a Judith e a minha mãe. No entanto, apesar disso, seus filhos sempre foram tratados com bastante carinho por mamãe e, também, por meu pai. O papai, por exemplo, tinha um grande apreço pelo “Toninho”, conforme me relatou o Antônio. Ele sempre dava dinheiro para ele comprar peteca. Contudo, quando o “Toninho” chegava em casa chorando porque havia perdido algumas petecas nos jogos com seus colegas, o papai saia e ia tomar dos ganhadores as petecas perdidas pelo primeiro neto. O Roberto, por sua vez, ajudava o papai na confecção dos solados dos sapatos que consertava. Ele batia sola, esticando-a ao máximo possível para agradar meu pai; derretia breu para ser usado no fio de costura desses solados; e dava o acabamento final nesses solados, usando tinta preta. Aliás, foi o Roberto quem percebeu as primeiras manifestações da doença de Alzheimer que matou meu pai. Várias vezes ele presenciou o esquecimento característico dessa doença, quando um cliente perguntava para o papai se o sapato que trouxera para consertar já estava pronto. Como o papai não se lembrava qual era, pedia que o cliente encontrasse o sapato dele, cliente, dentre os vários que havia consertado.

A relação entre o Roberto e o papai foi tão intensa que, até hoje, ele lembra dele com muita ternura. Assim, em recente conversa comigo, o Roberto me disse que tem gravado em sua memória a imagem do papai vestido de camisa de lona verde, em forma de V, completada com uma bermuda feita de saco de açúcar, cujo lado esquerdo era todo amassado, de tanto o papai limpar as mãos da cola de sapateiro que utilizava nos consertos dos sapatos. Também faz parte dessa memória a visão de seu avô, em seu banquinho de trabalho, manipulando as ferramentas de sapateiro: o martelo “cabeção”, o pé de ferro, as facas de sapateiro bem amoladas (das quais tinha muito ciúme) e a sovela. Ele também lembra de o papai chegar, por volta da sete e meia da noite, do “bordejo” (na linguagem do papai) que fazia até a Praça Batista Campos, no final da tarde e começo da noite. En passant, registro que, enquanto criança, cansei de levar aquelas facas para amolar na Cutelaria Tancredi, que ficava na Rua Senador Manoel Barata, próximo à então Avenida 15 de Agosto (depois, Presidente Vargas).

De minha mãe Rosa, o Roberto lembra das macarronadas dominicais preparadas por ela, assim como dos deliciosos caribé, sopa de feijão e bolo de milho que a mamãe fazia, diariamente, e os distribuía com muito amor, não só para ele, mas, também, para seus irmãos. Da Madá, o Roberto tem uma recordação especial pois, além de ele ser seu aluno no Grupo Escolar “José Veríssimo”, também o foi no Externato “São Judas Tadeu”, que ela mantinha em nossa casa. Nessa escolinha particular da Madá, o Roberto recebia um privilégio especial toda a vez que ela, ao fazer um lanche com a mamãe, sempre trazia um pouco para ele, o que motivava um certo ciúme de seus colegas. Roberto também lembra da proteção que sua tia Maria lhe dava sempre que a Judith lhe aplicava algum corretivo.

Por fim, quero registrar um aspecto humano da relação conflituosa entre a mamãe e a Judith. Apesar de sempre brigarem, minha cunhada, enfermeira de profissão, não largou o leito da mamãe por ocasião em que ela esteve internada no Hospital da Beneficente Portuguesa, para curar-se de uma infecção de tétano, por volta de 1951. Aliás, a internação da mamãe nesse Hospital deveu-se à interferência do pai da Judith, que era um de seus beneméritos. Infelizmente, a relação conflituosa entre mamãe e Judith, citada acima, dificultou que os filhos do Antônio pudessem ter a infância e a adolescência compartilhadas com seus primos: os meus filhos e os da Maria. Registro que a Madá não teve filhos, e que os filhos do Mário nasceram no Rio de Janeiro, como veremos a seguir.

Irmã: 3. Madalena

Madalena (“Madá”) nasceu no dia 10 de julho de 1929 e morreu no dia 06 de janeiro de 1999. Meses depois de ficar viúvo, seu marido Acrísio Bittencourt voltou para a sua terra natal, interior do Maranhão, aonde veio a falecer, em 16 de abril de 2004. Como só decidi escrever sobre a minha vida no meio de 2004, não tive a preocupação de perguntar a eles sobre suas vidas enquanto estavam vivos. Em vista disso, as informações aqui registradas decorrem apenas de minhas lembranças, as de meus irmãos e as das professoras Maria de Jesus Vasconcelos Mendonça, Hilma Barros e Lucymar de Jesus Fernandes, e de seu ex-aluno Carlos Mouzinho, hoje professor da Escola de Primeiro Grau “Placídia Cardoso”, aos quais muito agradeço nesta oportunidade. Como o papai sempre se preocupou em oferecer o melhor para a sua família, e considerando que seu primeiro filho havia nascido no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco, aos cuidados do médico Agostinho Monteiro, a Madá também foi aparada por ele. Ela estudou os primeiros dois anos do então Curso Primário com as professoras Lúcia e Natércia, com quem o Antônio havia também estudado, e completou esse Curso no Instituto do Professor Lobo, o mesmo no qual todos nós estudamos. A Madá entrou para a então Escola Normal do Pará, em 1943, e colou grau como Professora Normalista, em dezembro de 1947. (Aliás, a professora Maria de Jesus me contou que ela própria fez parte do Canto Orfeônico que cantou por ocasião dessa Colação de Grau.) Logo depois, ela começou a lecionar em casa, na Travessa São Pedro, para os filhos de nossos vizinhos. Primeiro, ela dava aula na mesa que ficava na varanda dessa casa. À medida que o número de alunos foi aumentando, ela criou o Externato “São Judas Tadeu”, que funcionava em uma sala de aula e que o papai ajudou-a a construir na lateral de nossa casa. Por essa ocasião, lembro-me de auxiliá-la na solução de problemas de Aritmética e Geometria. Quando ela casou, em 1961, continuou a lecionar em casa. Dentre os vários alunos que teve, registro os meus dois cunhados: Teté e Geraldo. Este, apesar de ser meu cunhado, sempre recebia castigos da Madá (reguadas), toda vez que esquecia as lições de casa que ela lhe passava. Por outro lado, ele adorava a sopa que a mamãe preparava para a família. Ela também ensinou todos os filhos do Antônio e os da Maria. Infelizmente ela não ensinou os meus filhos Jô e Ádria, uma vez que, sendo eu professor da UFPA, eles estudaram no então Colégio de Aplicação da UFPA, hoje Núcleo Pedagógico Integrado (NPI). É oportuno registrar que também foi aluna da Madá, a hoje famosa atriz da Rede Globo, Dira Paes, que, conforme declarou no Programa do Faustão, do dia 16 de outubro de 2011, deve a Madá, além dos ensinamentos normais (Matemática, Português, História e Geografia), a ser uma pessoa educada e cuidadosa com o seu corpo.

O primeiro emprego público da Madá foi a de professora no então Grupo Escolar “Placídia Cardoso” (hoje, Escola Estadual de 1o. Grau “Placídia Cardoso”, conforme registrei acima) que fica na Rua dos Tamoios, entre as Travessas Monte Alegre e Breves, e cuja Diretora era a professora Geórgia Barata. Esse emprego foi conseguido pela grande amiga da Madá, a professora Lucymar Fernandes. As duas foram nomeadas professoras daquele Grupo, em 1951, por escolha da própria Diretora Geórgia. Além da Madá, Hilma, Lucymar e Maria de Jesus, também começaram a ensinar nesse Grupo as professoras Célia Maia, Denise Guilhon, Esmeralda Navegantes e Ilza Melo. Depois de cerca de 10 anos em que trabalhou nesse Grupo, a Madá foi lecionar no Grupo Escolar “José Veríssimo”, na esquina da Avenida Conselheiro Furtado com a Rua Presidente Pernambuco. Ela ensinou nesse Grupo, com freqüência integral, de 1962 até 1978, quando então se aposentou. Por ocasião em que ela ensinou no “José Veríssimo”, conforme me contou a professora Maria Heloisa Matos Guerra (a quem agradeço essa informação), que foi sua Diretora, de 1962 até 1975, a Madá sempre foi querida por seus diversos alunos da 4a. Série, bem como por seus respectivos pais.

Creio ser oportuno dizer que a Madá sempre foi receosa com relação a tentar novas situações. Por exemplo, depois de três anos de trabalho no “Placídia Cardoso”, houve um concurso para o então SNAPP. A amiga Lucymar fez tudo para que elas fizessem esse concurso. Segundo recentemente contou-me a professora Lucymar, com medo de ser reprovada e ficar em situação difícil perante seus pais e amigas, a Madá não fez o concurso. A Lucymar fez e passou. De outra feita, sua outra grande amiga Maria de Jesus também fez tudo para levá-la para a Escola Tenente “Rego Barros” para ensinar a 4a. Série do 1o. Grau. Como a Madá foi sempre professora do Curso Primário e de Admissão, ficou com medo de fazer uma reciclagem para adaptar-se ao ensino ginasial e recusou o convite. Por fim, registro que a Madá não teve filhos de seu casamento com o Acrísio.

Irmão: 4. Mário

Mário nasceu no dia 05 de maio de 1933, também sob os cuidados do Dr. Waldemar de Freitas Ribeiro, na Maternidade da Ordem Terceira de São Francisco. Em 1941, iniciou o Curso Primário no Instituto Luso Brasileiro, do professor Raimundo Firmiano Lobo. No começo de 1946 prestou Exame de Admissão para o Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), no qual concluiu o Curso Ginasial em 1949, e o Curso Científico, em 1952. Depois de estudar, em 1953, o primeiro ano do Curso de Farmacêutico, entrou para a Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará (FMCP), em 1954, obtendo o diploma de médico, em 08 de dezembro de 1959, quando essa Faculdade já pertencia à Universidade Federal do Pará (UFPA). Entre agosto de 1958 e dezembro de 1959, foi Auxiliar-Acadêmico-Interno no Hospital de Pronto Socorro do Município de Belém do Pará. Por ocasião da realização de seu Curso de Medicina, Mário procurou sempre melhorar a sua formação profissional. Com efeito, em novembro de 1956, realizou o Curso de Extensão Universitária sobre Anatomia do Abdômen, na FMCP. Nessa mesma Faculdade, participou do Curso Livre: Temas de Cardiologia, no período de 6 de agosto a 10 de setembro de 1958. No ano de sua formatura, 1959, realizou vários Cursos: em fevereiro, o Curso de Aperfeiçoamento de Gastroenterologia Cirúrgica, no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP); em maio, o Curso sobre Cardiopatias na Infância, patrocinado pela Sociedade Paraense de Pediatria; em julho, o Curso Livre Noções de Eletrocardiografia e o Curso sobre Temas Livres de Angiocardiologia, ambos patrocinados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, Seção do Pará.

Creio ser oportuno relatar que o Mário foi influenciado para fazer Medicina pelo seu padrinho de batismo, o Dr. Paulo Nunes Avelino, filho do casal Eunápio e Idalia Avelino, que moravam na Rua Arcipreste Manoel Teodoro, perto de nossa casa, localizada na Travessa São Pedro. Desde pequeno, o Mário viveu nas duas casas até se transferir para o Rio de Janeiro a fim de fazer a sua Especialização Médica. Até hoje ele mantém um vínculo afetivo com os descendentes dessa família.

Desse modo, entre 1960 e 1962, ele realizou sua Residência Médica (RM) no Hospital “Pedro Ernesto” (HPE) [hoje, Hospital Universitário “Pedro Ernesto” da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (HUPE/UERJ)], que à época pertencia à Prefeitura do Distrito Federal, sob a supervisão do professor Dr. Júlio Martins Barbosa, que mais tarde seria seu padrinho de casamento, junto com Hilda Nunes Avelino, que também era sua madrinha de batismo. Durante esse período como Médico Residente, aproveitou para melhorar a sua formação médica. Assim, em 1960, entre março e junho, realizou, no Centro de Estudos da Secretaria de Saúde do Estado da Guanabara, os seguintes Cursos: Equilíbrio Eletrolítico e seus Distúrbios no Adulto (21/03-01/04); Radiologia (7/04-9/06); Cirurgia Infantil (maio). Nessa mesma Secretaria, em 1962, fez parte de um grupo de médicos que ministrou o Curso de Treinamento Funcional Descentralizado em Enfermagem Médica e Cirúrgica. No final de 1962, com a passagem (em agosto desse mesmo ano) do HPE para a Universidade do Estado da Guanabara, como Hospital Escola, foi admitido como médico, continuando a trabalhar no mesmo serviço (2a. Clínica Médica) do Dr. Júlio Barbosa, até o falecimento deste médico, em 1966, quando essa Clínica foi extinta. A partir daí, foi transferido para o Serviço de Assistência Médica ao Servidor (SAMS); posteriormente, com as várias transformações na estrutura do Serviço Médico da UERJ, foi lotado na atual Divisão de Saúde do HUPE (DISHUPE), onde se aposentou.

Concomitantemente, em 1962, Mário foi aprovado em Concurso Público do então Estado da Guanabara, como Médico Tisiologista, indo trabalhar no Posto de Saúde do 9o. Dispensário de Tuberculose (hoje, Centro Municipal de Saúde “Professor Milton Fontes Magarão”), na Avenida Amaro Cavalcante, no Méier, Zona Norte, e alguns anos mais tarde foi transferido para o Departamento Geral de Saúde Pública, onde se aposentou em 1989.

Em 1975, a fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio originou o Estado do Rio de Janeiro. Em vista disso, as ações de Saúde Pública ficaram subordinadas ao Município do Rio de Janeiro, passando Mário, dessa forma, a integrar o quadro de servidores municipais.

Durante sua atuação no HPE/HUPE, no Município do Rio de Janeiro e no então Estado da Guanabara, participou do XIII Congresso Nacional de Tuberculose e VIII Congresso Brasileiro de Doenças do Tórax, ocorridos em Belém do Pará, em outubro de 1966; realizou o Curso de Medicina do Trabalho (1976) promovido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); participou de trabalhos científicos sobre Medicina do Trabalho e de Campanhas de Vacinação no Município do RJ. Além disso, exerceu vários cargos de confiança, tais como chefias e assessoramentos. Foi, também, substituto automático do Diretor da Divisão de Tuberculose e da Divisão de Pneumologia Sanitária do antigo Estado da Guanabara e do Município do Estado do Rio de Janeiro, respectivamente. Mário foi homenageado com a medalha do Mérito Clementino Fraga (1974) e recebeu os Diplomas de Bons Serviços, em 1973 e 1982, pelo Governo do Estado da Guanabara, e de Honra ao Mérito, pelos 30 anos de serviços prestados ao HUPE, em 1992.

Em 1976, foi aprovado em outro concurso público, desta vez no então Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) [hoje, Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS)], para o Município do Rio de Janeiro na especialidade de Pneumologia. Contudo, os aprovados nessa especialidade nunca foram chamados para atuar. Em 05 de maio de 2003 foi aposentado em conseqüência de haver completado 70 anos de idade, depois trabalhar no HUPE por mais de 40 anos. Mesmo aposentado, participou de um Treinamento Profissional na área de Medicina do Trabalho, no período de julho a dezembro de 2003, treinamento esse realizado na DISHUPE, no período de julho a dezembro de 2003, e esteve trabalhando como Médico Contratado da UERJ, entre maio de 2004 e março de 2005. Mário é sócio da Sociedade Brasileira de Cardiologia e Oficial da Reserva (Arma Infantaria), depois de servir no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em Belém do Pará, entre 15 de dezembro 1953 e 25 de agosto de 1955.

Por ocasião em que o Mário trabalhava no então HPE, como médico residente, em 1960, conheceu Júlia Barreira de Freitas, com quem se casou em 26 de setembro de 1964. Lembro-me de que nossa tia paterna Luzia deslocou-se de Belém para o Rio de Janeiro a fim de participar desse casamento. Dessa união matrimonial, nasceram Mario Filardo Bassalo Filho, em 21 de julho de 1965, e Rosa Maria de Freitas Bassalo, em 11 de janeiro de 1969. Mario Filho (Mariozinho, como eu o chamo) deixou de se graduar em Química Industrial para dedicar-se ao exercício de sua profissão de Técnico Policial de Necrópsia, no Instituto Médico Legal “Afrânio Peixoto” da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Casou-se, em 06 de maio de 1995, com a fonoaudióloga Alessandra Maria Rebello Teixeira, nascida em 27 de maio de 1972, e tem dois filhos: Guilherme Teixeira Bassalo, nascido em 30 de dezembro de 1996, e Bernardo Teixeira Bassalo, em 30 de abril de 2004. Rosa Maria é Assistente Social, e da união com Wagner Alves da Motta nasceu Rodrigo Bassalo da Motta, em 21 de julho de 1992. Por fim, Mário é torcedor do Paysandu Sport Club, em Belém do Pará, e do Clube de Regatas Vasco da Gama, no Rio de Janeiro.

Irmã: 5. Maria José

A Maria nasceu meia hora depois de meu nascimento, ou seja, às 12 horas e 30 minutos do dia 10 de setembro de 1935, na Maternidade da Ordem Terceira de São Francisco, também sob os cuidados do Dr. Waldemar de Freitas Ribeiro. Sendo gêmeos, iniciamos juntos, em 1943, o Curso Primário no Instituto Luso-Brasileiro, do professor Lobo, conforme já registrei em outro artigo dessas minhas reminiscências. Contudo, enquanto eu fiz esse Curso em quatro anos, a Maria fez em cinco. Desse modo, ela somente entrou no CEPC em 1948 e concluiu o Curso Clássico, em 1955. Em 1956, prestou Exame Vestibular para a então Faculdade de Direito do Pará, na qual obteve o título de Bacharel em Direito, em 1963, quando essa Faculdade já havia se incorporado à então Universidade do Pará [hoje, Universidade Federal do Pará (UFPA)]. Nessa Faculdade, Maria conheceu Pedro Rosário Crispino com quem casou, em 22 de dezembro de 1962. Pedro recebeu o grau de Bacharel em Direito, em 1964.

Enquanto meu cunhado Pedro fez uma brilhante carreira como advogado [ele é hoje o Procurador Chefe do Ministério Público do Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE)], a Maria dedicou-se a tomar conta da família que acabara de constituir. Pedro, filho de imigrantes italianos (Egídia e Nicola), da mesma região onde nasceu minha mãe, Castelluccio Inferiore, na Província de Potenza, no sul da Itália, sempre foi e é um grande batalhador. Desde criança, ele e seu saudoso irmão Egídio ajudavam o pai na entrega de jornais e revistas. Como nós (Antonio, Madá, Mário e eu) já não morávamos com nossos pais, na Travessa São Pedro 421 (hoje, 851), Pedro e Maria, quando casaram, passaram a tomar conta deles, com todo o carinho emocional e material possível [Pedro, inclusive, derrubou a nossa antiga casa (descrita anteriormente), e construiu uma boa casa de dois pavimentos]. Além disso, Pedro também ajudou a criar seus meio-irmãos que nasceram do segundo casamento de seu pai, com Rosina Sovano. Sempre que foi solicitado, ajudou também meus irmãos Antônio e a saudosa Madá. Nesta oportunidade, quero agradecer ao meu estimado cunhado Pedro tudo o que fez pelos meus pais e, também, pela tia Luzia, que morou com ele até morrer em 17 de setembro de 1983. Meu pai Eládio morreu em 20 de abril de 1980, e minha mãe Rosa, em 28 de agosto de 1999. Por outro lado, Pedro e Maria sempre lutaram pelo bem de seus filhos e, também, pelo dos empregados que com eles trabalharam e ainda trabalham. Um exemplo típico é a presença da Dona Antônia Vinagre Alcântara, que cozinha para eles há mais de trinta anos.

Pedro e Maria têm cinco filhos. Rosa Egídia, nascida em 11 de outubro de 1963, é advogada e ex-professora de inglês e, no momento, é Procuradora concursada no TCE, desde 1993. Casou-se em 25 de junho de 1997 com o médico, especialista em Gastroenterologia, Ivonélio Calheiros Lopes Junior. O casal tem dois filhos: Enzo, nascido em 05 de maio de 2000 e Lisa, nascida em 02 de abril de 2005. O segundo filho chama-se Nicolau Eládio e nasceu em 24 de dezembro de 1964. É bacharel pela UFPA e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), Procurador de Justiça do Estado do Amapá e professor adjunto da Universidade Federal do Amapá. Casou-se em 08 de janeiro de 1994, com Gláucia Porpino Nunes, bacharel em Direito, Promotora de Justiça do Estado do Amapá, com quem tem dois filhos: Gabriel e Rafaela, nascidos, respectivamente, em 19 de novembro de 1995 e 15 de outubro de 2002. Pedro, advogado e Promotor concursado do Ministério Público do Estado do Pará, desde 1994, é o terceiro filho do casal Bassalo Crispino; é meu afilhado. Ele nasceu no dia 27 de janeiro de 1966 e tem dois filhos: Pedro, nascido em 14 de novembro de 1996 e Maria Gabriela, nascida em 24 de maio de 1990, de sua união com a pedagoga Maria de Fátima Chaves de Lemos. O quarto filho de Pedro e Maria é a arquiteta e advogada Ana Rosa, nascida em 21 de julho de 1967. Divorciada do engenheiro civil Augusto de Almeida Mácola, com quem casou em 12 de setembro de 1991, tem uma filha Ana Luíza, nascida em 07 de agosto de 1996. Ana Rosa, arquiteta concursada (1993) do Ministério Público do Estado do Pará, é uma exímia bailarina e dirige a Escola de Dança Ballare, localizada na Avenida Padre Eutíquio 1454, de sua propriedade. Por fim, o caçula do casal é o Luís Carlos, nascido em 11 de janeiro de 1971, doutor em Física pela Universidade do Estado de São Paulo (UNESP) e professor Adjunto da UFPA. Casou-se em 08 de outubro de 1994, com Ângela Klautau, doutora em Física pela USP e professora adjunta da UFPA, depois de realizar um Concurso Público em 2002. O casal (Luís Carlos e Ângela) tem uma filha chamada Isabela, nascida em 30 de julho de 1998. Creio oportuno dizer que o Pedro, seus filhos Nicolau, Pedrinho, Luís Carlos, todos os seus netos, e seu genro Ivonélio, são torcedores fanáticos do Paysandu Sport Club.

Tias paternas: Luzia e Maria Lúcia

Eu tive duas tias paternas: Luzia e Maria Lúcia. A tia Luzia nasceu em 30 de setembro de 1909, em Puebles de Tribes, San Miguel de Vidueira, no noroeste da Espanha, perto de Santiago de Compostela. Ela veio para Belém do Pará, por volta de 1915. Como o papai era sapateiro, ela começou a aprender o ofício de costureira de calçados e, nesse ofício, trabalhou na Sapataria Sem Rival, do espanhol Isaac Garcia, localizada na hoje Avenida Padre Eutíquio, perto da Rua Senador Manoel Barata. Quando criança, recordo de ir várias vezes a essa Sapataria para ela comprar brinquedos para mim. Um deles, um revólver de brinquedo, foi comprado na Casa dos Presentes, que ficava na Manoel Barata, próximo da Travessa Campos Sales, onde hoje fica uma das Lojas Yamada. Lembro ainda de roupas que ela comprava para mim, bem como livros e material escolar. Às vezes, dia de domingo, ela gostava de tomar vinho, o que lhe provocava muito sorriso e vermelhidão nas faces. Sempre que eu fazia alguma traquinagem no CEPC, era ela quem ia resolver com o Diretor, conforme já registrei em outro artigo destas recordações. Quando a Sem Rival fechou, ela recebeu como indenização a máquina de costura na qual trabalhava e, com ela, passou a trabalhar com o Sr. Cláudio. Embora tenha namorado com Sr. Raimundo, que era barbeiro, ela morreu solteira, no dia 17 de setembro de 1983.

A tia Maria Lúcia nasceu no dia 15 (ou 17) de abril de 1906 em Puebles de Tribes, San Miguel de Vidueira, no noroeste da Espanha, perto de Santiago de Compostela, e morreu no dia 02 de abril de 1969. Creio que ela veio para Belém com a tia Luzia. Quando eu comecei a ter discernimento familiar, a tia Maria Lúcia já não morava mais em casa. Ela teve cinco filhos, todos nascidos em Belém:

Eleonor, nascida em 26 de agosto de 1934, que teve o filho Jorge Marcelino Bassalo da Silva, nascido no dia 26 de agosto de 1958. Os dois mudaram-se para o Rio de Janeiro, em 1970. Jorge formou-se em Administração de Empresas e atualmente trabalha na área da Tecnologia da Informação. Casou-se com Maria Fátima dos Santos em 09 de julho de 1983, nascida no Rio de Janeiro em 20 de julho de 1959. Fátima é formada em Publicidade e Propaganda e atualmente exerce sua função na PETROBRÁS. Jorge e Fátima têm os seguintes filhos: Rodrigo dos Santos Bassalo da Silva, nascido em 30 de dezembro de 1985, no momento cursando a Faculdade de Turismo Hélio Alonso (FACHA), e os gêmeos Thiago e Gabriel dos Santos Bassalo da Silva, nascidos em 11 de dezembro de 1992, também na “Cidade Maravilhosa”.

O segundo filho de tia Lúcia, o Carlos Alberto, nasceu em 07 de maio de 1936, é hoje militar reformado da Marinha. Nos anos 50, mudou-se para o Rio de Janeiro. Casou-se, em 01 de maio de 1964, com Celina de Moraes Braga, nascida em 20 de outubro de 1939, também paraense, professora e pedagoga, tiveram quatro filhos e todos cariocas: Lucélia de Moraes Braga Bassalo, nascida em 25 de abril de 1965, é pedagoga, Mestre em Educação e professora universitária (a quem agradeço as informações da família de tia Lúcia); Carlos Alberto Bassalo Junior, nascido em 07 de setembro de 1966, é Tecnólogo em Processamento de Dados, exercendo a profissão de Analista de Sistema. Ele casou-se com Cristina Gonçalves e teve os seguintes filhos: Thaís, de 19 de março de 1999, e Daniel, de 18 de junho de 2003. O terceiro filho de meu primo Carlos, Lauro César, nasceu em 12 de fevereiro de 1971, Oficial Aviador da Aeronáutica pela Academia da Força Aérea (AFA), casou-se em Natal, em fevereiro de 1996, com Andréa Pontes de Paiva. Ele morreu em um acidente de aviação, no dia 07 de maio de 1996, em Macapá, onde fora fazer um Curso de Pilotagem de Helicóptero para Resgate na Selva. A caçula Luciana nasceu em 08 de fevereiro de 1975, engenheira, casou-se com Francimário Arcoverde Gomes, arquiteto e urbanista, em 14 de fevereiro de 2004.

Depois do Carlos, a tia Lúcia teve mais três filhos: Maria de Lourdes, nascida em 02 de agosto de 1942, exerceu a profissão de contabilista durante toda a vida profissional em empresas privadas e, ao se aposentar, era responsável pelo Setor de Contabilidade da Pina Intercâmbio de Pesca; Maria da Graça, de 08 de outubro de 1947, professora normalista e contabilista, hoje funcionária pública federal aposentada. Em 12 de dezembro de 1970, casou-se com Antonio Augusto de Oliveira Vilhena, nascido em 28 de janeiro de 1938, também contabilista, e tiveram a filha Andréia, nascida em 03 de março de 1972, advogada que atua na área trabalhista. Recordo que, quando criança, brinquei muito com o Orlando, irmão do Antonio, na casa deles na Rua dos Tamoios. Eles eram filhos do dono do Café Manduca. Por fim, o último filho de tia Lúcia, o Ildefonso, era comerciário, nasceu em 23 de janeiro de 1940 e faleceu em 20 de dezembro de 1982.

Dos filhos de tia Lúcia, Eleonor e Carlos Alberto eram os que mais nos visitavam. Por sua vez, a Eleonor, quase da minha idade, era com quem eu mais brincava quando criança. Recentemente, quando telefonei para ela, que mora no Rio de Janeiro, para completar algumas informações que me foram repassadas por sua sobrinha e minha prima Lucélia, ela lembrou-me de que nós dois brincávamos muito com nossa avó Tereza. Eu, no entanto, gostava de malinar um pouco com ela. Por exemplo, ela já cega devido a uma catarata bem avançada, sentava em uma cadeira perto de uma mesa na varanda de nossa casa. Quando ela se levantava, eu retirava a cadeira. No entanto, quando ela ia se sentar, eu a repunha para ela não se machucar. Quem tem acompanhado essa minha saga deve se lembrar de que, anteriormente, descrevi meu relacionamento com ela quando ainda não estava cega.

Tios maternos: José, Paulo e Felice

Conheci apenas meu tio materno José, nascido em 1897 e falecido no dia 23 de dezembro de 1945, que também era sapateiro, como meu pai, casado com a também italiana Anunciata Pignataro, nascida em 14 de março de 1909 e falecida em 15 de setembro de 1975, e que teve o filho Antonio. Este, que nasceu em 15 de fevereiro de 1931, mora ainda na mesma casa da Rua Arcipreste Manoel Teodoro – onde meu tio tinha sua oficina de consertar sapatos – com sua esposa (casaram-se em 26 de fevereiro de 1983) Maria Madalena Santarém Moreira, nascida em 23 de julho de 1934, e seus dois enteados: José de Arimatéia e Kátia Kelly, nascidos em 28 de fevereiro de 1967 e 12 de dezembro de 1977. Registro que esse meu primo materno foi um excelente eletricista da antiga Companhia de Eletricidade do Pará (CELPA), na qual trabalhou de 1961 até 1992, quando então se aposentou. Os outros tios maternos, Paulo e Felice ficaram na Itália. Só conheci minha avó paterna: Tereza, que morava conosco. Ela tinha raízes gregas. Não conheci meus avós maternos: Paulo e Madalena. Apenas conheci a esposa do tio Paulo, tia Tereza Pallazo Filardo e seu filho, também Paulo (casado com Itália), em viagem que fiz a Casteluccio Inferiore, na Província de Potenza, Itália, em agosto de 1991, conforme registrei em outro artigo dessas minhas reminiscências. Conheci, também, a prima Madalena, filha de meu tio Felice Filardi. Aliás, creio ser oportuno dizer que meus tios maternos, Paulo e Felice, tiveram o sobrenome diferente: Filardo e Filardi, respectivamente. Segundo contou-me meu primo Paulo, essa diferença ocorreu na ocasião do registro deles no cartório de Castelluccio Inferiore.

B. MINHA VIDA DE CASADO

Nesta segunda parte familiar de minhas Memórias, vou contar minha vida a partir de meu casamento com Célia Mártires Coelho, no dia 06 de outubro de 1962. Antes, vou descrever como chegamos ao casamento.

Muito embora eu freqüentasse a casa da Célia, na Praça da República 158 (segunda casa depois do final do Grupo Escolar “Floriano Peixoto”) nas ocasiões em que eu ia ensinar Topografia e Maneabilidade para seu irmão, Joaquim-Francisco, meu colega no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), em 1956, eu só vim a conhecê-la quando fui seu professor de Física no 2o. Ano Clássico, no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), em 1957. A razão de nunca a ter visto quando, na varanda de sua casa, me reunia com o Joaquim, era porque, segundo ela me contou mais tarde, a sua saudosa tia Anna dos Santos Mártires (“tia Anita”), irmã de sua mãe Celina, a “escondia” para que nenhum colega de seu irmão pudesse vê-la. Nessa época, suas outras irmãs, que eu não conhecia: Marcionila (“Marcinha”), as gêmeas Rosa Maria e Ana Maria, e a Tereza Lusia (“Teté”), ainda eram muito jovens e, portanto, não sofriam essa restrição. Nessa época, a irmã mais nova, a Maria do Socorro, ainda não havia nascido.

Quando entrei pela primeira vez na sala da turma da Célia (ver a relação de seus colegas em outro artigo dessas lembranças), no começo de março de 1957, simpatizei logo com ela. Essa simpatia eu a manifestava da seguinte maneira. A disciplina rígida imposta pela então direção do CEPC não permitia que o aluno entrasse em sala depois da entrada do professor. Assim, quando me aproximava de sua sala, a que ficava logo na saída do lado direito da escada, localizada no pátio interno do recreio dos homens (naquela época, os recreios dos alunos e das alunas eram separados), e percebia que ela ainda não havia entrado, eu embromava um pedaço, conversando com outros alunos, até vê-la chegar, para então entrarmos juntos.

O namoro, contudo, não aconteceu de imediato. Embora houvesse uma simpatia mútua, conforme ela me confessou depois, nosso relacionamento só começou por volta de outubro de 1957. Creio ser oportuno fazer um parêntesis para dizer que, hoje, esse relacionamento seria considerado “assédio sexual” do professor contra a sua aluna. Voltemos ao nosso namoro. Sabendo que ela era filha de um intelectual importante em Belém, o professor Machado Coelho, sendo eu filho de um sapateiro e de uma lavadeira, embora já fosse acadêmico de Engenharia e colega de seu irmão, não acreditava que ela pudesse me “dar bola”, como se dizia naquela época.

Uma primeira tentativa de namoro ocorreu por ocasião de uma festa que aconteceu na Avenida Presidente Vargas (creio que foi no Caixaparah) e na qual acertamos conversar. No entanto, um problema de doença ocorrido com um parente dela, a fez adiar essa conversa. Lembro-me de que, quando cheguei na festa, perguntei por ela ao seu colega Agiz Bechir Elias. Como não a vi, cheguei a comentar com ele que, certamente, ela não estava interessada em mim. O Agiz imediatamente me disse que não era verdade, o que estava pensando e explicou-me a razão da ausência, a acima referida. Creio se oportuno dizer que os colegas dela torciam pelo nosso namoro. Também é oportuno registrar que essa minha dificuldade em namorar com meninas de nível econômico maior do que o meu decorria de algumas tentativas frustradas que tive. Por exemplo, certo dia, creio que por volta de 1956, eu estava em uma das festas promovidas pelo Clube da Mocidade (clube criado pelo saudoso Lauro Meneses Veloso, meu colega do DMER, juntamente com seu concunhado, o médico Lourival Barbalho), olhei para uma moça de classe média e pedi para irmos dançar. Logo depois, no meio do salão, ela me disse: Vou-lhe deixar. Largou-me e fiquei parado no meio do salão. Envergonhado, marquei a porta de saída e saí da festa. Até hoje não sei a razão dessa recusa. Certamente, creio eu, era porque eu não sabia dançar direito.

Como não chegamos a nos encontrar na festa a que me referi anteriormente, a Célia não sabia que eu era um péssimo dançarino (o que, aliás, permaneço até hoje). Assim, mais tarde, em uma das inúmeras brigas que tivemos, com o término do namoro, marcamos um encontro na casa de uma colega dela e também minha aluna no CEPC, a Doralinda Pereira Bahia onde haveria uma pequena festa. A Célia foi com uma das irmãs, a Marcinha. Assim que nos encontramos lá, pedi para dançarmos. Ao aceitar, perguntei-lhe logo se poderíamos voltar o namoro. Como a Célia aceitou, e para não pisar nos seus pés, demos dois rodopios e paramos.

Voltemos ao encontro frustrado que tive com a Célia, antes de iniciarmos o namoro. Em virtude desse desencontro, resolvi falar com ela no término de uma aula na qual havia resolvido, para a sua turma, alguns problemas de Mecânica. Para essa resolução, eu usara o Volume Primeiro do livro Problemas de Física de Guilherme Bonfim Dei Vegni-Néri (Livraria Francisco Alves, 1941). Com esse livro na mão, perguntei-lhe se podia telefonar para ela. Ela disse que sim e deu-me o número do telefone: 1246, que anotei na parte interna da última capa do livro e de cabeça para baixo. Em retribuição, dei-lhe o número do telefone de casa: 4582. Trocamos telefonemas e marcamos um encontro na Praça da República, num domingo à tarde. Depois, passamos a nos encontrar nessa mesma Praça, no começo das noites, antes de eu dar aulas no CEPC, ou no Colégio “Abraham Levy” (CAL). Desses encontros, recordo-me de duas situações emotivas: a primeira, logo no início de nosso namoro, aconteceu quando tive o seguinte diálogo com ela: Célia, gostaria de dizer-lhe que sou de origem humilde (meu pai é sapateiro e minha mãe é lavadeira), e que tenho alguns dentes postiços. Esta informação era pertinente pois, como era colega de seu irmão no CPOR, ele sabia dessa minha situação tendo em vista que um de meus apelidos lá era “boca de ouro” (o outro, era “Fanhona”), justamente por usar dentes postiços e com as célebres “coroas de ouro” em outros, para a proteção do esmalte. É oportuno registrar que esse tratamento dentário eu havia feito com o Dr. Pedro Bassalho, cujo consultório se localizava na Rua 28 de Setembro, bem próximo da Avenida Presidente Vargas. Registro também que, por ocasião desse tratamento, que aconteceu quando entrei na EEP, em 1954, foram arrancados dois dentes da parte superior da frente. Em vista disso, recebi o apelido de “1001” por ocasião dos Jogos de Calouros quando, ao torcer pela Engenharia contra outra Faculdade, a ausência desses dentes era evidente.

A segunda situação, foi a seguinte. Ainda em 1957, numa das noites em que estávamos namorando em um dos bancos que contornavam o coreto central, defronte de sua casa, ouvimos o saudoso Nelson Gonçalves cantar a música Pensando em Ti, de autoria de Herivelto Martins e David Nasser, cuja letra é a seguinte: Eu amanheço, pensando em ti/ Eu anoiteço, pensando em ti/ Eu não te esqueço/ É dia e noite pensando em ti/ Eu vejo a vida pela luz dos olhos teus/ Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus/ Nos cigarros que eu fumo/ Te vejo nas espirais/ Nos livros que tento ler/ Em cada frase tu estás/ Nas orações que eu faço/ Eu encontro os olhos teus/ Me deixa ao menos, por favor, pensar em Deus. Ainda hoje quando ouvimos essa música, nos lembramos daquele encontro de amor, felicidade e bem querer, que nos mantêm juntos até hoje. Como nessa época eu fumava cerca de quatro maços de cigarro por dia, a metáfora dessa letra – Nos cigarros que eu fumo/ Te vejo nas espirais – era para mim uma realidade!

Quando ainda namorávamos na Praça da República, eu conheci outros futuros cunhados e cunhadas, pois o Joaquim eu já conhecia do CPOR. Assim, lembro-me das gêmeas, Rosa Maria e Ana Maria, levando um retrato emoldurado da Célia, com os cabelos em cachos. Elas levavam, também, um retratinho da Teté, e que a Célia dizia ser a de uma irmã que havia morrido cedo, informação essa confirmada pelas gêmeas. O Valdir era muito pequeno e ficava na porta da casa gritando para mim: “Toquinho”, deixa a minha irmã. A razão desse apelido é porque sou baixo. O Ronaldo (que mais tarde seria meu aluno no CEPC) passava pelo banco em que sentávamos, me pedia os cigarros estrangeiros, principalmente, os com filtro, como o norte-americano Parliement e o alemão Astor. É oportuno registrar que, naquela época, o contrabando grassava em Belém, e várias marcas de cigarros estrangeiros eram vendidas abertamente na Praça da República. Os outros cunhados, o Inocêncio (“Caboco” – esse apelido carinhoso deve-se ao fato de que seu bisavô paterno, também chamado Inocêncio, era assim chamado pela família) e a Marcinha eu os conheci depois quando foram meus alunos no CEPC. Meu conhecimento do Geraldo, aconteceu por dois fatos: o primeiro, quando ele, a pedido da Célia, ia ver se eu estava mesmo trabalhando no escritório do Laurindo Amorim que ficava na frente do prédio do Clube Assembléia Paraense, que ele estava construindo. O segundo, quando o Joaquim ensinava o irmão a dirigir, no carro que eu tinha naquela época, um Vanguard, cujas estórias jocosas passarei a relatar a seguir.

Vanguard

Esse carro, de fabricação inglesa e de cor verde garrafa, foi comprado pelo Seu Alfredo Salame de seu primo, o médico Jorge Antonio da Silva, para mim e para o Moisés Benchimol, quando estávamos construindo as casas do Seu Alfredo, na Travessa Caripunas 1760, por volta de 1960. Embora o carro fosse de propriedade nossa, o Moisés deixava que eu o usasse mais. Assim, eu sempre o utilizava quando ia dar aulas no CEPC. Como ele era bastante usado, sempre dava “prego”, principalmente de manhã cedo quando ele não conseguia dar partida ao ser acionado pelo botão de arranque. Aí, então, eu “irado de raiva”, tentava fazê-lo funcionar usando a sua manivela. Recordo-me de que, várias vezes, na frente de casa, na Travessa São Pedro, dava com a manivela no motor que não queria pegar, pois sempre “afogava”. Depois, aprendi um jeito de movimentar o motor, colocando um pouco de gasolina através do carburador, conforme me foi sugerido pelo mecânico, de apelido “Cabo”, que dava manutenção ao carro, na oficina do Seu Francisco Kovacs, localizada próximo de onde eu morava. Aliás, devido a esse “prego”, muitas vezes tive de recorrer aos meus alunos para empurrá-lo e sair da frente do CEPC.

O carro “importado” (muitos anos mais tarde eu brincava com a Célia dizendo que a família Machado Coelho/Bassalo tinha o privilégio de ser uma das primeiras, em Belém, a ter um carro “importado”), que era vendido pelo então “bicheiro” João Baltazar (agradeço ao amigo João Rodrigues Fernandes essa informação), serviu para o Joaquim e o Manoel Leite aprenderem a dirigir. Em uma das vezes em que o Joaquim estava aprendendo a dirigir viu-se em uma situação inusitada, pois ao se aproximar de uma carroça, puxada por um cavalo, não conseguiu desviar-se e o cavalo vindo na pista oposto à as, pousou as duas patas dianteiras no “capô” do carro. Depois de muitos impropérios ditos a ele pelo português condutor da carroça, o cavalo foi finalmente retirado dessa posição incômoda.

Quando eu saía da casa da Célia, ia, conforme registrei acima, trabalhar no Escritório do Laurindo Amorim. Nele, muitos amigos iam conversar e, às vezes, saíamos para “farrear”. Por essa ocasião, o Manoel Leite, que morava no bairro do Umarizal, próximo do Hospital da Beneficente Portuguesa, ia ao Escritório para que ele pudesse aprender a dirigir. Por volta da meia-noite, saíamos e íamos para a sua casa, com ele na direção. Uma certa noite, defronte da casa do Manuel, eu lhe disse para dirigir sozinho, porém, por precaução, deveria andar devagar. Assim ele fez. Fiquei na frente da casa, enquanto ele contornava o quarteirão. Comecei a ficar apreensivo, pois ele estava demorando muito. Depois de algum tempo, olhei para a esquina daquele Hospital e vi o Vanguard fumaçando demais. Quando ele parou, entendi a razão da fumaça. O Manoel havia contornado o quarteirão com a marcha em primeira, o que forçou muito o motor e acabou fervendo a água do radiador. Caímos na gargalhada quando ele me disse que eu era o culpado do que havia ocorrido, pois, como lhe havia dito para ir devagar, ele só andou de primeira, que é a marcha inicial e lenta. Creio ser oportuno dizer que, toda a vez que encontro o Manoel em qualquer reunião, ele sempre recorda essa situação hilariante.

Ainda no Vanguard passei por momentos angustiantes. Uma vez, eu estava vistoriando a construção das casas do Senhor Orlando Alves, no Largo da Cadeia de São José, quando dei a curva para sair, ouvi um grande estrondo. Pensei que havia caído em um buraco. Era o eixo de transmissão que havia partido. De outra feita, depois de deixar o jantar para o Caboco que estava no CPOR, no Largo de Nazaré, segui pela Travessa 14 de Março e virei na Avenida Governador José Malcher que, nessa época, tinha o sentido invertido e não tinha asfalto, apenas os trilhos do bonde entre paralelepípedos. Quando entrei nessa rua, um dos pneus estourou e eu cheguei em casa, rodando nos trilhos com três pneus e uma “jante”. É claro que tive de comprar um pneu novo e mandar desempenar a “jante”. (Esta é uma palavra francesa que o povo chamava de “janse”.)

Um dos “pregos” comuns no Vanguard ocorria quando o “bendix”, do motor de arranque, engatava na cremalheira. Para soltá-lo, era preciso balançar o carro. Ás vezes, era necessário ficar por debaixo do carro, afrouxar a caixa da cremalheira e soltar o “bendix”. Fiz isso várias vezes. O mesmo acontecia com o Ronaldo quando saía com o carro para namorar. Geralmente a namorada era acompanhada de amigas que, no entanto, não achavam bom quando tinham de descer do carro e empurrá-lo para liberar o “bendix”.

Para finalizar minhas aventuras com o Vanguard, registro que, com ele, levava alguns amigos que freqüentavam a famosa Varanda do Machado Coelho, como era conhecida a reunião noturna de intelectuais, na casa de meu saudoso sogro, e da qual já falei em outros artigos dessas minhas lembranças de vida. Dois deles me preocupavam quando entravam no carro. O médico Adriano Guimarães, porque batia a porta com muita violência, e o advogado e cartorário Edgard Chermont, porque entrava no carro pisando no banco, pois tinha as pernas muito compridas. Aliás, a visita dominical do Dr. Chermont, como era conhecido, era muito esperada pelos filhos do Seu Machado, por ele sempre levar bombons de chocolate para eles. Os outros amigos que freqüentavam a varanda eram levados por um outro “varandeiro”, o então advogado e comerciante, o acima referido João Fernandes, em seu carro Dodge, tão problemático quanto o Vanguard, por isso mesmo conhecido como “furioso”, e cujos “pregos” eram consertados pelo mecânico de nome Orlando.

Minha saga com o Vanguard acabou quando comprei, em parceria com o DMER, um “jeep” Willys, e vendi o carro inglês ao meu cunhado Acrísio. Com o aumento dos problemas mecânicos no Vanguard, o Acrísio, que era mecânico da Varig, levou-o para o Aeroporto de Belém, a fim de para consertá-lo em um hangar dessa companhia aérea. A última vez que o vi, nesse local, ele estava em cima de barris vazios de óleo e sem pneus!

Retornemos, agora, ao início do namoro com a Célia. Depois de alguns meses em que namoramos na Praça da República, passei a freqüentar a casa dela. Essa casa tinha uma escada de entrada, depois um corredor que terminava em uma varanda larga, na qual ocorria a reunião dos amigos de meu futuro sogro. Essa varanda separava a alcova e a sala de visitas. Na direção de seu interior, havia um outro corredor, entre uma pequena área e três quartos de dormir. Nos dois primeiros ficavam as filhas e a tia “Anita”. No último, a mãe da Dona Celina, a Dona Raimunda Sarmento Mártires (“Mundica”). Defronte do banheiro, no final desse corredor, existia uma porta que dava acesso ao porão da casa. Depois do corredor, vinha a sala de jantar e a cozinha. Na parte da frente do porão, embaixo da sala de visitas, existia um quarto de dormir, cujo acesso era por uma porta ao lado da escada de entrada. Nele, dormiam os filhos: Joaquim, Caboco, Ronaldo, Geraldo e Valdir. [Antes, eles dormiam em camas de campanha colocadas no segundo corredor, pois esse quarto-porão era ocupado pelo Guilherme, irmão da Dona Celina, até seu casamento com a professora Lucimar Azevedo Correa. Registro que eles, agora falecidos, tiveram os seguintes filhos: Benedito Jorge Correa Mártires (engenheiro), Goretti Mártires de Sá (advogada), Guilherme Mártires Junior (médico), Izabel Cristina Mártires Redig (comerciante), João Ronaldo Correa Mártires (Juiz de Direito), Raimundo Augusto Correa Mártires (geólogo), Terezinha de Jesus Mártires Medeiros (pedagoga) e Walter Luís Correa Mártires.] Ainda no porão e próximo da escada, ficava uma grande mesa onde, de dia, era passada a roupa da família, que era lavada em um grande tanque que ficava no final do porão. Nessa mesa, de noite, meus futuros cunhados e cunhadas reuniam seus colegas de turma para estudar. Aliás, devo registrar que nessa mesa, nos finais de semana, joguei muito “buraco” (canastra) com dois desses colegas: o saudoso José Augusto da Costa Raiol (engenheiro civil), meu parceiro, e o Renato Cardoso, hoje médico e residente em São Paulo, parceiro da Marcinha, e meu ex-aluno no CEPC. Renato e eu ficávamos tensos quando o “morto” estava grande e, ao jogar fora uma carta, perguntávamos (ou eu para ele ou ele para mim): “between”, quer dizer, entre duas cartas, ou “among”, entre várias. Recordo que sempre brigávamos toda a vez que um de nós perdia a partida (geralmente de 2000 pontos) para o outro.

No dia 31 de janeiro de 1960, fiquei noivo da Célia, cujo pedido formal de noivado foi feito pelo Joaquim. Lembro bem desse dia. O Seu Machado trabalhava em uma escrivaninha, tipo escritório, localizada num dos cantos da varanda, junto à parede dos quartos das meninas, escrivaninha que dispunha de uma lâmpada que subia ou descia quando era acionada uma carretilha. No começo da noite daquele dia, eu, de paletó e gravata (pois ia dar aula mais tarde) e o Joaquim, nos aproximamos de Seu Machado. Ele parou de ler, recolheu a lâmpada e virou-se para nós. O Joaquim então disse: Papai, em nome do Bassalo, estou pedindo a mão da Célia para ele. Com o aceite dado, Dona Celina, já chorando, Célia e as irmãs saíram de seu “esconderijo”, atrás da cortina que separava a varanda do segundo corredor, e vieram me cumprimentar. Certamente dei um discreto beijo na “Nega”, como eu a chamava e a chamo até hoje. Para festejar esse noivado, e fazendo um esforço literário tremendo (lembrar que meu “sentimento artístico é ‘quase’ amortecido”, conforme registrei no artigo que escrevi em minha saga de Magistério e contida nestas lembranças) escrevi, no dia 07 de fevereiro de 1960, o seguinte acróstico para a Célia:

Contigo viverei
E ternamente feliz
Longe de ti serei
I ncapaz de viver
Amor

Noivado em andamento, comecei a comprar coisas para o nosso futuro lar, que seria no apartamento 101 do Edifício Santarém, localizado na Avenida Conselheiro Furtado, bem defronte da Travessa Jurunas (hoje, Avenida Roberto Camelier). Esse Edifício estava sendo construído pelos meus estimados amigos Durval Pinheiro e seu cunhado, José Maria Borges de Carvalho. Lembro-me de que dei como entrada da compra desse imóvel, o cálculo do prédio, e pagava uma prestação mensal de 1.540 cruzeiros. Quando a inflação começou a afetar o brasileiro, por volta de 1960, essa prestação foi reajustada para 2.000 cruzeiros. Nesse prédio, meus estimados amigos Manoel Leite Carneiro e Lourival Franco, colegas de magistério no CEPC, também compraram apartamentos. (Aliás, é oportuno registrar, que foi o Manoel, que também era meu colega de magistério no Colégio “Abraham Levy”, quem me indicou para o CEPC.) Esse prédio tinha seis apartamentos: três de frente e três de trás. O Lourival era dono do 103 e o Manoel, do 201. Quando casei, em 1962, estavam quase prontos apenas os apartamentos da frente, com os três restantes ainda em construção, cujo vigia do barracão de construção era o Seu Humberto. Alguns meses mais tarde passamos a morar em nosso apartamento. Até mudar de lá, em 1967, Célia, eu e nossos filhos Jô e Ádria (esta com meses de nascida), Lourival, Laurinda (filha do casal Antônio e Antonina Coelho, que moravam na Rua Arcipreste Manoel Teodoro, próximo de onde eu morava, na Travessa São Pedro) e a filha Milene, compartilhamos uma grande amizade, mantida até hoje. Recentemente, a Célia deu aulas para as filhas Gabriela e Juliana, da Milene, a quem eu chamava de “Milene Demongeot” pois, quando ela era criança, se parecia bastante com essa bela atriz francesa. É oportuno registrar que na ocasião em que a Milene ia matricular as filhas no curso de português da Célia, o Minerva, ela sempre lembrava a interferência da Célia toda a vez que a Laurinda, sua mãe, a castigava por alguma traquinagem que ela fazia. Quando ela começava a chorar por causa desse castigo, a Célia subia, batia na porta do apartamento da Laurinda e pedia que ela não brigasse mais com a filha.

Na preparação para o casamento, registro que, quando já havia comprado o fogão e um armário de cozinha que, empacotados, ficavam no corredor de entrada da casa da Praça da República, um dos grandes amigos de meu futuro sogro, o poeta, professor universitário (UFPA) e letrista da então Universidade do Samba “Boêmios da Campina”, Ruy Paranatinga Barata, toda a vez que saía dessa casa, depois de uma noitada de papo literário-político com o Seu Machado e seus amigos, olhava para os pacotes e dizia: Machado, toma cuidado que o Bassalo está te enganando com essas compras. Ele está protelando esse casamento. Se não deres um aperto, ele não casa. Aliás, esse ex-deputado federal pelo Partido Socialista Brasileiro gostava muito de brincar com o Seu Machado. Por exemplo, aos domingos de manhã, na volta de uma noitada de boemia no Bar do Parque, ele entrava na casa e, ao ver o Seu Machado sentado na varanda, tendo a Dona Celina por perto, dizia: Machado Coelho, cinqüenta anos de adultério bem sucedido. Quando a Dona Celina reclamava, ele completava: Celina, vai buscar a garrafa de uísque que o Machado guarda debaixo da cama de vocês para eu tirar essa ressaca.

Além dessa gozação do Ruy, outros amigos também brincavam comigo, quer durante o noivado, no dia do casamento e depois de casado, já que, em 1967, conforme já registrei, passei a morar com meus sogros até a morte deles. Ainda por ocasião do noivado, Célia e eu ficávamos sentados no segundo degrau da escada até a hora que eu ia dar aulas. O Raimundo Moura, que foi Presidente do Tribunal Regional do Trabalho – 8a Região e do Tribunal Superior do Trabalho., outro grande amigo de meu sogro, quando se preparava para sair, arrastava os pés no chão, com força, para, segundo ele, nos avisar que ele estava de saída e “deixarmos de nos agarrar”.

Até no dia de nosso casamento, em um sábado, os amigos do Seu Machado brincaram com ele. Assim, na Igreja de Santana, onde ocorreu o casamento civil e religioso, um outro grande amigo do Seu Machado, o médico Maurício Queima Coelho de Souza brincou com ele. Depois do casamento religioso, oficiado pelo Cônego Nelson Soares, um grande amigo do Maurício, fomos para a sacristia esperar o juiz que ia realizar a cerimônia civil, marcada para seis da tarde. Aproximando-se dessa hora e como o juiz custou a chegar, o Maurício angustiava meu sogro, dizendo: Machado, se esse juiz não chegar logo, o casamento não vai valer, pois a cerimônia civil não pode ser iniciada depois das seis da tarde. Seu Machado, nervoso, dizia: Se ele fizer eu passar uma vergonha, eu furo ele. Vale recordar que meu sogro tinha o hábito de usar um punhal, embrulhado em grande quantidade de papel de jornal. Toda a vez que ele se achava “ameaçado”, simulava puxar o “espinho”, como ele chamava o punhal, em forma de estilete, para se defender. Felizmente o juiz chegou na hora marcada, para alívio de meu sogro.

Concluídas as duas cerimônias, fomos para a casa da Praça da República onde haveria uma recepção. Os amigos de meu sogro continuaram “aprontando”. Certa hora da noite, um garçom se aproximou do Seu Machado, e disse-lhe: Professor, eu não posso mais controlar o jantar, pois os doutores avacalharam tudo. Foi o seguinte. Os doutores eram o Ruy Britto, o Edgar Contente e o próprio Maurício que, na cozinha da casa, abriam o fogão, destampavam as panelas para servirem-se mais à vontade dos pratos ali preparados. Por volta das dez da noite, Célia e eu partimos no “jeep” Willys para passar a “lua de mel” em um sítio, próximo de Ananindeua, que havia sido emprestado a nós pelo meu saudoso amigo Alcebíades Moraes (essa amizade decorreu do fato de eu, no Escritório do Amorim, calcular a casa dele que o Amorim estava construindo na Praça da Bandeira). O grande ciúme que eu tinha da Célia fez com que eu escolhesse esse local e que, por ser tão soturno, a “lua de mel” não durou mais de 48 horas. Já na segunda-feira à tarde, dia 08, estávamos de volta a Belém, e iniciamos nossa vida em comum. Aliás, creio ser oportuno dizer que, por causa de meu casamento, não pude votar no Irawaldyr Rocha, na eleição do dia 07 de outubro de 1962, ocasião em que ele se consagrou como um dos vereadores mais votados para a Câmara Municipal de Belém. Também é ainda oportuno dizer que o vestido de noiva da Célia foi confeccionado por ela própria – uma renda guipure que o pai havia mandado buscar em Paris.

Nosso primeiro filho, José Maria Coelho Bassalo (“Jô”), nasceu no dia 16 de agosto de 1963, no Hospital da Ordem Terceira de São Francisco (no mesmo Hospital onde nasci) e sob os cuidados do Dr. Albino Figueiredo. Aliás, esse parto iria ser feito pelo Dr. Adriano Guimarães, mas este se encontrava de férias na Europa. Interessa ainda registrar que foi o Dr. Adriano quem, também, fez o parto do Joaquim e da Maria do Socorro, tendo os demais cunhados vindo à luz pelas mãos da parteira Mãe Laura, muito querida na família. Voltando ao Dr. Adriano, ele era padrinho da Rosa Maria. A Ana Maria, sua irmã gêmea, era afilhada do escritor Manuel Lobato, um dos “varandeiros”. A grande amizade do Dr. Adriano com meu sogro fazia com que ele freqüentasse, a casa da Praça da República (e, posteriormente, a casa da Avenida Governador José Malcher, 629), não raro, mais de uma vez por dia. Além disso, sempre dava um presente de Natal para todos os meus cunhados e dois para a Rosa Maria, sob o argumento de que ela era sua afilhada. Vale recordar que a Célia, já casada, também recebia, mas o presente era dinheiro vivo, pois não queria me deixar envergonhado. Dr. Adriano, além de ser padrinho de nossa filha Ádria, foi quem escolheu esse nome. Segundo Célia me contou, na hora em que a menina nasceu, ele disse: nasceu a minha Ádria (esse teria sido o nome que ele daria a uma filha, se a tivesse). Por tudo isso, todos os filhos de Dona Celina o chamavam, carinhosamente, Amigo Lano. Essa grande amizade com o Dr. Adriano foi estendida aos seus sobrinhos, os também médicos Guilherme e Fernando Guimarães. Até a morte do Dr. Adriano, em 1990, fui um grande amigo dele, inclusive visitando-o, todos os sábados e por muitos anos, em sua casa na Rua Arcipreste Manoel Teodoro. Eu cheguei até a construir a casa de uma de suas “pequenas”, a enfermeira Dalva, na Travessa Djalma Dutra. Registro que, “pequena”, era o nome que o Dr. Adriano dava as suas inúmeras namoradas, dentre as quais, a famosa atriz global Mara Rúbia.

No mesmo ano em que o Joaquim fez meu pedido de casamento (1960), viajou para os Estados Unidos, para a Universidade de Wisconsin, onde se doutorou com a tese sobre o poeta Carlos Drumond de Andrade. Lá, conheceu Jill Young, nascida em 1941, filha do futuro reitor dessa Universidade. Casaram-se, em 13 de abril de 1963, e tiveram as filhas Anita e Dorothea, nascidas, respectivamente, em 25 de fevereiro de 1964 e outubro de 1967. Anita tem um filho Tyson, nascido em 23 de abril de 1987, de seu casamento com Michael Luers, em 1986. Dorothea casou-se com David Cohen, roteirista de cinema. Eles não têm filhos. Joaquim, nascido em 26 de fevereiro de 1938, é hoje Nancy Clark Professor da Harvard University; Jill é Bibliotecária para Assuntos Africanos da Biblioteca Widener, dessa mesma Universidade; Anita é cantora de Música Popular Brasileira, em Boston; Dorothea é atriz de cinema em Los Angeles, e Tyson mora com Joaquim e Jill. Por fim, registro que meu cunhado Joaquim, que também foi professor da Universidade de Stanford, é um pesquisador atuante, com livros e artigos publicados de sua especialidade: Literatura Portuguesa e Espanhola.

Com o nascimento do Jô, minha sogra ficou muito apegada a ele. Assim, nós praticamente passávamos o dia na casa de meus sogros, indo apenas dormir em nosso apartamento. Quando fui para a Universidade de Brasília, em março de 1965, a Célia mudou-se para a casa de seus pais. Contudo, com o término dessa Universidade, voltei para Belém, em novembro de 1965. Como já descrevi em outros artigos destas lembranças, eu havia decidido ir para Brasília por não ter equilíbrio emocional para exercer a minha profissão de engenheiro estrutural. Em Brasília, eu pretendia iniciar uma carreira de pesquisador em Física, trabalhando com o professor Roberto Aureliano Salmeron, que estava organizando um grupo de pesquisas em Física de Altas Energias. Certamente, se esse grupo tivesse vingado, minha vida seria totalmente diferente da que é. Aliás, devo registrar que foi na UnB que comecei a me interessar por outro tipo de leituras (História, Filosofia, Literatura etc.), além de Física, Engenharia e Histórias em Quadrinho; estas realizadas antes de ir para aquela Universidade.

Morando com meus sogros, tive oportunidade de conviver mais de perto com eles, bem como com meus cunhados. Com meu sogro, por exemplo, apesar de nossas constantes discussões políticas sobre esquerda e direita (lembro-me de ele sempre dizer que eu defendia uma “canalha comunista” na antiga União Soviética, e que, somente em 1991, quando acabou o comunismo nesse país, percebi que ele tinha razão), aprendi muitas coisas com ele, e com os amigos que ele reunia na referida varanda. Além do aprendizado por ele transmitido, era muito prazeroso conversar com meu sogro, principalmente quando ele contava as histórias (os “causos”) de seu pai, Joaquim Machado Coelho, a quem venerava muito. Das inúmeras dessas histórias que ouvi, destaco duas delas. O avô paterno da Célia trabalhava no antigo Correios e Telégrafos, sendo responsável pela construção e manutenção da linha telegráfica que seguia a Estrada de Ferro Belém-Bragança. Certa vez, ele se aproximou de um operário que estava cortando capim por cima da linha do trem. Como manipulava o facão lentamente, perguntou-lhe: Mestre, você não tem um outro regime de trabalho? Como o mestre respondeu-lhe que tinha esse “rojão” danado de acelerado, que estava usando, e um outro mais moderado, o pai de meu sogro disse-lhe: Então fique com esse mesmo. Este “causo” é um dos preferidos do amigo João Fernandes. De outra feita, ele perguntou a uma senhora com quem a filha dela havia casado. Ela respondeu-lhe: Seu Machado, não sei se foi com um feitor ou com um doutor, só sei que ele anda na linha do trem.

Durante o tempo em que morei junto com meus sogros, eu gostava muito de brincar com a minha sogra Dona Celina, que foi, para mim, uma segunda mãe. Sendo ela muito católica, certa vez, por ocasião da Semana Santa, disse-lhe: Dona Celina, o mundo está mudando muito. Imagine que a Sexta-Feira Santa deste ano vai cair num Sábado. Ela dizia: Mas quem está fazendo essa maldade, Bassalo. A Célia, intercedia, e dizia: Mamãe, a senhora não está vendo que é brincadeira do Bassalo. Quando eu chegava em casa e não fazia nenhuma brincadeira com a Dona Celina, ela percebia que havia acontecido alguma coisa e virava-se para meu sogro e dizia: Coelhinho, não fale com o Bassalo que hoje ele chegou com o diabo no couro. Como eu discutia sempre com meu sogro sobre comunismo, dizendo-lhe que esse regime poderia acabar com a pobreza no mundo (ingênua ilusão!), certa vez, a Dona Celina vendo na TV alguma notícia sobre o aumento da pobreza no Brasil, virou-se para ele, e falou: Coelhinho, por isso que eu sou comunista como o Bassalo.

Aos domingos, pela parte da manhã, Seu Machado tinha o hábito de visitar sua mãe, a Dona Marcionila (“Dona Marcinha”). Lá saíamos, meu sogro, Dona Celina, Célia e eu em meu “jeep” Wyllis, e íamos vê-la, quer na Travessa Antonio Baena, quer na Avenida Ceará. Na Antonio Baena, ela morava em uma casa geminada mandada construir pelos filhos Waldir e William. Em uma parte da casa, ela morava com o filho solteiro William; na outra parte, morava o Waldir com a esposa Lourdes (viúva de Hernani Ladeira), seus filhos Rita (hoje, médica atuando em São Paulo) e Fausto (geólogo da PETROBRÁS, no Rio de Janeiro), além dos enteados Hernani (engenheiro) e Nazaré (economista). Lembro-me de que, quando o Seu Machado ia fazer essa visita dominical, eu brincava com a Rita, que era bem pequena, dizendo-lhe: O rato roeu a roupa da Rita. [Aliás, eu também brincava, com a filha Vera de outro irmão de meu sogro (por parte de mãe), o tio Artur, que eu apelidava de “Severa Romana”, e também dizia outra frase: Eu fui à Sé ver a Vera, e o seu Ro disse, entra mana, quer com a saudosa Maria da Graça, filha de outro tio paterno da Célia, o tio Wilson, a quem apelidava “pé de arraia”, em virtude de ela ter sido mordida por uma arraia, em uma praia de Mosqueiro. A Graça e sua irmã Maria Lúcia, ambas biblioteconomistas, eram filhas da primeira mulher do tio Wilson, a saudosa tia Alba.] Quando a Dona Marcinha mudou para a Avenida Ceará, junto com o William, Seu Machado (ainda comigo, Célia e Dona Celina) continuou a visitá-la. Por ocasião dessas visitas, ela estava sempre limpa e cheirosa, como na casa da Antonio Baena, esperando por ele, na sala de visita. Nós entrávamos, e meu sogro perguntava como ela ia. Ela, sistematicamente, respondia: Abandonada, meu filho!. Anos mais tarde, para dar maior conforto à sua mãe e ao seu irmão William, Seu Machado alugou uma casa bem ao lado da casa onde morávamos, na Avenida Governador José Malcher 619. Para maior comodidade, ainda, ele mandou abrir uma porta de comunicação entre os quintais das duas casas, para atendê-los em alguma emergência. Depois da morte da Dona Marcinha, em 1974, meu sogro convenceu seu grande amigo Francisco Paulo do Nascimento Mendes para morar nessa casa, junto com as irmãs Antônia (“Totó”), Maria Annunciada (“Nunci”) e Almerinda (esta, irmã de criação). Quando Seu Machado perguntou ao “tio Mendes” (como o chamavam os meus cunhados) se ele queria que fosse fechada aquela passagem, a resposta foi não. Aliás, essa estratégia do Mendes foi muito boa pois, toda a vez que brigava com meu sogro (e brigavam muito!), ele escapulia por aquela “saída de emergência”, depois de xingá-lo, conforme relatarei mais adiante. Essa relação conflituosa entre eles foi tratada por mim em outro artigo destas minhas Memórias.

Antes de falar sobre as viagens ao Apeú, gostaria de acrescentar que Seu Machado, Dona Celina, Célia e eu, também visitávamos, na Travessa Jutaí, no Bairro de São Braz, a viúva de seu irmão Oscar Machado Coelho, Alice Cavalcanti Coelho e respectivos filhos: Hélio, Haydée, Pedro Armando, Paulo Armando e Raimundo Nonato. Destes, apenas o Raimundo Nonato não está mais vivo. Ele era Comandante de um navio da Marinha Mercante e morreu em um acidente no Rio de Janeiro. Hélio e Pedro Armando são ex-bancários, Haydée é biblioteconomista e Paulo Armando é publicitário.

Apeú

A visita dominical a Dona Marcinha foi rareando na medida em que passamos a freqüentar um sítio que foi construído pelo Seu Machado e os irmãos Wilson, Waldir e William, com pequena ajuda minha. Ele situava-se na Vila do Apeú, no município de Castanhal (cerca de 60 km de Belém), em um terreno que fora comprado de um cunhado da tia Lourdes que, conforme dissemos acima, casou com o tio Waldir depois de enviuvar de Hernani Ladeira. Nesse terreno, margeado por um igarapé, nos reuníamos aos domingos de manhã. Para lá iam, também, os “varandeiros” e respectivas famílias, além dos colegas de meus cunhados. Para passear no igarapé, Seu Machado mandou fazer uma pequena canoa, que deu o nome de Jô-Anita, para homenagear seus dois primeiros netos. Nesse igarapé, quase aconteceu uma tragédia. Um certo domingo, estávamos tomando banho em uma parte funda do igarapé. Apesar de toda a precaução que tínhamos com o Jô, ele nos “cinzou” e pulou nessa parte do igarapé, começando a se afogar. O nosso caseiro, Antonio Silva (“Pindoba”), percebendo que não havíamos visto que o Jô estava se afogando, pulou e o salvou.

Com relação ao Pindoba, quero registrar dois fatos interessantes. O primeiro deles refere-se à compra de um rádio de pilhas que ele havia encomendado ao Seu Machado. Depois de recebê-lo, passou a semana inteira ouvindo-o, sem parar. No domingo seguinte, ele se aproximou do Seu Machado e reclamou que o rádio não prestava, pois havia parado de falar. Ele não percebeu que havia esgotado a energia das pilhas. Com a colocação de novas pilhas, Seu Machado disse-lhe que ele deveria dar um “descanso” a elas para que pudesse aproveitar mais o rádio. O segundo fato é o seguinte. Cerca de dois anos atrás, a Marcinha indicou para a Célia uma nova “secretaria” caseira para nós, já que as duas que tivemos por mais de 20 anos não trabalhavam mais em casa: a Maria Domingas Batista, havia pedido demissão, pois pretendia voltar para o interior do Pará, e a Maria Lopes Silva se aposentara pelo INSS. Qual nossa alegria ao saber que nossa nova ajudante, a Dona Birailda Barbosa da Silva (“Dona Hilda”) é filha do Pindoba.

As viagens para o Apeú, programadas por meu sogro se constituíam em uma verdadeira “operação de guerra”. Desde a véspera, sábado, ele começava a arrumar as coisas e me perguntava se o carro que iríamos usar estava em forma. Saíamos por volta das sete da manhã e voltávamos logo depois do meio-dia. Tanto na ida como na volta, a velocidade era em torno de 60 km/h. Lembro-me de que dizia sempre para ele: Seu Machado, o Apeú é muito bom, sem as viagens! Durante o tempo que fomos ao Apeú, mudei duas vezes de carro. Depois do “jeep” Willys veio a “rural” Willys, em seguida, um Wolksvagen (“fusca”). Quando eu não me encontrava em Belém, as viagens ao Apeú eram feitas pela Célia ou pelo meu cunhado Ronaldo que, por essa ocasião, era instrutor de vôo do Aéreo Clube do Pará (AEP). E, nessa condição, às vezes acompanhava nossa viagem ao Apeú com o avião, para desespero do Seu Machado que fazia sinal para ele subir e desaparecer. Gostaria ainda de registrar que, entusiasmado com essas viagens para o Apeú, Seu Machado programou, com o Ronaldo, uma viagem para Bragança, terra natal de Dona Celina. Na véspera da viagem programada, em 1971, o Ronaldo saiu com seu próprio “fusca” para fazer uma farra. Contudo, ele teve um acidente e o carro ficou sem condições de viagem. Quando o Seu Machado se preparou para ir para o Apeú, foi acordar o Ronaldo. Este, sem jeito, disse-lhe que havia batido o carro, mas, que ele não se preocupasse, pois o levaria até o sítio em um avião do AEP. Seu Machado, bastante zangado com ele, disse-lhe: Tu não tens responsabilidade para dirigir um carro, quanto mais um avião.

Antes de o Ronaldo ter seu próprio carro, ele usava emprestado o nosso. Recordo de uma situação desesperada que ele passou na noite de uma véspera de Natal. Ele pediu o “jeep” Willys para ir buscar a Dona Celina que assistia à “missa do galo” na Igreja de Santana. Eu fiquei em casa, dormindo. Por volta da uma hora da manhã, a Célia me acordou dizendo que haviam roubado o “jeep” da frente da igreja. Depois de uma busca infrutífera nas “pensões alegres” de Belém, usando emprestado o “jeep” Willys de meu amigo Manoel Moutinho, encontramos, quase de manhã, o meu “jeep” parado em uma rua transversal da Praça da República e próximo de nossa casa. Os amigos do Ronaldo haviam tirado o “jeep” e lhe preparado essa peça.

A saga das viagens ao Apeú durou cerca de 10 anos. Nesse tempo, o Seu Machado comprou um terreno do outro lado da estrada de rodagem, porém na mesma margem do igarapé do sítio que freqüentávamos. Fomos poucas vezes lá, pois ele acabou vendendo para ajudar na compra da casa da Avenida Governador José Malcher. É oportuno registrar que meu filho Jô, em recente viagem que fez a Castanhal, passou por Apeú e viu, com tristeza, que a casa que os tios Waldir, Wilson e William haviam construído, com todo o carinho e competência, não existe mais.

Já nas décadas de 1970 e 1980, o nosso lazer (dominical e das férias de julho) foi transferido para Mosqueiro, para uma casa que a Célia (usando seu FGTS) e eu compramos na antiga Estrada da Bateria (hoje, Rua Poeta Rodrigues Pinagé), e que fora construída pela então firma PROJEN, de meus amigos Paulo Leal, José Augusto Affonso e Lindolfo Soares. Em 1995, vendemos essa casa para meu cunhado Ronaldo e que permanece com ela até hoje, junto com sua mulher Eliana Chaves Coelho (advogada), e seus filhos Guilherme (advogado) e Breno (administrador de empresas) nascidos, respectivamente, em 21 de novembro de 1953, 09 de setembro de 1978 e 07 de abril de 1981. Registro que o Ronaldo nasceu no dia 03 de maio de 1942, e seu casamento com a Eliana ocorreu no dia 27 de setembro de 1978.

Na década de 1990, nosso lazer dominical passou para um sítio localizado na Travessa Benjamin 81, transversal à Rodovia Transcoqueiro ( ). Ele havia sido comprado do pai do Luciano Fontenele Cerqueira, marido de minha cunhada Ana Maria, pela Célia e as irmãs. O caseiro desse sítio era o Oscar Maciel (“Caboquinho”) que, inclusive, dormia quatro vezes por semana com o meu sogro, desde quando minha sogra morreu, em 1990. Seu acompanhamento noturno, nos outros três dias da semana, era feito pela enfermeira Maria da Glória Figueiredo (“Dona Glorinha”) que, também, cuidava dele durante o dia. Vale acrescentar que aquela Rodovia foi um de meus últimos projetos como engenheiro do DMER, por volta de 1984, um ano antes de me aposentar.

Agora, voltemos a novembro de 1965 quando cheguei em Belém, vindo de Brasília, depois da frustrada tentativa de me tornar um professor de Física (estou usando o termo professor como aquele que fundamenta essa profissão no elo dialético pesquisa-ensino). Conforme um incidente que já relatei em um outro artigo de minha saga acadêmica e que faz parte destas reminiscências, o ano de 1966 foi péssimo para mim pois, ao cumprir, no Curso de Arquitetura da UFPA o “exílio involuntário” que me foi imposto pelo então Reitor da UFPA, minha hipocondria neurótica, da qual falarei mais adiante, começou a apresentar novos sintomas, culminados com uma crise que tive por ocasião do nascimento da Ádria, em 28 de abril de 1967. Gostaria de aproveitar essa ocasião para dizer que foi em 1966 que meu cunhado Inocêncio Mártires Coelho, nascido em 14 de fevereiro de 1941, transferiu-se para Brasília e, na UnB, doutorou-se em Direito e passou a lecionar essa Ciência. Casou-se em 04 de setembro de 1970 com Azize Drumond, nascida em 24 de novembro de 1932, geógrafa, doutora e também professora dessa Universidade. Desse casamento, nasceram os filhos Mário (advogado e mestre em Ciência Política), em 26 de novembro de 1971 e Marcos (advogado, arquiteto e meu afilhado), em 06 de novembro de 1974. Inocêncio foi Procurador Geral da República e, agora, aposentado como Procurador da República e professor universitário, dirige e ensina no Instituto Brasiliense de Direito Público, em Brasília, com Gilmar Ferreira Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Paulo Gustavo Gonet Branco, Procurador Regional da República. Além de professor, Inocêncio é um pesquisador atuante com livros e artigos publicados em diversas Revistas de sua especialidade.

Hipocondria neurótica

Conforme registrei anteriormente, eu nasci muito fraco, em 1935, e as pessoas diziam para a minha mãe que eu não me criaria. Talvez por isso introjetei, inconscientemente, a idéia de morte iminente, conforme me disse meu grande amigo e analista, o médico José Paulo de Oliveira Filho. Esse medo inconsciente da morte, traduzido por um olhar triste, tornou-se consciente depois de uma chuva torrencial noturna ocorrida em uma terça-feira. Ao acordar, na quarta-feira, fiquei com a sensação que morreria nesse dia. A partir daí, durante vários anos tive a sensação de que morreria em uma quarta-feira. Esse medo da morte levou-me a criar a teoria do caderno-vida: receber e pagar, ou seja, o que você recebe da vida deve pagar de alguma maneira. Assim, para mim, o recebimento externo de alguma benesse, por exemplo, a felicidade, deveria ser paga com alguma doença fatal. Quando criança, sempre tive medo de ficar tuberculoso (a tuberculose, nessa época, era mortal), caso pretendesse algo mais que não merecesse. Esse merecimento, em meu entender, era apenas privilégio dos ricos. Ao lado disso, eu pensava que, além de felizes, os ricos também eram generosos, pois deixavam que crianças pobres, como eu, brincassem com seus filhos, cujas brincadeiras relatei na primeira parte dessas minhas recordações. A vida mostrou-me que, de um modo geral e pelo menos no Terceiro Mundo, a generosidade dos ricos é um bom defeito, e não uma virtude!

Tendo em mente aquela teoria, sempre tentei resolver, por mim mesmo, as situações que enfrentei, sem me apaixonar (a paixão sempre tem um preço alto a pagar, dizem os apaixonados) por elas. Por outro lado e de um modo geral, não luto por nada que me impeça de dizer ou fazer o que penso ser certo. Desse modo, deixo que as coisas aconteçam naturalmente, mas, em acontecendo, espero reconhecimento. Contudo, quando esse reconhecimento não vem, sou um crítico azedo, quase sempre (ou sempre) muito ofensivo (meus amigos que o digam). Não costumo atacar gratuitamente as pessoas mas, quando sou atacado, também gratuitamente, me defendo com uma reação muito maior do que a ação (aliás, meu sogro também agia dessa mesma maneira). Registro que a minha aparente humildade é orgulho enrustido; sou vaidoso, sem querer ser; e sou invejoso, sem querer ser. A não aceitação desses comportamentos naturais humanos provoca conflitos no meu subconsciente, gerando, daí, sintomas físicos, conforme me explica o Dr. José Paulo, por ocasião das análises que faço com ele há mais de vinte anos (desde agosto de 1980), toda a vez que novos sintomas orgânicos me aparecem.

A minha postura de não pleitear ou aceitar cargos públicos, que pratiquei ao longo da vida com a justificativa de que, aceitando-os, eu não poderia dizer e falar o que penso, só a entendi quando soube recentemente, ao ler o livro de Alfredo Tolmasquim (Einstein: O viajante da relatividade na América do Sul, Vieira e Lent, 2003), que Einstein, em 1952, havia recusado ser Presidente de Israel, depois da morte do Presidente Chaim Weizmann, com a seguinte afirmação: Se aceitasse, eu teria de optar entre minhas próprias idéias e aquelas que deveriam ser defendidas por um presidente de Estado.

Durante minha vida, tive vários sintomas físicos decorrentes daqueles conflitos. O mais recôndito em minha memória refere-se ao afastamento das imagens que estava vendo. Esse sintoma me apareceu depois de um escorregão que tive na lama da Travessa São Pedro, próximo da Avenida Almirante Tamandaré, depois de voltar das aulas do CEPC, no começo de 1948. Uma das últimas vezes que vi as imagens se afastando aconteceu na UnB, em 1965, por ocasião da crise, já relatada, que culminou com a minha primeira frustração de me tornar um físico. Aliás, quando estudava em Brasília, metade de minha estante era de livros e metade de remédios, que o Mário e a Célia me mandavam. Lembro-me de um desses remédios: Dienpax. Uma segunda crise nervosa aconteceu no final de 1955, quando me preparava para fazer o CPOR. Como trabalhava no então SMER, ensinava no CAL e com o “espectro da morte por tuberculose” rondando sobre a minha cabeça, ao sentir-me fraco, fiz uma consulta com o saudoso Dr. Orlando Pinto, amigo de meus pais. Ele recomendou que fizesse uma chapa de raios-X dos pulmões. Fiz a chapa com o Dr. Direito Álvares, na Rua Santo Antônio, nos altos da então Drogaria Sul Americana. Quando fui recebê-la, vi a enfermeira ler o laudo, colocá-lo dentro do envelope com a chapa e olhar-me com cara de espanto. Ao sair, li o laudo: Campos pulmonares bem iluminados. Minha hipocondria e meu conhecimento de Óptica me fizeram fazer a seguinte reflexão: Se os pulmões estão bem iluminados, significa que eles estão cheio de “buracos” (cavernas, no jargão médico), pois a luz está passando abundantemente e, portanto, estou tuberculoso! Com o laudo na mão, segui para o consultório do Dr. Orlando que ficava, me parece, no Edifício Importadora de Ferragens. Portanto, perto de onde estava. Até chegar lá, a sudorese, característica dos nervosos, apoderou-se de mim. Não sei se tive vontade de me jogar embaixo de algum carro que passava na ocasião. O Dr. Orlando quando viu o laudo, disse-me: Você está bem fisicamente. No entanto, precisa tratar dos nervos. A partir daí, começou a minha peregrinação pelos consultórios de psiquiatras.

O primeiro deles foi o saudoso Dr. Pedro Valinoto. Como era muito amigo de minha tia Luzia, ela me levou para uma consulta em seu consultório, que ficava na Avenida Padre Eutíquio, próximo da Rua Conselheiro João Alfredo. Depois de me examinar, viu que eu estava apenas nervoso; me receitou um complexo vitamínico B e Memoriol, para me ajudar na falta de memória, que eu estava sentindo naquela ocasião. Um outro sintoma físico marcante em minha vida aconteceu em 1967. Eu havia voltado frustrado de Brasília, em 1965, passara o ano de 1966 de “castigo” na Escola de Arquitetura, e a Célia engravidara em agosto deste ano. Em conseqüência disso, comecei a ter uma outra crise nervosa. Meu estimado e saudoso amigo (veja artigo que escrevi sobre ele nestas recordações), o médico Maurício Queima Coelho de Souza, indicou-me seu amigo, o também saudoso médico psiquiatra Messildo Morato Luterbach para tratar de minha neurose. Por ocasião em que estava me tratando com o Dr. Messildo, recordo de outro de meus pavores: o de ficar doido. Quando falava a ele sobre esse medo, ele dizia: Não tenha medo disso, pois quem é doido nunca pensa que é.

Assim, no começo de abril de 1967, o Dr. Adriano Guimarães, que acompanhava a gravidez da Célia, falou-me na possibilidade de ela ter gêmeos. Ora, como havia fechado meu Escritório de Cálculo Estrutural para ir para Brasília e a Célia ainda não trabalhava, passávamos uma crise financeira, pois os salários do DMER e da UFPA não eram condignos (e ainda não são até hoje!). Aí, então, minha crise nervosa agravou-se. Apareceram dores tremendas no ventre direito, que me obrigavam a andar curvado. Além disso, tinha enjôo no estomago, acompanhado de dor de cabeça, que os curava com uma colher do antiácido Milanta Plus e dois comprimidos de Cibalena. Em vista disso, procurei o também saudoso médico Carlos Santa Helena, em seu consultório na Rua Santo Antônio, próximo da Avenida Presidente Vargas. Recordo-me de que, no desespero, procurava-o, pela parte da manhã, no término de suas aulas na então Faculdade de Medicina, na Praça Santa Luzia, dizendo-lhe: Doutor, penso que vou ter, de novo, as dores que sempre sinto. Ele respondia: Bassalo, você não tem nada orgânico, seu problema é apenas nervoso. Aí aconteceu o incidente que narrei no depoimento que dei para o livro do professor B. Sá, e que vou reproduzir a seguir. Em uma dessas dores tremendas (que aconteceu quando a Célia já estava no Hospital da Beneficente Portuguesa, convalescendo do nascimento da Ádria, que ocorrera no dia 28 de abril de 1967), fiz um exame de sangue no Laboratório do Hospital Guadalupe, que ficava no mesmo quarteirão onde nós morávamos, na Praça da República, próximo da Avenida Governador José Malcher. Ao ver que o número de leucócitos era de 16.000, apavorei-me e telefonei para o amigo B. Sá. Quando lhe falei desse número, ele me disse: Bassalo, estás morto. Pálido e sem ação, deixei cair o telefone. Aí, então, meu sogro pegou o telefone e falou com ele e disse a seguinte frase (conforme me lembrou minha cunhada Rosa Maria, que estava presente): B. Sá, meu caboco, me diz o que ele tem. Ouvindo a confirmação da frase que o B. Sá tinha dito a mim, perguntou-lhe o que deveria fazer. Ouviu dele essa preocupante sentença: Nada, apenas esperar e se preparar para o pior. Depois de se refazer desse susto ao tomar um copo com água, sem intervalo, meu sogro telefonou ao seu outro grande amigo, o saudoso Dr. Rainero Maroja, que também tinha um Laboratório de Análises, no Hospital da Santa Casa de Misericórdia, e pediu-lhe que me fizesse um novo exame. Fui lá, levado por meu cunhado Ronaldo. Recebeu-me o Dr. Rainero, na porta do Laboratório e já com uma seringa nas mãos. Tirou-me sangue do dedo indicador direito e examinou-o em seu microscópio. Depois de alguns minutos, virou-se para mim, e disse: Bassalo, diga ao meu amigo Machado Coelho que está tudo bem com você.

Durante essa crise, tive sempre o carinho de meus familiares e dos amigos de meu sogro, com os quais, no decorrer da vida, também passei a partilhar dessa amizade. Contudo, nesta ocasião, quero destacar o desvelo da Célia e de minha cunhada Rosa Maria. A Célia, passando álcool na minha testa para aliviar as dores de cabeça (ainda hoje tenho esse hábito); a Rosa Maria, que dormia no quarto junto com a Célia e em baixo de minha rede, para, juntamente com a Célia, acalmar-me dos pesadelos. Dentre eles, registro dois: leucócitos e amebas gigantescas que queriam me comer; e aflição de encontrar-me no denominador de uma fração que tendia para zero e, portanto, a fração tenderia para o infinito, matando-me quando o atingisse.

Como as dores não passavam, por recomendação do Dr. Adriano, decidi ir para o Rio de Janeiro, em julho de 1967, para junto de meu irmão Mário que trabalhava no então Hospital “Pedro Ernesto” (hoje, Hospital Universitário “Pedro Ernesto”), na Rua 28 de setembro, na Vila Isabel. No Rio, fiz uma série de exames com os amigos do Mário, os saudosos médicos Leo Pinto Carvalhaes e Evaristo Assumpção de Seixas Maciel. Como não encontraram nada orgânico comigo, o Mário levou-me a um médico psiquiatra, em Copacabana. O resultado dessa consulta e sua conseqüência estão narrados em outro texto dessas minhas lembranças, quando trato de minhas atividades de engenharia. Registro apenas o uso do Kiatrium 10 que ele me recomendou, e que me deixou “fora do ar” por 24 horas!

Minha peregrinação por psiquiatras brasileiros continuou. Em 1968, quando estava em São Paulo, meus amigos, o casal de professores Jayme Tiomno e Elisa Frota Pessoa levou-me a um psiquiatra amigo deles. Certamente recomendou-me algum psicotrópico e acalmou-me, dizendo: Professor, não se preocupe, pois essa doença não é mortal. Na tentativa de encontrar uma cura para minha neurose, na década de 1970, procurei um médico homeopata, o Dr. Fernando Brasil, no seu consultório, no início da Rua Tavares Bastos. Apesar de tomar os remédios que ele me prescreveu, voltei a ter novas crises nervosas. Em uma dessas crises, em desespero, fui de noite a casa dele na Avenida Senador Lemos. Depois de me ouvir, começou a prescrever novos remédios. Aguardando o término da receita, fiz o seguinte comentário: Doutor Fernando, se não estou doente e sinto tudo isso, imagine quando eu ficar doente. Eu queria me referir a uma doença fatal (câncer). Ele, calmante, me respondeu: Não, doente você já está. Só que não é mortal.

Ainda na década de 1975, mas precisamente, em outubro de 1975, em uma das viagens que fiz a São Paulo, fui consultar o médico psiquiatra, Laércio de Almeida Lopes, por recomendação de seu cliente, meu amigo Adriano Carneiro. No decorrer da consulta, disse a ele que sempre procurei ser honesto na minha vida, quer particular, quer profissional, e não entendia a razão da minha neurose. Ele disse apenas o seguinte: Sua neurose não é um problema ético. Volte para a sua terra, procure um bom terapeuta, e ele lhe dirá as causas de sua neurose. Anos mais tarde, creio que no final da década de 1990, fiz um comentário ao falecido jornalista Luís Freitas (“Zing”) de que a minha honestidade não era devido à ética (na realidade, moral, conforme me alertou meu grande amigo, o filósofo José Édison Ferreira) e, sim, à falta de coragem para ser desonesto. En passant, gostaria de registrar que, naquele outubro de 1975, na noite do dia 25, eu, e mais alguns assistentes de uma peça de teatro, cujo nome e atores não me lembro, tivemos a triste noticia do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nos porões da ditadura militar brasileira.

Por volta de 1980, novos sintomas orgânicos apareceram em mim. Desta vez, tratava-se de extra-sístoles. Eu vivia pegando no pulso, ou na fronte, para sentir o coração “parar” e depois “voltar”. Como a Célia me via nessa aflição, batia na minha mão e dizia: Tira a mão daí, pois não tens nada. Como esses sintomas continuavam, decidi procurar, em agosto de 1980, conforme já registrei, a ajuda psicanalítica do Dr. José Paulo, amigo de adolescência de meu cunhado Ronaldo. Logo na primeira consulta, disse-lhe: Dr. José Paulo, estou aqui como mais uma alternativa para tentar me curar de meu “nervoso”. Contudo, não acredito em psicanálise pelas várias experiências que já tive. Aí, comecei a narrar essas experiências, as quais me referi acima. Depois de me ouvir, por quase uma hora, ele me disse: Bassalo, vou-lhe contar a seguinte história. Um paciente, como você, procurou o famoso Dr. Sigmund Freud, o inventor da psicanálise, dizendo-lhe: “Doutor, eu quero que o senhor me faça um homem feliz”. Freud respondeu: “Vou apenas dizer porque você não é feliz. A decisão de ser feliz é inteiramente sua”. Claro que, naquela hora, não entendi essa frase. Só comecei a entendê-la com a seqüência de sessões de análise que fiz (e ainda faço) com ele, por quase 25 anos. Creio ser oportuno dizer que conhecia o Dr. José Paulo apenas como excelente referência médica, e também, por ser filho de um casal amigo, José Paulo Oliveira e Collinete Oliveira, que conheci bastante quando exercia a função de engenheiro, comprando materiais de construção em uma casa que era gerenciada por eles.

Durante quase um quarto de século de conversas terapêuticas com o Zé Paulo (como o chamo hoje, assim como ele me chama apenas de Zé), fui aprendendo a conviver com os sintomas físicos que a neurose provoca. Essa convivência, me parece, é a verdadeira “cura” da neurose (sem esquecer a frase jocosa: Freud explica, mais não cura!). Para isso, tive que ler muitos livros que ele me recomendou, assim como refletir bastante sofre certas frases que me disse. Dentre elas, destaco: o talento do Homem é menor do que o desejo de realizá-lo.

Dentre os livros que Zé Paulo me recomendou, o da Dra. Louise L. Hay (Cure Seu Corpo: As Causas Mentais dos Males Físicos e o Modo Metafísico de Combatê-los, Editora Best Seller, 21a. Edição, 2002), tem funcionado como uma verdadeira “bíblia” para mim. Toda a vez que sinto alguma coisa orgânica (corpo), vejo no livro o correspondente emocional (mente). Essa relação eu também a tenho observado nos exames médicos que venho realizando há quase dez anos, os quais controlo com gráficos. Geralmente minhas taxas de triglicérides e de colesterol total acima do normal, registradas no gráfico que fiz, corresponderam a situações de alegria que tive (publicação de um trabalho, elogio de um livro escrito etc.). Essa correlação está de acordo com o que está escrito nesse livro: colesterol em excesso, significa tendência de sufocar os momentos de alegria. Esses sufocos decorrem da idéia que sempre me acompanha, qual seja, a de não poder ser feliz (lembrar meu caderno-vida: receber e pagar).

Na tentativa de explicar a relação corpo-mente estudada pela Dra. Hay e, considerando as observações registradas em sua vivência como terapeuta, o Dr. José Paulo defende a tese de que, aquela relação, é conseqüência de dois tipos de adrenalina controladas pela mente, e espalhadas pelo corpo: doce e ácida. O excesso da segunda em relação à primeira, provoca a doença. Quando ocorre o contrário, a doença não progride. Creio ser oportuno registrar outros livros (Macromicro: A Ciência do Sentir, MAUAD, 1998; O Homem além do Homem, MAUAD, 2001) sobre a origem de doenças decorrentes da relação corpo-mente, escritos pela psicóloga e física Maria Beatriz Breves Ramos. Esses livros me foram indicado por meu amigo Pedro Leon Rosa Filho, a quem agradeço nesta oportunidade.

Quando o Dr. José Paulo me falou de sua tese, no dia 29 de janeiro de 2004, lembrei-me de um artigo que Cattani e eu escrevêramos sobre moléculas enantiômeras (ver meu livro Crônicas da Física, Tomo 5), aquelas que giram o plano da luz, para a direita [levógira L(-)] ou para a esquerda [destrógira D(+)]. O exemplo mais conhecido no mundo é o da talidomida. Ela curava as mulheres do enjôo da gravidez [D(+)], mas provocava deformações no feto [L(-)]. Assim, começamos a pensar na possibilidade de a estrutura molecular da adrenalina apresentar dois tipos de enantiômeros, sem um deles responsável pela doce e o outro, pela ácida. Como se tratava de uma idéia tão absurda (ou revolucionária?), paramos de pensar no assunto. Contudo, examinando a volta dos enjôos no estômago (sem a freqüência e a intensidade dos que tive na década de 1960), no final do ano passado, em uma de nossas sessões, fiz-lhe a seguinte pergunta: Sendo o estômago um de meus órgãos que respondem a qualquer problema emocional que tenho, como vem acontecido há vários anos, por que não tive um câncer e nem uma úlcera? Ele me respondeu: Talvez porque a adrenalina “doce” de seu estômago, anule a adrenalina “ácida” enviada pelo cérebro. A partir dessa colocação, começamos uma pesquisa no sentido de descobrir a existência dessas duas adrenalinas. Com auxílio de meu amigo, o químico e professor da UFPA, Luiz Acácio Centeno Cordeiro, descobrimos que a adrenalina (“ácida”?) que provoca susto e a subseqüente aceleração dos batimentos cardíacos possui em sua fórmula química um carbono que é enantiômero tipo L(-). A partir daí, estamos pensando na maneira de encontrar o outro enantiômero da adrenalina, tipo D(+) (“doce”?). Este é o projeto de pesquisa que pretendemos desenvolver, para o qual precisamos ajuda de neurocientistas, engenheiros eletrônicos e filósofos para ver se o cérebro, quando estimulado por uma emoção, provoca os dois tipos de adrenalina, ou de endomorfinas também enantiômeras.

Por fim, nessas minhas lembranças de minha hipocondria neurótica, creio ser interessante dizer que, na avaliação do Dr. José Paulo, ela deriva do complexo de Deus do qual sou possuidor, uma vez que sou sempre um crítico (juiz) dos problemas que acontecem no mundo e no Brasil, e me revolto sempre que as soluções apresentadas para a solução deles, não estão de acordo com o que penso.

Continuemos descrevendo a minha vida de casado. Com a ida do professor Jayme Tiomno para a USP, em dezembro de 1967, ele me convidou para continuar o que havia sido interrompido em Brasília. Assim, conforme já descrevi em outro artigo desta minha saga de vida, parti para a USP, em março de 1968. Enquanto estudava no então Departamento de Física dessa Universidade Estadual Paulista, minha família ficou em Belém. Por volta do final de 1968, a Célia e seu pai compraram a casa da Avenida Governador José Malcher 629. Ela foi adquirida por 60.000 cruzeiros da seguinte maneira. Uma entrada de 20.000 cruzeiros e 20 prestações mensais de 2.000 cruzeiros. Para a entrada, vendi o apartamento do Edifício Santarém. As prestações, no entanto, foram divididas entre eu e meu sogro. Agora, vou descrever minha vida nessa nova casa, para a qual nos mudamos, em meados de 1969, depois de ela ser reformada.

A 629

Quando voltei da USP, em julho de 1969, minha família e a de meu sogro já estavam morando na nova casa “velha”. Ela tem uma distribuição parecida com a casa da Praça da República. Um corredor de entrada até uma grande varanda, que possui a largura de toda a casa. À sua direita (de quem entra), ficavam a alcova e a sala (transformados em uma sala única, onde se localiza a grande parte da biblioteca de meu sogro), com duas janelas para a rua. À sua esquerda, existe uma garagem, em cima da qual havia um quarto que transformei em minha sala de trabalho. Na seqüência, entre a garagem e a grande varanda, tinha um pequeno compartimento, onde ficava o cofre do Seu Machado, e mais livros, quer dele, quer da Célia. Depois da grande varanda, aparecia um corredor, separando cinco quartos, o sanitário e sala de banho, e um quintal lateral, cujo acesso se dá por uma porta defronte do sanitário. Por fim, a casa terminava em uma grande sala de jantar e a cozinha. O quintal lateral se unia ao quintal de fundo, tendo em seu lado direito um outro sanitário/banheiro. No final desse quintal, em seu lado esquerdo, havia um outro terreno, que ficava depois do quintal da casa vizinha à nossa direita, de quem olha para a rua. Nesse terreno, construímos um apartamento, com um quarto e sala de banho, na parte de cima e, em baixo, um depósito, mais tarde transformado em uma sala de estudo, para onde me transferi quando o Jô passou a dormir e a trabalhar na minha antiga sala de estudo. Esse apartamento foi, inicialmente, ocupado por meus sogros e, depois, por nós: Célia e eu.

De minha vida na 629, recordo de alguns episódios que merecem ser registrados. Para a minha primeira sala de estudo, levei a estante de pau amarelo (que a tenho até hoje) que havia sido feita pelo marceneiro do Seu Machado, o João de Matos Mendonça, ainda quando eu morava na Praça da República. Com o aumento do número de meus livros, fui incorporando novas estantes nessa sala. Uma delas, de acapu, foi construída pelo tio da Célia, Waldir Machado Coelho. Nas estantes dessa sala, eu distribuía os livros por assuntos diferentes. Lembro-me que, numa delas, que ficava próximo da janela, estavam os livros de história da ciência e, também, alguns livros denunciando a tortura da Ditadura Brasileira, dentre eles, o do Gregório Bezerra, em dois volumes. Certo dia, a Ádria, que tinha por volta de 10 anos, foi surpreendia pela Célia, deitada na rede que ficava próximo daquela estanque, lendo a vida desse comunista brasileiro histórico. Aliás, nessa mesma rede, sentava-se freqüentemente meu estimado e saudoso amigo Mário Serra, para conversarmos sobre tudo: Física, Matemática, Literatura, Filosofia e Política. Aprendi muito nessas conversas, pois o Mário tinha uma cultura holística.

A mudança da Praça da República para a 629, não alterou a famosa Varanda do Machado Coelho. Ela permaneceu na nova varanda. Contudo, com os amigos mais íntimos, como o Mendes, Maurício, Benedito Nunes, João Fernandes, Orlando Costa, Adriano Guimarães, Irawaldyr Rocha, Ruy Barata a “varanda” ocorria na sala de jantar, no final da casa. As mesmas discussões entre meu sogro e o Mendes, que aconteciam na Praça da República, continuaram na 629. Depois da morte da mãe do Seu Machado, em 1974, que morava na casa vizinha, com uma porta de acesso entre as duas casas, ele, Mendes, passou a morar nessa casa, conforme já registrei antes. Quando o Mendes não conseguia convencer o Seu Machado da consistência do seu argumento, em qualquer tipo de discussão, encerrava-a, dizendo-lhe: Machado, ou és burro, ou és cretino, ou as duas coisas juntas. Até logo. E saía pela porta referida acima. O Seu Machado não se zangava com ele, pois sabia que essas palavras eram apenas da “boca para fora”, ou seja, sem nenhuma intenção de ofensa.

Nessa sala de jantar, além das conversas intelectuais de meu sogro com seus amigos, ocorreram outros episódios que também me marcaram. Com efeito. Nela, joguei muito ping-pong com o Jô, sempre depois do almoço. A rede, era a tranca da porta dos fundos. Como quase sempre perdia para ele, eu, com raiva, quebrava a bola. Em seguida, dizia para ele: Vai no “O Combate” e compra nova bola. (“O Combate” é ainda uma casa de comércio que fica na esquina da Rua Ruy Barbosa com a Avenida Governador José Malcher.) Como isso acontecia quase todo dia, e como a Célia não conseguia descansar depois do almoço por causa dessas brigas, ela resolveu o problema escondendo uma das raquetes. Aliás, ela também ficava muito irritada, juntamente com a Dona Celina, quando eu jogava bola com Jô, no quintal, pois eu chutava bastante forte em cima dele, exercitando-o para ser goleiro, posição que ele gosta de jogar até hoje em suas peladas. Também eram constantes nossas “brigas”, porque eu não sabia perder, em qualquer outro tipo de jogo que realizávamos: botão, sinuca e totó.

Creio ser oportuno fazer um comentário sobre o jogo de sinuca. Com meus futuros concunhados (Pedro Pinho, Claúdio Cativo Rosa, Antéro Lopes e Luciano Cerqueira, que namoravam, respectivamente, a Rosa, Teté, Marcinha e Ana) e com alguns amigos, principalmente o Renato Cardoso e o José Raiol, jogávamos sinuca em um pequeno conjunto de plástico, cujo taco era acionado por uma pequena mola. Lembro-me que a bola 5, a bola azul, não era totalmente esférica, era oblonga, parecida com a cabeça do Luciano. Claro que isso era motivo de brincadeira com ele. Como jogávamos muito, certo dia, véspera do Círio de Nazaré de 1970, resolvemos fazer uma coleta para comprar uma mesa de sinuca, média, que estava à venda na Mesbla, e que custava 500 cruzeiros. Ah! quantas brigas eu tive com meus futuros concunhados, com o Renato e, principalmente com o Jô, toda a vez que perdia nesse jogo de sinuca.

Também na sala de jantar, no final das tardes, e nos sábados e domingos, pela manhã, o Seu Machado tinha o hábito de tomar cerveja (e, também, uísque, e aperitivos: Cinzano, San Remy, San Raphael, Campari etc.) com amigos, genros e filhos, em uma mesa de tampo de mármore, que ficava próximo da janela que dava para o quintal lateral, e junto ao lavatório. Dentre os amigos, o Irawaldyr era uma presença constante, tanto nos sábados, quando saía da reunião na casa do João Fernandes (da qual até hoje eu participo), quanto nos domingos, quando, inclusive, almoçava conosco.

Um problema de coluna na Célia levou-nos a mandar construir uma pequena piscina (equivalente a uma raia), no quintal lateral, entre a sala de jantar e o muro divisório com a casa do Mendes. Além de a Célia fazer os exercícios diários de fisioterapia, todos nós (inclusive meus sogros e alguns amigos) usávamos essa piscina para nos refrescar, nos finais de semana. Contudo, quando o Seu Machado estava tomando a sua cerveja, e os netos pulando na piscina, ele sempre pedia para “não me esbarrarem água pra cá” enquanto pulavam na piscina, para não molhá-lo. Essa advertência, contudo, nem sempre funcionava. Por exemplo, certa tarde, quando o Seu Machado tomava a sua habitual cerveja, três de seus netos, Antonio Guilherme (“Gaega”) e Pedro Paulo, filhos da Rosa e do Pedro Pinho, e o Cláudio (“Claudinho”), filho do Claudão e Teté, passaram por ele em direção à piscina, e receberam, como de praxe, aquela advertência. Ao chegaram lá, o Gaega, de pronto, empurrou seu irmão e seu primo para dentro da piscina. Ao se recuperarem da queda, com raiva, começaram a persegui-lo. Para fugir dessa perseguição, o Gaega pulava de uma borda até a outra da raia. Contudo, num desses saltos, ele não pôde evitar que seu pé “esbarrasse água” no avô. Percebendo o quê o Gaega havia aprontado, os três pularam para dentro d´água para fugir do “carão” do avô que, indignado”, dizia-lhes: Vou lhes dar um safanão. Também era inócua outra advertência que dava aos seus netos, principalmente o meu afilhado “Gaega”, para não comerem todo o queijo que ele separava para acompanhar a cerveja.

Aliás, o Gaega aprontou muito comigo. Por exemplo, quando eu estava dormindo na rede de minha sala de estudos, encima da garagem, conforme já registrei, ele vinha calmamente, apitava a buzina de nosso carro, um Corcel/Ford que ficava nessa garagem, e saia correndo. De outra feita, eu tomava banho no apartamento do fim da casa, ele veio sorrateiramente e trancou a porta, cujo trinco era externo. Ele, sentado na escada de acesso a esse apartamento, ficava achando graça dos berros que eu dava para a Rosa, pedindo para abrirem a porta. O maior desespero que ele preparou para mim aconteceu em uma véspera de fim de ano, quando ele prendeu o mecanismo de descarga do sanitário que ficava no final do corredor. Depois de eu levar várias latas de água para realizar a descarga, seu primo, o Eduardo (“Dudu”), filho da Ana, vendo minha aflição, denunciou a traquinagem do Gaega. Por fim, ele quase me leva à loucura quando, ensinando-lhe matemática, perguntei-lhe quanto era zero vezes dois. Ao responder dois, gritei para a Rosa tirá-lo de perto mim, pois ele queria me desmoralizar. Hoje, sou uma espécie de “guru” para qualquer coisa que ele pretenda realizar em sua vida.

Voltemos à fisioterapia da Célia. Certo dia, quando ela fazia esse exercício na raia, a Dona Celina atendeu ao telefone, que ficava no corredor, próximo da sala de jantar. Era alguém do Centro de Letras e Artes da UFPA, que perguntava pela Célia, então Diretora desse Centro, para resolver algum problema administrativo. Dona Celina, respondeu: Ah! meu bem, ela está tomando um belo banho. A Célia, que ouvira essa resposta, falou da piscina: Banho não mamãe, estou fazendo fisioterapia por causa de meu problema de coluna.

Era também nessa sala de jantar que, aos sábados à noite, eu reunia meus cunhados e concunhados para uma noitada de bebedeira. Também participava dessa noitada, o saudoso Anfrísio Nunes, cunhado do Claúdio. Geralmente, eu comprava um garrafão de vinho de cinco litros (“Urussanga” ou “Dom Bosco”), e tomávamos. Eu tinha o hábito de misturar o vinho com açúcar o que, no dia seguinte, provocava uma tremenda dor de cabeça. Também tomávamos batida de cachaça, misturada com limão ou pasta de amendoim. Tanto o vinho, quanto a batida, eram sorvidos com muito gelo, que eu preparava em latas de leite Ninho, colocadas em um pequeno “freezer” que ficava em um canto dessa sala. A noitada começava quando meus sogros se recolhiam para o apartamento que ficava fora da casa. Pois bem, para dar início a essa farra, eu pegava as latas de leite Ninho, com a água completamente petrificada e, para obter pedaços de gelo, começava a bater nelas, com um martelo de alumínio da Dona Celina, que era usado para amaciar carne. Minha estimada e saudosa sogra, ouvindo as marteladas que dava, comentava com meu sogro: Ih! Coelhinho, o Bassalo já vai começar a bebedeira.

Ainda nessas noitadas, eu também preparava, com a ajuda da Marcinha e do Antéro, um drinque chamado “Cingapura-Sa”, cuja receita [Gim (1 medida), Cherry Brandy (2 medidas), limão (1 medida), açúcar e gelo] eu consegui de um garçom do Restaurante Miako, que ficava na Rua Primeiro de Março, atrás do Hotel Hilton. Junto com meus cunhado(a)s e concunhado(a)s, eu e Célia tínhamos o hábito de sair para jantar em alguns restaurantes de Belém, dentre eles, e com mais freqüência, nesse Restaurante japonês, que nos foi indicado pelo Dr. Adriano Guimarães, quando ele se localizava junto a sua casa, na Rua Arcipreste Manoel Teodoro.

Vale recordar outras histórias que aconteceram na 629 com a grande dedicação da enfermeira Dona Glorinha com minha sogra e, posteriormente, com meu sogro quando este ficou viúvo. Todos os dias, por volta do meio-dia, ela fazia uma reza que era acompanhada por Dona Celina. O Gaega, que também a ouvia, lembrou-me de seu teor: Meu Deus, não devemos te pedir, só te agradecer. Mas te pedimos por Totó, que grita o dia inteiro, por Socorro, que não faz nada no Rio, e por Ádria que chega tarde e não vai trabalhar cedo. O motivo dessa reza, era o seguinte. A Totó, irmã do Mendes, nosso vizinho, estava com uma crise nervosa muito grande e vivia gritando pedindo ajuda. A Socorro, minha cunhada, estava fazendo Residência Médica no Rio de Janeiro e sempre pedia auxílio financeiro ao pai. Em vista disso, achavam que ela não queria arranjar emprego para se sustentar. A razão dessa atitude da Socorro decorria de sua dedicação integral à Oftalmologia, além do custo elevado dos livros dessa especialidade médica. Uma história da Ádria merece destaque. Ela já trabalhava no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), emprego esse conseguido pelo Irawaldyr, então Presidente desse Tribunal. Quando ela chegava no final da madrugada de suas saídas noturnas, ficava dormindo até tarde e chegava atrasada no emprego. É oportuno notar que o atraso da Ádria no TCM era sempre motivo de reclamação por parte do Irawaldyr, quando estava na 629. A Dona Celina, ouvindo uma dessas reclamações, disse a ele: Ira, meu bem, não se preocupe com o atraso da Ádria, pois ela tem uma amiga que bate o ponto para ela. O Irawaldyr não se conteve, e deu uma gostosa gargalhada, daquelas que irritavam o meu sogro pelo seu estrondo.

Ao finalizar essas recordações sobre a minha vida de casado na 629, gostaria de acrescentar que foi nessa casa que minha sogra faleceu no dia 29 de abril de 1990, com um pouco mais de 75 anos de idade, pois nascera no dia 07 de abril de 1915. Com sua morte, e com Jô e Ádria, já casados e morando fora dela em seus apartamentos, a 629 tornou-se muito grande apenas para meu sogro, Célia, eu e o saudoso Maximiliano Pacheco dos Santos (“Nêgo”), que morou nessa casa durante 20 anos. (Recordo que ele passou a morar conosco depois que a nossa “secretária” doméstica Maria de Jesus Braga Serrão deixou de trabalhar na 629.) Assim, começamos a pensar em mudar dessa casa. Em 1994, o Governo do Estado do Pará estava interessado em fazer o Museu do Estado. Para isso, precisava de peças de antiguidade. A Célia, com a orientação de seu pai, havia reunido, por mais de trinta anos, uma coleção de peças Art Nouveau (parte catalogada no livro que escreveu e intitulado “Art Nouveau” em Belém, Grafisa, 1984). Tendo conhecimento dessa coleção (cerca de 120 peças, inclusive a mobília de sala do famoso político paraense, o Intendente e Senador Antonio Lemos), o então Governador, Jáder Fontenele Barbalho, fez uma oferta de compra e a Célia aceitou. Assim, compramos no “osso”, sem acabamento, o apartamento 1601 do Edifício “Delta Garden”, na Avenida Serzedelo 347. Depois de concluirmos seu acabamento, que foi realizado por nosso filho arquiteto Jô, tendo o Taciel Braga Monteiro como Mestre de Obras, e o Jocélio Ferreira dos Santos, cuidando da parte elétrica e hidráulica, nos mudamos para esse apartamento em março de 1995, no qual moramos até o presente. Hoje, a 629 abriga o Curso Minerva da Célia, no qual ela, juntamente com as professoras Ana Maria (minha cunhada). Maria Angélica Pinho e Rafaella Capela Leão (monitora), ensinam Português para alunos do curso fundamental e médio, além do Meia Dois Nove Arquitetura e Consultoria, o Escritório de Arquitetura do Jô e de seu sócio, o também arquiteto Flávio Campos do Nascimento, tendo como auxiliares os arquitetos Daniel da Silva Leão, Emerson Bruno de Oliveira Gomes, Kyara Altoé Rigoni Corrêa e Renata Leitão Barroso, e o agrimensor e engenheiro civil Júlio César Mascarenhas Aguiar. O serviço de limpeza e os serviços gerais da 629 são feitos, respectivamente, pelos irmãos Jossiney (“Jossa”) e Natalino (“Valdir”) Santana dos Santos (este, trabalhou para a família Machado Coelho/Bassalo na 629, até quando mudamos para o Delta Garden). Por fim, é oportuno registrar que meu sogro morou conosco até morrer no dia 23 de novembro de 2001, com mais de 92 anos de idade, pois nascera no dia 17 de maio de 1909.

Aliás, naquele fatídico dia 23 de novembro, uma sexta-feira, quase eu, a Célia e o Caboco morríamos em um acidente de carro. Com efeito, por volta das duas horas da madrugada desse dia, fomos chamados para ir até o Hospital Incor, na Rua Gentil Bittencourt, próximo da Travessa 14 de abril, pois meu sogro não estava passando bem. Pegamos nosso carro, um Honda Civic, e fomos para lá. Quando nos aproximamos da Travessa Rui Barbosa, uma camionete dirigida por um motorista bêbado (cuja identidade desconhecemos) avançou o sinal e a Célia, que estava dirigindo, freou um pouco e tocou de leve na camionete. Esta rodopiou e parou em uma mangueira. Apenas com um baque na dianteira, seguimos em frente, pois o Seu Machado estava morrendo, o que aconteceu cerca de cinco e meia dessa madrugada. Escapamos por uma fração de segundo. Sempre digo que meu sogro, antes de morrer, nos salvou! Registro que, hoje, nosso carro é um Honda Fit, comprado depois de um outro Honda Civic que substituiu o do acidente, e que, entre o “fusca” e o Fit, tivemos mais três marcas de carros: Corcel I, II e Escort, da Ford, e Monza e Vectra, da GM.

Aquele dia fatídico em que ocorreu a morte de meu sogro deixou, também, na minha lembrança, uma imagem poética. Foi durante o seu enterro. Após ser velado na Academia Paraense de Letras, em sua sede defronte do Quartel dos Bombeiros, seu corpo deixou esse recinto logo depois da tradicional e característica chuvarada das quatro horas da tarde, dirigindo-se para o Cemitério de Santa Izabel, para o jazigo da Família Mártires. Aí, os coveiros aguardavam a chegada do caixão que estava sendo levado por seus netos: Jô, Alex, Alan, Gaéga, Claudinho, Leonardo, Guilherme, Breno e Ricardo. Ao olhar aquela cena, lembrei-me dos anões conduzindo, pela floresta, a Branca de Neve, envenenada pela Rainha Má, conforme registrado no filme que Walt Disney realizou, em 1937.

Cunhado(a)s e Concunhado(a)s

Dos onze filhos de meus sogros, nove moravam na 629, pois o Joaquim e Caboco já haviam saído de Belém, conforme já anotei. O Ronaldo ficou lá até 1973, quando foi trabalhar em Macapá. Na volta, em 1975, passou a morar sozinho. Os demais foram saindo, na medida em que iam casando. Nesta oportunidade, farei um pequeno relato de meus cunhado(a)s e respectivas famílias, na ordem que deixaram a 629. O Geraldo, nascido em 24 de setembro de 1948, foi o primeiro a sair, um pouco depois de seu casamento com Carmen Helena Watrin, nascida em 08 de abril de 1946, com quem casou em 27 de novembro de 1968. Hoje estão divorciados. Desse casamento, nasceram dois filhos: Alex, no dia 20 de junho de 1969, e Alan, no dia 02 de outubro de 1974. Alex, especialista em informática, casou-se em 10 de abril de 1999, com a advogada Magáli Moraes Rosa, nascida em 07 de dezembro de 1971, e têm uma filha de nome Vitória, nascida no dia 27 de novembro de 1999. Alan, Bacharel e Licenciado em História, aluno do Curso de Mestrado em História da UFPA tem um filho de nome Felipe nascido em 01 de dezembro de 2000, de sua união com Ana Paula Macedo Cunha, de 08 de junho de 1986, também Bacharela e Licenciada em História. Vale assinalar que meu cunhado Geraldo, Mestre e Doutor em História, respectivamente, pela Universidade Federal Fluminense e Universidade Nova de Lisboa e professor Adjunto da UFPA, é o atual Diretor Geral do Arquivo Público do Pará. Destaco ainda que ele, além de professor, é pesquisador atuante com livros e artigos publicados sobre temas de sua especialidade.

Em 1972, duas cunhadas saíram da 629. A primeira delas foi a Rosa Maria, nascida em 03 de março de 1945, ao casar-se, em 22 de janeiro de 1972, com Pedro Pinho de Assis, de 29 de junho de 1943. Ambos obtiveram os títulos de Mestre e Doutor em Letras, pela UFRJ, são professores aposentados da UFPA, assim como são pesquisadores atuantes. No momento, a Rosa é professora da Universidade da Amazônia (UNAMA), com livros e artigos publicados em assuntos relacionados com Língua e Literatura. O Pedro, por sua vez, além de Literatura, gosta também de Filosofia, de pintura, de música, e de antiguidades. O casal Assis tem dois filhos, Pedro Paulo e Gaega. Eles nasceram, respectivamente, em 17 de julho de 1974 e 11 de setembro de 1977. O Pedro Paulo casou-se, em 26 de julho de 2000, com Gabriela Maria Fernández Coimbra, nascida em 10 de março de 1977, e têm um filho de nome Bernardo, nascido em 14 de junho de 2004. Ambos são médicos, com Residência Médica em Nefrologia, realizada em São Paulo, no Hospital Brigadeiro-SUS, no período de 01 de fevereiro de 2002 até 31 de janeiro de 2004. Hoje, eles atuam em vários hospitais de Belém, dentro dessa especialidade. Gaega, dirige uma fazenda de propriedade sua e de seu pai, além de ser um “expert” em mercado financeiro (“trader”), com treinamento realizado nos Estados Unidos da América, com um dos “papas” mundiais desse assunto: Joe Ross. En passant, creio ser oportuno registrar que, quando o Pedro Paulo tinha 22 dias de idade, e como Pedro e Rosa estavam realizando o Mestrado na UFRJ, em 1974, Célia e eu tomamos conta dele por um período de oito meses. Desse modo, tivemos o privilégio de ser seus “pais afetivos” por esse tempo.

A segunda cunhada que saiu da 629, ainda em 1972, foi a Teté, nascida em 13 de dezembro de 1949, para casar com o Claúdio Cativo Rosa (“Claudão”), de 02 de fevereiro de 1945, que é arquiteto e professor aposentado da UFPA. Desse casamento, ocorrido no dia 05 de fevereiro de 1972, nasceram Cláudio (“Claudinho”) e Celina, respectivamente, em 31 de julho de 1973 e 15 de outubro de 1975. Claudinho (meu afilhado) é engenheiro civil e casou-se em 28 de setembro de 2003 com Patrícia Veríssimo Portela, nascida em 21 de agosto de 1974, e administradora de empresas. Por sua vez, Celina, arquiteta e, atualmente, realizando o Curso de Direito na UNAMA, casou-se com Márcio Raposa Silva, em 20 de setembro de 1997. Desse casamento, nasceu Maria Luiza em 21 de novembro de 1998. Hoje, estão divorciados. Registro que minha cunhada Teté, Mestre em Economia pela UFPA e professora aposentada dessa Universidade, já exerceu vários importantes cargos públicos no Pará, dentre os quais destaco a Secretaria Executiva da Fazenda do Estado do Pará e a primeira Diretoria Geral da Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), criada em 2003. No momento, é a atual Secretaria Especial de Gestão do Governo do Estado do Pará. Lembro-me de que, no começo da vida do Claudão e da Teté, tive o prazer de convier com eles, quer brincando de bola no terreno da casa que moraram na Travessa Quintino Bocaiúva, quer como “hóspedes” em nossa casa de Mosqueiro. Como eu brincava muito com o Claudinho, certo dia de julho de 1980, quando estávamos passando férias nessa casa da ilha balneária, ele, Claudinho, desesperado com as brincadeiras, me disse: Tio Bassalo, saía já da minha casa, pois não agüento mais o senhor!

Logo depois, em 1973, mais duas cunhadas saíram da 629. A primeira foi a Marcinha, nascida em 07 de maio de 1943. Quando era biblioteconomista da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), conheceu o economista Antéro Lopes, nascido em 13 de março de 1941. Casaram-se em 14 de abril de 1973. Depois de passarem mais de nove anos em Macapá, entre 1975 e 1985, onde o Antéro exerceu as funções de Secretário de Planejamento do Estado do Amapá, eles voltaram a residir em Belém. No momento, a Marcinha realiza trabalhos de tecelagem computadorizada e o Antéro, dirige o setor de formação de pessoal especializado da Secretária da Fazenda do Estado do Pará. Lembro-me de que, quando eles moravam na Travessa Ruy Barbosa, próximo da 629, eu ia todo o final de tarde para a casa deles para assistir a novela Ídolo de Pano, da Televisão Tupi, cujos principais atores eram o Denis Carvalho e o Toni Ramos.

À saída da Marcinha, seguiu-se a da Ana Maria, nascida em 03 de março de 1945, para casar-se, em 05 de maio de 1973, com Luciano Fontenele Cerqueira, de 25 de janeiro de 1945. Ele é administrador de empresas e, até aposentar-se, foi um excelente técnico na antiga Centrais Elétricas do Pará (CELPA). Ana é professora aposentada do Núcleo Pedagógico Integrado (NPI) da UFPA e, no momento, ministra língua portuguesa no Curso Minerva da Célia, conforme já registrei. Eles têm dois filhos: Leonardo e Eduardo (“Dudu”) nascidos, respectivamente, em 27 de janeiro de 1976 e 21 de outubro de 1979. Leonardo, meu afilhado, é médico formado pela UFPA e, no momento, está se especializando em Cirurgia Plástica, no Rio de Janeiro. O Dudu, Mestre em Informática, está em Coimbra, concluindo o Doutorado em Informática. Eu sempre brinquei muito com a Ana, porém, quando as brincadeiras passavam do limite, ela se irritava e, como gosto muito de seus filhos, ela ameaçava proibir-lhes de falar comigo. Uma outra coisa que a irritava era quando, para fazer sua declaração de Imposto de Renda, eu telefonava para ela reclamando que os documentos que me entregara não estavam completos. Um certo dia, ela me mandou o seguinte bilhete: Bassalo, se não entenderes, eu te explico amanhã. Não tem ataque nervoso e nem me liga gritando. Beijos, Ana. Em vista do inusitado bilhete, guardei-o em minha mesa de estudos, por baixo de uma lâmina de vidro. Ele permanece lá até hoje, junto com algumas fotografias da minha família e de amigos.

O penúltimo cunhado a sair da 629 foi o Valdir. Nascido em 21 de setembro de 1952, é Bacharel em Direito pela UFPA. Casou-se com Maria da Glória Lima de Lima (“Glorinha”), em 16 de novembro de 1977. Ela, nascida em 08 de fevereiro de 1949, é filha do Ilmar Mendes Lima (Capi), o lendário jogador de futebol do Clube do Remo, e irmã de meu ex-aluno do CEPC, o Olivar Antonio (“Toninho”, para seus familiares e “Capi”, para seus colegas do CEPC), Doutor em Geociências pela Universidade Federal da Bahia, Professor Titular dessa Universidade, e com pós-Doutoramento nos Estados Unidos. Glorinha, formada em Administração de Empresas, é hoje funcionária aposentada do INSS. O Valdir exerce a função de advogado na Secretaria de Cultura do Estado do Pará. Eles têm dois filhos: Roberta e Ricardo, nascidos em 06 de maio de 1979 e 28 de dezembro de 1982, respectivamente. Roberta, publicitária e aluna do Curso de Direito da UNAMA, casou-se em 06 de setembro de 2002, com o também publicitário Luís Paulo Lima Valério, de 26 de abril de 1979, e têm o filho Paulo Victor, nascido em 05 de agosto de 2004. Ricardo, concluinte do Curso de Administração e Comércio Exterior do Centro Universitário do Pará (CESUPA), é um fanático torcedor do Flamengo, condição essa que me motiva a brincar com ele toda a vez que seu time perde para o meu Vascão. É claro que, quando ocorre o contrário, ele é que brinca comigo. Gosto muito do Valdir e da Glorinha e, sempre que possível, nos reunimos em sua casa, aos sábados, junto com outros cunhados e respectivos filhos, para saborear um picadinho de carne de gado (PM: “picadinho de merda”, como o chamo), junto com farofa e batata frita, preparado pela Glorinha.

Por fim, a última cunhada a sair da 629 foi a Maria do Socorro (“Socó”), nascida em 08 de maio de 1959, e afilhada minha e da Célia. Formada em Medicina pela UFPA, em 1985, foi para o Rio de Janeiro para fazer Residência Médica, no Hospital dos Servidores do Estado, entre 1986 e 1988. Hoje, especialista em Oftalmologia, vive no Rio de Janeiro com o advogado Nelson Sidney Carvalho Silva, de 19 de março de 1957, de quem tem a filha Mariana, nascida em 15 de julho de 1997. Como a Socó nasceu quando a Dona Celina tinha 44 anos de idade, e como morávamos com meus sogros, ela praticamente foi criada pela Célia. Em vista disso, Socó tem uma verdadeira veneração por sua irmã-mãe; também, é claro, a Célia tem uma afeição especial por ela. Célia é igualmente madrinha de batismo de Mariana. O padrinho, é o Gaega.

Minha família

Ao concluir estas lembranças de minha vida, quero destacar outros aspectos não abordados até aqui, relacionados com meus sogros, minha mulher e meus filhos. Quando comecei a namorar a Célia, em 1957, seu pai era Chefe de Gabinete da então Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) (criada pelo Presidente Getúlio Vargas, em 1953), dirigida pelo grande historiador da Amazônia, professor Artur César Ferreira Reis, seu amigo e compadre (ele era padrinho do Caboco). Ao ser escolhido Superintendente, Artur Reis se reunia com meu sogro, na casa da Praça da República, para discutir a equipe com quem iria trabalhar nessa árdua missão, qual seja, a de desenvolver a Amazônia. Antes de exercer essa função, meu sogro dera aulas de Francês na antiga Fenix Caixeiral Paraense, assim como trabalhou (como repórter e redator) nos jornais A Folha do Norte e O Estado do Pará. Em 1946, foi nomeado Diretor do Museu Paraense “Emílio Goeldi”, por seu amigo o Coronel Joaquim de Magalhães Cardoso Barata. Ele exerceu esse cargo até começo de 1951, quando Barata perdeu a eleição para Governador do Pará, ganha pelo Marechal Alexandre Zacarias de Assunção, na célebre eleição de 1950, já por mim referida. Na década de 1960, foi nomeado Secretário de Junta do Tribunal Regional do Trabalho da 8a.Região, indicado por seu grande amigo, professor Doutor Aloysio da Costa Chaves. Em 03 de julho de 1969, assumiu a Secretaria Geral da UFPA, no Reitorado do Dr. Aloysio, ficando nesse cargo até o final do mandato, ou seja, 03 de julho de 1973. Quando este professor de Direito do Trabalho foi nomeado Governador do Estado do Pará, em 1974, convidou meu sogro para organizar a Secretaria de Cultura de seu Governo. No entanto, como o Dr. Aloysio sempre o ouvia nas situações mais delicadas com que teve de lidar em sua vida pública, preferiu tê-lo por perto e, portanto, nomeou-o para dirigir a Secretária Geral do Palácio do Governo, com o status de Secretário de Estado. O Professor Machado Coelho, como era conhecido, voltaria a exercer este mesmo cargo nos Governos do Coronel Alacid da Silva Nunes e do Bacharel em Direito Jáder Fontenele Barbalho.

Além das atividades administrativas mencionadas acima, meu sogro foi um intelectual atuante no Estado do Pará, conforme já tive oportunidade de registrar ao falar da famosa Varanda do Machado Coelho. Como era um amante da cultura francesa, fundou a Aliança Francesa do Pará para divulgar essa cultura em nosso Estado. Sua tradução dos poemas do poeta francês Paul-Marie Verlaine, a qual intitulou Minhas Canções de Verlaine (Gráfica e Editora Falangola, 1951), é considerada, pelos entendidos, como uma obra prima. Por causa disso, por duas vezes, mereceu honrarias do Governo Francês: La Croix de Chevalier dans l´Ordre des Palmes Académiques, do Ministère de l´Éducation Nationale, em 27 de setembro de 1956, e a Ordre National de La Légion D´Honneur, no grau de Chevalier, da République Française, em 04 de janeiro de 1973. Entre 1952 e 1953, foi colaborador do jornal A Província do Pará, com a coluna semanal intitulada Sapos e Estrelas (que está sendo reunida em um livro, a ser editado brevemente), na qual abordava os mais variados assuntos, envolvendo literatura, sua especialidade, ciência e política, sempre com um toque de humor e, quando oportuno, com alguma dose de ironia. Meu sogro também fazia conferências sobre vários temas bastante intrigantes, como, por exemplo, O feitiço na literatura, na arte e na vida, transformado em livro com o mesmo título, e editado pela UFPA, em 1963. Foi Membro da Academia Paraense de Letras e do Conselho de Cultura do Estado do Pará, tendo exercido a Presidência deste Conselho por algumas vezes.

Meu sogro não só gostava de ler, como tinha um verdadeiro respeito pelos livros, preferencialmente os costurados (ele tinha verdadeira aversão ao livro colado). Ele os encapava, quando estava lendo, bem como os lia com uma abertura em forma de V, com um ângulo em torno de 45 graus, o suficiente para lê-lo e não quebrá-lo, hábito e cuidado que transmitiu a todos os leitores da família. Seu Machado detestava quem lia um livro completamente aberto. Ele lia com um lápis de ponta bem longa e bem fina para completar letras que não estavam totalmente impressas. Quando concluía a leitura, escrevia a data correspondente, com os dizeres: Lido em … M. Coelho. Sua biblioteca, adquirida com extrema dificuldade no começo de sua vida (no final, acabou em torno de 20 mil volumes), é composta de várias estantes, preparadas pelo marceneiro Mendonça, de quem já falei, espalhadas por toda a casa (quer na casa da Praça da República, quer na 629, onde ainda permanece sob a guarda da Célia). Geralmente ele fazia a leitura, deitado em uma rede e com a Célia fazendo cafuné (toques suaves na cabeça com estalos nos dedos) na cabeça dele. Gostava, também, de ler em sua escrivaninha, a mesma onde estava no dia em que o Joaquim fez o pedido de casamento da Célia para mim, conforme já relatei. Aliás, era também nessa escrivaninha que anotava, em um caderno, as despesas diárias da casa. Com uma grande quantidade de filhos, um salário ruim, e sendo o único a trabalhar na família (Dona Celina vivia para gerar e cuidar dos filhos, auxiliada pela irmã, tia Anita e, também, pela Célia e Marcinha, que quando crianças, ajudavam a lavar a roupa no porão da Praça da República e demais serviços domésticos) ele controlava seu dinheiro para manter a família, comprar livros e tomar a sua cervejinha. Esse controle era baseado num aforisma que ele gostava de usar: Quando se começa a abotoar uma camisa com o botão errado, segue errado até o último botão. Destaco que o Seu Machado tinha o hábito de, aos domingos, limpar seus livros com querosene, sempre ajudado por Dona Celina e Célia. Registro que meu sogro tinha uma grande afeição por minha mulher tanto que, para festejar seu nascimento, em 1939, publicou um livro, impresso nas Oficinas Gráficas Norte, sobre um de seus escritores favoritos: Machado de Assis.

Minha sogra, que foi minha segunda mãe, não era uma intelectual, mas era extremamente sagaz e com uma intuição fora de série. Eu sempre costumava dizer que “meu sogro tinha o saber, e minha sogra, a sabedoria”. Ela tinha uma verdadeira adoração por seu marido. Quando ele estava lendo, não deixava que os filhos o perturbassem. De outro lado, quando ele tinha uma crise de hipocondria e deixava de tomar a sua cerveja, no “terrasse” do famoso Grande Hotel (hoje, Hotel Hilton), minha sogra lhe dizia: Coelhinho, meu bem, fique logo bom para tomar a sua cervejinha. Passada a aflição, quando ele se preparava para ir tomar a cerveja, ela “alfinetava”: Antes de ficar complemente bom, já vás tomar cerveja. Era o famoso “xaveco”, que ela era mestra em usar contra ele, e que tanto o irritava! Com relação às crises de hipocondria de meu sogro lembro-me de que, certa vez, ele telefonou para um amigo médico, na Suíça, para consultá-lo sobre um “engasgo” que estava sentindo. O amigo, ao telefone, disse-lhe que, sem vê-lo, era impossível diagnosticar, contudo, acreditava ser apenas uma crise de ansiedade, pela descrição que meu sogro fizera do que sentia.

Nesta altura em que estou quase finalizando as lembranças de minha vida, é oportuno dizer que o convívio com meu sogro, e com o ambiente intelectual que ele atraía em torno de si, materializada em sua famosa varanda, na qual circulavam os grandes intelectuais paraenses e brasileiros, conforme já tive oportunidade de relatar, me fez gostar de ler livros sobre os mais variados temas, além dos relacionados com a minha atuação profissional, quer como engenheiro, quer como professor de Física. Aliás, essa mudança foi percebida por minha saudosa irmã Madá, que sempre dizia: A família da Célia transformou o Zequinha! (“Zeca”, era meu apelido caseiro, mas o diminutivo só ela usava.)

Agora, falarei de minha família propriamente dita. Logo que fiquei noivo da Célia, no começo de 1960 (ela tinha quase 21 anos, pois nascera em 05 de junho de 1939, tendo por padrinho o escritor José Sampaio de Campo Ribeiro, amigo de seu pai), por ciúme, impus-lhe uma condição: ela não faria Universidade. Porém, a crise nervosa pela qual passei em 1967 (registrada acima), minha ida para São Paulo, em 1968, acrescido do fato de que havia deixado de ser Engenheiro Estrutural, o que reduziu minha renda mensal, fizeram com que a Célia decidisse fazer Vestibular para o Curso de Letras, no começo de 1968, apesar de meu aceite nada amistoso (segurei-lhe fortemente os braços, quando ela me comunicou sua decisão), bem como durante todo o curso. Muito embora tivesse concluído o Curso Clássico em 1958, ela conseguiu a terceira colocação naquele Vestibular, depois de Haroldo Pinheiro da Silva (segundo) e de João José Coelho Bordalo da Silva (primeiro). Este, juntamente com outro colega de turma, José Artur Bogéa, foram seus colegas de estudo e, até hoje, são nossos amigos. Célia recebeu o diploma de Licenciada em Língua e Literatura Vernáculas e Língua e Literatura Francesa, em janeiro de 1972. No ano seguinte, começou a lecionar Teoria Literária, depois de ser aprovada em concurso público para Professor Auxiliar do Departamento de Língua e Literatura Vernáculas do Centro de Letras e Artes (CLA) da UFPA. Entre 1983 e 1984, Célia dirigiu esse Departamento e, entre 1985 e 1989, o próprio CLA. Quando dirigia esse Centro, implantou o Mestrado em Letras e, em 1990, defendeu sua Tese de Mestrado, sob a orientação da professora-doutora Amarílis Tupiassú, tendo como tema a poesia de Paulo Plínio Baker de Abreu, amigo de seu pai e freqüentador da Varanda Machado Coelho.

Antes de ser professora do CLA, Célia foi professora de português do Instituto de Educação do Pará e de francês do Núcleo Pedagógico Integrado (NPI) da UFPA, língua que aprendera na Aliança Francesa, fundada por seu pai, conforme registrei acima. Depois de aposentar-se na UFPA, aceitou o convite do então Secretário de Cultura do Estado do Pará, professor-doutor Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, para dirigir o Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC) dessa Secretaria. Nesse Departamento, teve a oportunidade de organizar a Biblioteca, bem como a de preparar inventários sobre o patrimônio histórico, artístico e cultural de alguns municípios do Pará. O primeiro deles foi Melgaço. Creio ser oportuno dizer que a publicação desse texto contou com a colaboração do Tribunal de Contas dos Municípios, na ocasião sob a Presidência do Irawaldyr Rocha. Em virtude haver contraído um câncer de mama, operado em 06 de outubro de 1994, pelo Dr. Antônio Franco Montoro, no Hospital “Osvaldo Cruz”, em São Paulo, e com o fim do mandato do La Penha como Secretário, a Célia passou a dedicar-se ao ensino e à pesquisa sobre a melhor maneira de ensinar uma pessoa a redigir. Com esse objetivo, ela abriu o Curso Minerva, já referido, no qual ensina alunos dos Cursos Fundamental e Médio. Depois de dez anos desenvolvendo essa pesquisa, usando, fundamentalmente, a prosa e a poesia dos escritores paraenses, ela acaba de concluir um livro intitulado Escreve(A), com bastante ilustração, no qual apresenta essa sua pesquisa. Esse livro (que será editado brevemente), além de mostrar a técnica de como redigir, contém inúmeros verbetes sobre informações literárias, científicas, históricas e filosóficas, necessárias ao aprendizado e ao desenvolvimento dessa técnica. Creio ser oportuno dizer que, na confecção do “layout” do livro, ela contou com a colaboração de seu amigo, o artista plástico P P Conduru (filho de meu antigo professor no CEPC e na EEP, Renato Pinheiro Conduru).

Célia, além do livro sobre o “Art Nouveau” em Belém, que escreveu em 1984, e sobre o qual já fiz referência, escreveu (e escreve) uma série de artigos, publicados em revistas especializadas, dentre os quais, o realizado em parceira com seu irmão Joaquim-Francisco, Professor Titular na Universidade de Harvard, sobre a passagem do escritor Mário de Andrade, por Belém, em 1927.

Agora, falarei de nossos filhos. Jô, que nasceu em 16 de agosto de 1963, sob os cuidados do Dr. Albino Figueiredo, conforme já registrei, teve como padrinho o tio Caboco e como madrinha, a engenheira civil Vera Barata, filha do jornalista Frederico Barata que durante muito tempo dirigiu os Diários Associados, em Belém. Ele era muito amigo de meu sogro, e a Célia, muito amiga da Vera. Com relação a essa amizade, creio ser oportuno contar o seguinte episódio. Quando comecei a namorar a Célia, eu era aluno da Escola de Engenharia do Pará (EEP), assim como a Vera. Quando a Célia contou para ela que estava namorando comigo, a Vera ficou horrorizada e pediu-lhe para acabar com o namoro, pois eu era muito moleque. (Para ver essa molecagem, ver o artigo contido nestas Memórias, no qual falo de minha passagem pela EEP.) Vera, casada com um indiano, mora nos Estados Unidos há muitos anos. Voltemos ao Jô. Depois de estudar no NPI/UFPA, fez Vestibular para o Curso de Arquitetura da UFPA, e recebeu o grau de Arquiteto, em 1985. Depois de ensinar na UNAMA, entre 1990 e 1996, em 1996 fez Concurso Público para a UFPA, onde ensina até hoje, as disciplinas da Matéria Projeto. Em 15 de dezembro de 2004, recebeu o grau de Mestre em Engenharia Civil, pela UFPA, depois de defender a monografia intitulada Princípios de Desenho para Vias-Canal: Proteção Sanitária, sob a orientação do professor-doutor José Almir Rodrigues Pereira. Além de professor da UFPA, Jô dirige o Escritório de Arquitetura Meia Dois Nove Arquitetura e Consultoria, já referido. Ele casou-se, em 10 de junho de 1994, com Gisa Helena Silva Melo, nascida em 06 de novembro de 1969, arquiteta pela UNAMA, em 1992, Mestre em Ciências da Computação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 28 de maio de 2004, com a tese intitulada Representando Esquemas Conceituais de Bancos de Dados Geográficos para a Inferência Semi-Automatizada de Padrões de Análise e orientada pelo professor-doutor Cirano Iochpe. Depois de realizar um Concurso Público para a UFPA, em 1996, hoje ela é professora Assistente ministrando as disciplinas da Matéria Informática Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo e, também, coordena o Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica da UFPA. Jô e Gisa têm dois filhos: Lucas e Vítor, nascidos em 03 de novembro de 1994 e 19 de outubro de 2000, respectivamente.

Nossa filha Ádria, nascida em 28 de abril de 1967, conforme já fiz referência, tem como padrinhos o Dr. Adriano Guimarães e a avó Rosa Filardo Bassalo.

Depois de cursar o NPI, no período 1971-1983, iniciou a Licenciatura em Ciências Biológicas na UFPA, em 1985, e concluiu apenas a Licenciatura Curta, em 1987. Depois, entrou na União das Escolas Superiores do Pará (UNESPA, atual UNAMA) onde se formou em Economia, em 31 de janeiro de 1998. Depois de prestar Concurso Público de Nível Médio para o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em 1995 (aprovada em primeiro lugar), resolveu realizar o Curso de Direito, para compatibilizar com seu emprego. Assim, em 21 de janeiro de 2005, recebeu o grau de Bacharel em Direito, ainda pela UNAMA. Hoje, dirige a Diretoria Administrativa e Financeira da Defensoria Pública. Casou-se, em 03 de junho de 1995, com o engenheiro civil Saulo Marcelo Lima Aflalo, nascido em 19 de setembro de 1967. Antes, tiveram a Anna-Beatriz, de 11 de junho de 1992. Hoje, eles têm mais um filho, o Matheus, nascido em 13 de novembro de 2001.

Ao finalizar a minha saga de vida, gostaria de fazer alguns registros sobre as duas viagens que Célia e eu fizemos no exterior.

Europa/Estados Unidos

Em 1991, Célia e eu idealizamos uma viagem para a Europa. Conhecedora dessa idéia, a professora Christine Pacheco, colega da Célia na UFPA e muito sua amiga, combinou que faríamos juntos essa viagem. Como o Joaquim estaria em Lisboa no começo de agosto e considerando que ele já havia realizado várias viagens à Europa [ele fala fluentemente português (de Portugal), espanhol, francês, inglês e italiano], pedimos que ele organizasse e nos acompanhasse em uma tournée pela Europa. Assim, de acordo com seu Agente de Viagens (“Rainbow Travel, Inc.”), entre 10 e 31 de agosto daquele ano, visitaríamos Lisboa, Madrid, Paris, Milão, Veneza, Florença, Pisa e Roma. Assim, no dia 09 de agosto, de noite, seguimos do Rio de Janeiro para Lisboa em um avião da VARIG. No final da manhã do dia 10, fomos recebidos no Aeroporto de Lisboa pelo Joaquim, e por um grande amigo dele e de meu sogro, Domingos Cunha Gonçalves, que trabalhava na Embaixada Brasileira nessa cidade portuguesa. Recordo-me de um incidente inusitado naquele aeroporto. Como o Cunha Gonçalves estava apressando o agente da Alfândega Portuguesa para nos liberar logo, ele, dirigindo-se para o Cunha, disse-lhe: Doutor, deixe pelo menos eu conferir as caras deles com os retratos de seus passaportes. É oportuno dizer que esse amigo do Joaquim nos proporcionou uma bela estada em Lisboa, levando-nos, em seu carro Mercedes Benz, de cor branca, para jantar, por duas vezes, uma, na noite do dia em que chegamos, em um restaurante no qual víamos o Rio Tejo, e a outra, em sua residência.

Em Lisboa, ficamos hospedados no Hotel Eduardo VII. Aí, visitamos importantes pontos turísticos, como o Mosteiro dos Jerônimos, onde está o corpo de Vasco da Gama, o descobridor do caminho marítimo para as Índias, a Torre de Belém, de onde saíam as viagens marítimas da famosa Escola de Sagres, e o bairro do Chiado, onde se encontra uma estátua do poeta Fernando Pessoa, sentado em uma cadeira esperando um interlocutor em uma cadeira próxima. Lembro-me de a Célia e a Christine, simularem uma conversa com esse grande poeta português. Em um desses passeios turísticos, em um bairro com casas que vendiam antiguidades, um fato chamou a minha atenção: em uma dessas casas, havia um letreiro: Antiguidades e Velharias. Aproveitei para brincar com a Célia, dizendo-lhe: Eu não te disse que tua coleção de antiguidades não passa de uma coleção de velharias?. Em tempo: essa divisão é separada pela idade da peça. Se for maior de cem anos, é antiguidade, em caso contrário, é velharia. Antes de deixarmos Lisboa, fomos a Cintra, visitamos um Palácio que era uma réplica do Palácio de Versailles, onde, nesse dia, estava havendo um casamento. Nesse dia comemos os famosos pastéis esfolhados. Foi também nessa cidade que vimos uma outra placa curiosa de um dentista: Tratam-se de dentes e de bocas.

Partimos de Lisboa para Madrid, no dia 14 de agosto, em uma viagem de trem que saiu precisamente às 21h25min e chegamos à capital da Espanha no dia seguinte, por volta das nove horas da manhã. Ficamos hospedados no Hotel Sol Galgos. Aproveitamos o resto do dia para visitar um pouco essa cidade majestosa. Lembro-me de haver passado defronte de uma Praça de Touros, bem como pelo famoso campo do Real Madrid, o Estádio Santiago Bernabeu e, também, de haver contemplado o Monumento a Cervantes, em uma grande praça madrileña. No dia 16, saímos do Hotel para visitar o Museu do Prado. Infelizmente ele estava fechado. No entanto, aproveitamos a oportunidade para ver Guernica, talvez o mais famoso quadro de Pablo Picasso, pintado em 1937, e que se encontrava em uma casa próxima daquele Museu, o Cáson del Buen Retiro. O quadro estava protegido por uma espessa parede de vidro, no fundo de uma grande parede. Como eu só conhecia esse quadro em preto e branco, lembro-me de haver ficado um pouco chocado ao vê-lo, ao vivo, em suas cores reais: preto, cinza e branco, com uns poucos pingos de vermelho.

Como a Célia estava com muita dor de cabeça, depois dessa visita, voltamos ao Hotel. Para socorrê-la, chamei a camareira. Tentando recordar as aulas de espanhol no CEPC, com a professora Valdez, disse-lhe: Mi señora, yo quiero algo “quente” para mi mujer. Usei a palavra quente, em vez de caliente, por não me lembrar dessa palavra.. Ela trouxe um prato de “purê de batata”. Foi o Joaquim quem nos socorreu para amenizar a dor de cabeça da Célia. Uma outra situação de não entendimento entre o que eu falava e o que meu interlocutor espanhol entendia, ocorreu quando, ao fechar a conta do Hotel e realizar o pagamento, disse: Hasta luego. Ouvi como resposta: Adios. Vi, em Madrid, o que sempre diziam dos espanhóis, isto é, que eles não entendem o que o brasileiro fala, embora, nós os entendamos em quase tudo. Dizem os expertos que a razão disso é que a língua espanhola tem menos fonemas do que a portuguesa.

Partimos para Paris no dia 16 de agosto, por volta das sete e meia da noite. Chegamos no dia seguinte, por volta das oito e meia da manhã, e nos hospedamos no Hotel Terminus Nord, defronte da Gare du Nord. Nesse mesmo Hotel, acertamos uma excursão para visitar o famoso Palais de Versailles, residência dos reis franceses, a cerca de 20 quilômetros de Paris. Lá, vi que o turismo europeu é tratado como uma indústria. Por exemplo, até para fazer xixi tivemos de pagar o uso dos sanitários. Como íamos ficar uma semana em Paris, programamos outras visitas. Assim, fomos ao Musée du Louvre. Quando estávamos visitando a ala dos bustos dos Césares romanos, o Joaquim ia enunciando o nome de cada um deles. Aí, ele me disse: Zeca, olha o Caracalla. Eu me espantei, pois, na minha ignorância histórica, pensei que Caracalla era apenas um local romano, pois me lembrei de uma célebre apresentação dos Três Tenores (Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras), nas Termas de Caracalla, por ocasião da Copa do Mundo de 1990 na Itália.

Ainda no Louvre, visitamos outro ícone da cultura artística universal: o quadro Mona Lisa (La Joconde), do gênio italiano Leonardo da Vinci. A famosa pintura se encontrava na Salle des États, em uma câmara de vidro, em um único salão, com acesso exclusivo pela Grande Galeria. Decepcionou-me um pouco o seu pequeno tamanho, pois mede apenas 77 por 53 cm. É claro que, tanto na entrada quanto na saída desse Museu, não ficamos indiferentes à visão da hoje célebre pirâmide de vidro, com 666 vidraças e 22 metros de altura, projetada pelo arquiteto sino-norte-americano I(eoh) M(ing) Pei e mandada construir pelo presidente François Mitterrand.

Dessa nossa visita à “cidade-luz”, ainda recordo de alguns episódios hilariantes e inusitados. Por exemplo, na noite em que fomos visitar a Torre Eiffel, saímos para jantar. Desde que combinamos essa viagem à Europa, programei que só poderíamos gastar, diariamente e em média, 20 dólares por pessoa. Tendo essa referência como meta, andamos por Paris, naquela noite, à procura de um restaurante. Antes de entrarmos, olhávamos para o menu e com os preços correspondentes. Toda a vez que o preço indicado fugia àquela média, dávamos (eu, Célia, Joaquim e Christine) uma grande risada, para espanto dos freqüentadores dos restaurantes. Depois de jantarmos, pegamos um táxi e fomos à Torre. Durante o trajeto, percebemos que o “chauffer” tinha uma verdadeira raiva de turista japonês. Com o meu atavismo de engenheiro estrutural, senti um certo medo quando, na penúltima plataforma dessa Torre, estávamos, nós e mais alguns turistas, concentrados em um determinado ponto dela aguardando a chegada do elevador que nos levaria ao mirante. Eu pensava que essa concentração poderia nos afundar. No mirante, além de vermos um boneco de cera imitando o idealizador e construtor dessa torre, o engenheiro francês Alexandre-Gustave Eiffel, tivemos oportunidade de olhar Paris iluminada, confirmando a sua denominação mundial: “cidade-luz”.

Além das visitas referidas acima, tivemos oportunidade de fazer compras na famosa Galérie Lafayette; de visitar o Centre George Pompidou (onde lamentei não encontrar quadros, pelo menos bem visíveis, de Di Cavalcanti e de Portinari), o Musée Rodin, com a famosa estátua do Pensador, em seu jardim, o Musée National de la Légion d´Honneur et les Ordres de Chevalerie (onde Célia e Joaquim viram o registro da Légion d´Honneur de seu pai) e o Musée d´Orsay; de andar no famoso bairro Montmartre, com sua famosa Églige du Sacré-Coeur e sua bela escadaria, onde sentamos para descansar; de viajar de “Bateau-Mouche” pelo Rio Sena; de passear por suas margens, vendo os famosos “bouquinistes”; de assistir a uma missa, no domingo dia 18, na Cathrédale de Notre Dame, com vários cardeais co-celebrando-a e vários padres entregando a hóstia consagrada (arrependo-me de não haver comungado nesse dia); de sentar nos bancos do Jardin des Tuileries [cujo nome deriva do local onde existia argila que servia para fabricar as famosas telhas (“tuiles”) francesas]; de conhecer o túmulo de Napoleão Bonaparte, no Musée de l´Armée (Les Invalides); de cruzar o Arc de Triomphe, seguindo l´Avenue des Champs Élysées; de atravessar La Place de la Concorde; de visitar o famoso cemitério Père La Chaise [no qual vimos os túmulos dos cientistas franceses, o químico Joseph Louis Gay-Lussac e o físico Dominique François Jean Arago, do escritor e poeta irlandês Oscar Wilde e do erudito francês Hippolyte Leon Denizard Rivail (Allan Kardec), o criador da doutrina espírita, cujo túmulo estava cheio de flores], o criador da doutrina espírita];e de almoçar em restaurantes nos famosos Boulevards (um desses almoços foi oferecido a mim e a Célia, pelo professor Salmeron, que mora em Paris). Esses nossos deslocamentos eram feitos por metrô, táxi e ônibus. Aliás, em uma dessas viagens de ônibus, quis testar meu francês. Estávamos voltando para nosso Hotel, que ficava defronte da Gare du Nord, conforme já falei. Levantei-me e perguntei ao motorista: Monsieur, vous passé “defronte” Gare du Nord? Apesar de falar defronte em vez de devant (que havia esquecido na ocasião), o motorista respondeu: Oui, Oui. Foi também nesse Hotel que, na noite de 19 de agosto, Célia e eu vimos a TV Francesa apresentar uma reportagem sobre a prisão de Mikhail Gorbachev, então Presidente da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), prisão essa que iniciou a queda do comunismo no Leste Europeu.

Na manhã do dia 22 de agosto, às 7h14min, saímos de trem da Gare de Lyon com destino a Milão. Depois de trocar de trem em Lausanne, na Suíça, chegamos a essa famosa cidade do norte da Itália, por volta de cinco horas da tarde, onde nos hospedamos no Milan Hilton. Durante essa viagem de trem, lembro-me de ficar conversando com o Joaquim e Célia no final do trem, e apreciar a paisagem do interior da França. Vimos imensos campos de cultivo de girassóis. Quando saímos de Lausanne, onde comemos os famosos chocolates de Kopenhagen, e já cansado, e ainda conversando com o Joaquim, perguntei-lhe se ainda faltava muito para chegar na Itália. Ele me disse que eu saberia logo se havíamos chegado, pela mudança no visual das casas. Com efeito, quando começamos a ver casas com roupas, inclusive íntimas, penduradas nas janelas, percebi que já estava na terra natal de minha mãe, pois me lembrei de um velho aforisma: A Itália é o Brasil que deu certo. Registro que, em Milão, depois de conhecer sua célebre Opera (onde se apresentou nosso músico maior, Carlos Gomes), e a sua famosa Catedral, fomos almoçar em um restaurante, onde comemos uma excelente lasanha, regada com o “vinho da casa”. Nesse dia, extrapolamos, e muito, a cota de 20 dólares “per capita”.

De Milão, fomos para Veneza, no dia 23, às 15h05min, e chegamos lá depois de duas horas e quarenta minutos de viagem de trem. Como não sabíamos que o Continental Hotel, para onde iríamos, ficava próximo de uma estação de trem, saltamos em um ponto imediatamente anterior. Pegamos um táxi e rumamos para uma estação de vaporetos para atravessarmos um dos famosos canais venezianos, e nos alojarmos. Lembro-me muito bem de alguns turistas acharem estranho ver quatro pessoas carregando suas malas para pegar o vaporeto. No dia seguinte, pegamos outro vaporeto que nos levou à célebre Praça de São Marcos, singrando o Grande Canal. Como não poderia ser diferente, vimos os famosos pombos dessa Praça, bem como o relógio anunciando horas e meias-horas, pelo som de um martelo batendo em um sino, conduzido pelas mãos de um boneco metálico acionado por algumas engrenagens de rodadas dentadas. Visitamos a Basílica de São Marcos e o Palácio dos Doges, este com seu grande portal gótico, a Porta della Carta, de frente para a “piazzetta”. Entre a Praça e o porto dos vaporetos, havia uma grande feira, na qual Célia, Christine e Joaquim compraram colares de coral. Infelizmente não andamos de gôndolas.

No dia 24 partimos, ainda de trem e no final da tarde, para Roma. Quando estávamos em um bar da estação esperando a hora de embarcar, Célia e Christine pediram um “gelato” (sorvete) anunciado em um menu apresentado pelo garçom. Esse “gelato” era tão grande que duas crianças, que estavam com seus pais e defronte de nós, arregalaram os olhos. Chegamos no dia seguinte em Roma, e nos hospedamos no Jolly Hotels-Leonardo da Vinci. Nossa estada em Roma se estenderia até o final do mês de agosto e, portanto, teríamos cerca de uma semana para completar nosso giro na Europa. Em Belém, havíamos acertado que, depois de Milão e Veneza, visitaríamos Florença e Pisa, seguindo depois para Roma. Desta, iríamos até a terra de minha mãe, Castelluccio Inferiore, na Província de Potenza, cerca de 500 km de Roma, em direção ao sul da Itália. Contudo, por um mal-estar da Célia, seguimos direto de Veneza para Roma.

Neste instante, é preciso fazer um parêntesis para explicar essa doença da Célia. No começo de 1991, ela começou a sentir problemas no coração. Então, foi ao Rio de Janeiro fazer uma consulta, orientada por sua irmã médica, a Socorro, que reside nessa cidade, conforme já mencionei. O resultado dessa consulta foi alarmante. Um importante médico em Niterói, que acabara de chegar de um Congresso Internacional sobre problemas de coração. Examinou-a e diagnosticou um problema no músculo de seu coração e que a impediria de ter uma vida normal. Ele sentenciou: De agora em diante, a senhora não poderá fazer muito esforço; deve andar, devagar, como quem anda vendo vitrines. Ele mencionou até a possibilidade de ela fazer, no futuro, um transplante cardíaco. Pois bem, um dos motivos dessa nossa viagem ao exterior era para ela fazer um novo exame, desta vez, nos Estados Unidos, mais precisamente, em Boston, onde reside o seu irmão Joaquim. Ao organizarmos essa viagem, pretendíamos iniciá-la por Boston, onde ela faria os exames pedidos e, depois, seguiríamos para a Europa. Contudo, o médico que faria o exame, um professor da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, Dr. Joseph Abelmann, só estaria em Boston no começo de setembro. Por isso, iniciamos a viagem pela Europa. Creio ser oportuno dizer que o médico da Célia em Belém, o Dr. Paulo Toscano, que acompanhava e ainda acompanha esse problema cardíaco da Célia, nunca concordou com aquele diagnóstico.

Agora, voltemos a Roma. Como a Célia já estava cansada da viagem, e lembrando da recomendação do médico carioca, decidiu que não iria a Castelluccio. Então, Joaquim e Christine ficaram com ela. Assim, eu aproveitei a presença de meu cunhado Pedro Crispino (cujos pais eram também da mesma terra de minha mãe), que estava em Roma, e fomos para Castelluccio, de ônibus estatal com ar condicionado. De lá, visitamos Florença e Pisa. Em Castelluccio, conheci a viúva de meu tio Paulo Filardo, tia Tereza Pallazo Filardo e seu filho, Paulo (casado com Itália). Conheci, também, a prima Madalena, filha de meu tio Felice Filardi, que mora na mesma casa onde minha mãe nasceu. Aliás, creio ser oportuno dizer que, meus tios maternos, Paulo e Felice, tiveram o sobrenome diferente: Filardo e Filardi, respectivamente. Segundo contou-me meu primo Paulo, essa diferença ocorreu na ocasião do registro deles no cartório de Castelluccio Inferiore, conforme tive oportunidade de registrar anteriormente. Com Paulo, Pedro Crispino e seu primo Mário, tive a oportunidade de conhecer a famosa Ponte Itália, uma ponte de concreto apoiada nos pilares mais altos de toda a Europa, cerca de 300 metros de altura. Nessa visita à terra de minha mãe, meu primo Paulo me mostrou o caminho que minha mãe (sua tia), seu pai e seus outros tios, quando crianças e adolescentes, seguiam para ir trabalhar no campo (“campagnia”), ajudando os pais, Paulo e Madalena, que eram lavradores. Em nossa casa da Travessa São Pedro, lembro-me de minha mãe sempre recordar que ela e seus irmãos saíam de madrugada para o campo e só voltavam de noite.

De Castelluccio, voltamos para Roma, ainda de ônibus com ar condicionado. Depois, pegamos o trem e seguimos para Florença, pois meu cunhado Pedro queria visitar uma casa de heráldica, o Istituto Coccia, dirigido pela senhora Elena Coccia, a quem havia encomendado, em uma viagem anterior que havia feito à terra natal de Niccolò Maquiavel e Dante Alighieri, a pesquisa da origem dos Crispino. De Florença, lembro-me de ver, pela primeira vez em minha vida, um ônibus ser dirigido por uma mulher, por sinal, uma bonita loura. Vi, também, a Igreja de Santa Reparata, hoje conhecida como Duomo de Florença. Aliás, em uma praça perto dessa Igreja, vimos as marcas das enchentes do Rio Arno, algumas delas atingindo a metade das residências. Quando estávamos dentro do trem para irmos a Pisa, tive uma prova da tradicional pontualidade (claro, quando não ocorre nenhum sério problema mecânico ou elétrico no trem) dos horários de partida dos trens europeus. Nosso trem saía às 11h01min da manhã. Quando o relógio da estação marcava a hora de embarque, iniciei uma frase que não terminei: Este trem não sairá…, antes de completar a frase, na hora, o trem começou seu movimento. Depois de uma hora de viagem, chegamos a Pisa. Meu interesse em visitar essa cidade, tinha dois motivos. O primeiro, era o de falar com o meu amigo o físico Roberto Vergara Caffarelli, e agradecer-lhe o convite (o qual, infelizmente, não foi possível aceitar) que me fizera para trabalhar com ele sobre a contribuição de físicos italianos ao desenvolvimento da Física Brasileira. Assim, fomos, Pedro e eu, ao Departamento de Física da Universidade de Pisa, com endereço na Piazza Torricelli 2, para encontrá-lo. Aliás, fiquei surpreso ao ver que em sua sala de trabalho não havia ar condicionado, apenas um grande ventilador, bastante usado e barulhento. No entanto, esse desconforto físico era compensado por um conforto intelectual, qual seja, a presença de um computador de última geração. Depois dessa visita, demos seguimento ao segundo motivo de estar em Pisa: ver a famosa Torre de Pisa, onde Galileu, quando ensinava naquela Universidade, e segundo conta a história, fez as célebres experiências com as quais concluiu que os corpos, no vácuo, caem com a mesma aceleração. Infelizmente, não pude subir na Torre e sentir-me “galileano” pois, naquela ocasião, não estava aberta a visitação pública. Com essa frustração, meu cunhado e eu seguimos então para a estação ferroviária de Pisa, onde tomaríamos o trem que nos levaria de volta a Roma. Desta vez, o trem atrasou.

Em Roma, de novo junto com a Célia, Joaquim e Christine, fizemos algumas visitas turísticas. Uma delas, foi ao Coliseu. Quando estávamos por baixo da arena, onde os leões comiam os cristãos e os gladiadores lutavam, eu, vendo os túneis por onde passavam os leões, tive meu atavismo de engenheiro estrutural novamente acionado ao observar como os romanos, que construíram esse local de espetáculos públicos, venciam grandes vãos com vigas (traves) apoiadas em pilares (colunas). Quando as distâncias entre os pilares eram maiores do que a viga, eles apoiavam-nas em entalhes feitos em outras vigas, que se projetavam, em balanço, depois de apoiadas em outros pilares.

Além dessa visita, estivemos também na famosa Fontana di Trevi, na Piazza di Trevi, cujo projeto inicial fora idealizado pelo célebre arquiteto italiano Gian Lorenzo Bernini, a pedido do Papa Urbano VIII (amigo de Galileu), em 1629. (Registre-se que a construção dessa fonte só foi iniciada, em 1732, por Nicola Salvi, e concluída, em 1762, por Guiseppe Pannini.) É claro que, obedecendo à tradição, ficamos de costas e jogamos moedas nessa fonte para que fossem realizados os pedidos que fizéramos. O meu, infelizmente, não me lembro qual foi. Aliás, na noite que fizemos essa visita, recordo-me de haver visto, nos restaurantes próximos dessa fonte e que serviam lagostas, expostas vivas, em aquários, para serem escolhidas pelo cliente que as degustariam. Creio ser oportuno dizer que, ainda em Roma, tivemos oportunidade de ver uma outra grande obra de Bernini, qual seja, a Capela Cornaro, na Igreja de Santa Maria della Vittoria, cuja peça central é o Êxtase de Santa Teresa d´Ávila.

Nas andanças em Roma (durante as quais me sentia pisando na História), recordo-me de, pela primeira vez nessa nossa viagem à Europa, haver apanhado chuva, e de presenciar uma tentativa de assalto, à bolsa da Christine, por meninas vadias. A chamada imediata dos “carabinieris” (policiais romanos), por Christine e Célia, as fez correr sem consumarem o assalto.

De nossa estada em Roma, além dos fatos marcantes narrados acima, gostaria de registrar a contemplação de algumas obras do grande pintor e escultor italiano Michelangelo di Ludovico Buonarroti Simoni, como as estátuas: de Moisés, na Basílica de São Pedro Acorrentado e a Pietà, na Basílica de São Pedro, e seus famosos afrescos na Capela Sistina, que acabara de ser restaurada. Fiquei emocionado quando vi o afresco representando Sócrates e Platão caminhando, conforme vira em vários livros de História da Ciência nos quais estudei. Ainda quando estávamos nessa Basílica, espantei-me ao ver que um dos pés da grande estátua de São Pedro, quase no final de sua grande nave, estava completamente liso, sem os dedos, por causa de milhões (ou bilhões?) de peregrinos, durante séculos, a passar a mão pedindo algum tipo de proteção ou de agradecimento por alguma graça alcançada. Creio ser ainda oportuno registrar que, infelizmente, no domingo (dia 25 de agosto) em que visitamos o Vaticano, não vimos o Papa João Paulo II (que se encontrava em Castel Gandolfo, a residência papal de verão), mas apenas a sua voz dando a benção aos turistas que estavam na grande Praça do Vaticano.

No sábado, 31 de agosto, por volta das nove horas da manhã e em um avião da TW, Célia, eu, e Joaquim deixamos o Aeroporto Leonardo da Vinci e voamos para Boston. Christine e meu cunhado Pedro Crispino ficaram em Roma, pois só voltariam ao Brasil dias depois. Chegando em Boston, a Jill, mulher do Joaquim, nos apanhou no aeroporto e nos levou para a casa deles, localizada no lado direito de uma rua bem tranqüila e sem saída, a Hillside Terrace 41, na região de Belmont. Essa casa, tem quatro pavimentos (um porão, dois andares e um sótão), e uma garagem. Depois de a Jill recolher o carro na garagem, entramos, Célia e eu, e nos instalamos em um quarto, no segundo andar, que fica perto da escada de acesso ao sótão, e defronte da escada principal. À esquerda desta, está a suíte do Joaquim e Jill e, ao seu lado, o quarto onde dorme o neto, o Tyson, filho da Anita. Depois de instalados, descemos para conhecer o primeiro andar. Nele, à direita e ao lado do pequeno pátio da entrada principal, fica a ampla sala de visitas, com TV, parte da biblioteca do Joaquim, a lareira, o aquecedor e a mobília de sala. À esquerda desse pequeno pátio, localiza-se a sala de jantar que se comunica com a cozinha. Nesta, há um acesso para o porão, onde ficam a caldeira que esquenta as águas dos banheiros e o gás para os aquecedores. Há, também, uma porta para um agradável terraço descoberto do qual se divisa o quintal.

Uma vez instalados em Boston, a grande preocupação do Joaquim era a de providenciar, a partir da segunda-feira, dia 02 de setembro, o exame médico da Célia para verificar a real situação de seu coração. Assim, creio que, na quarta-feira, fomos ao Massachusetts General Hospital afim de o professor-doutor Joseph Abelmann examinar a Célia. O Joaquim entregou as várias chapas radiográficas e ia descrevendo os sintomas que ela Célia sentia. Enquanto o Dr. Abelmann estudava as chapas, o Joaquim contou-lhe, também, o que o médico carioca havia recomendado, ou seja, que a Célia passasse a “andar como vendo vitrines”, por causa de uma lesão muscular grave no seu coração, com um possível transplante cardíaco futuro, conforme relatei acima. Lembro-me de ele virar-se para o Joaquim e exclamar: WHAT?! (O QUE?!). Depois de examiná-la, disse ao meu cunhado que não encontrara nenhuma lesão muscular anormal grave, e que a anormalidade que observara era congênita. Desse modo, concluiu: ela poderia e deveria viver normalmente. Recordo-me de que, quando cheguei na casa do Joaquim, estava com uma terrível dor de cabeça, devido à ansiedade pela qual passei sobre o estado de saúde da Célia. Imediatamente a Jill me deu dois comprimidos de Tylenol. Como eles tiveram um efeito quase imediato, passei a adotá-los sempre que a cabeça me doía ou quando ainda dói, “aposentando” a velha Cibalena que eu sempre usava.

Como nossa viagem de volta ao Brasil estava marcada para o dia 08 de setembro, um domingo, e considerando que o tratamento da saúde da Célia era o objetivo principal de nossa ida a Boston, não podemos, por isso, conhecer outros estados norte-americanos; isso aconteceu em uma outra viagem que fizemos aos Estados Unidos, e que relatarei mais adiante. Aproveitando a estada em Boston, Célia e eu tivemos oportunidade de conhecer a Universidade de Harvard, as livrarias em seu entorno, bem como o famoso Massachusetts Institute of Technology (MIT). Aliás, nessa visita ao MIT, registro dois fatos inusitados. O primeiro, foi o de andar em um ônibus dirigido por uma mulher, desta vez, diferentemente da que vi dirigindo em Florença, ela era de raça negra, igualmente bonita como a loura “firense”. O segundo, foi o que vi em um quadro de avisos no hall da entrada principal do MIT. Ao lado de um convite para assistir a uma conferência do famoso físico Victor Frederick Weisskopf, então Professor Emérito desse legendário Instituto de Tecnologia, havia, também, um convite de lésbicas e de gays para a festa que estavam organizando. Ainda no decorrer dessa visita ao MIT, vimos uma festa tradicional que acontece no início do ano letivo nas Universidades Americanas: os filhos que iniciam seus estudos universitários, levando seus pais para conhecer o campus e os alojamentos onde passarão a viver. A mesma festa presenciamos no campus da Universidade de Harvard. Nesta, observei uma coisa adicional: esquilos comendo castanhas, misturando-se com os estudantes e seus familiares, nos grandes jardins entre os prédios do campus. Aliás, recordo-me de ver também esquilos comendo castanhas, na garagem da casa do Joaquim.

No sábado, dia 07 de setembro, na véspera de Célia e eu deixarmos Boston, tivemos oportunidade de participar de um tradicional pic-nic americano, tendo o famoso “hot-dog” (“cachorro-quente”) como principal iguaria, ao acompanharmos Jill e Joaquim à casa de um vizinho fronteiro onde, em seu quintal, aconteceu essa festa.

Ao concluir essas lembranças sobre minha primeira viagem ao exterior, não poderia deixar de registrar o desespero que fui acometido ao chegarmos no aeroporto de Miami, depois de deixarmos o de Boston (para o qual fomos levados por Jill e Joaquim), em um avião da Delta Airlines. Entre a chegada a esse aeroporto e a partida para o Brasil em um avião da VARIG, dispúnhamos de quatro horas para encontrar o balcão dessa companhia aérea brasileira. Contudo, ao ver a imensidão desse aeroporto, desesperei-me por saber que meu inglês “macarrônico” não seria suficiente para chegar ao balcão desejado. Embora controlado pela Célia, que me pedia calma, aproximei-me de um cidadão norte-americano e fiz-lhe a seguinte pergunta: Where is the Varig?(“Onde é a Varig”?). Ele respondeu-me, em inglês, naturalmente, como chegar lá. Porém, minha aflição, somada ao fato de não ter o hábito de falar inglês, mas apenas de ler, fizera-me não entender nada do que ouvira. Meu desespero foi aumentando. Porém, como existe uma grande quantidade de lojas nesse aeroporto e com atendentes cubanas, a Célia aproximou-se de uma delas e perguntou-lhe, em espanhol, onde ficava a Varig. Ela orientou a Célia como chegar lá e, depois de poucos minutos de andança vimos, com alegria, o logotipo (uma rosa dos ventos) da VARIG. Assim, no dia 08 de setembro partimos de Miami em um DC-10 da VARIG, rumo a Belém, com escala em Manaus. Na manhã do dia 09, Célia e eu chegamos na 629. Havíamos concluído nossa primeira viagem ao exterior. Começamos a pensar em uma segunda viagem, o que aconteceu em 1995, conforme descreverei a seguir.

Estados Unidos/México

Essa segunda viagem ao exterior que Célia e eu realizamos ocorreu em junho de 1995. No dia 7 de junho, pegamos o avião da VARIG e seguimos para Miami. Lembro-me de termos como companheiros de viagem, Maria Lúcia e Maria da Graça (esta já falecida), primas da Célia, e o artista plástico Benedito Melo (também já falecido), que havia sido meu colega no SMER, conforme já referi nesta minha saga de vida. Durante essa viagem, um fato chamou minha atenção: a água verde e límpida dos mares do Caribe. De Miami, seguimos para Boston em um avião da Delta Airlines. Junto conosco, seguiu também o Benedito, pois ele iria visitar sua filha que morava nessa cidade. As primas Marias foram para Nova York. Em Boston, fomos recebidos no aeroporto pela Jill e rumamos para sua casa, onde fomos alojados no mesmo quarto em que ficáramos na viagem de 1991. Nossa estada em Boston foi rápida, pois, nesta viagem, visitaríamos, com o Joaquim, duas outras cidades norte-americanas: Nova York e Los Angeles.

Partimos para Nova York em um trem da AMTRAK. Depois de desembarcar na estação ferroviária próxima do famoso Times Square, rumamos para o hotel localizado na Ilha de Manhattan, em uma transversal da Quinta Avenida (“5th. Avenue”). Como iríamos passar cerca de dois dias nessa cidade, conhecida como “esquina do Mundo”, aproveitamos o pequeno tempo de que dispúnhamos para conhecer seus principais pontos turísticos. Assim, logo na noite da chegada, depois de jantarmos em um restaurante, atendido, inclusive, por um garçom brasileiro, rumamos para visitar o Empire State Building e, na passagem, vimos o célebre Carnegie Hall, onde a “bossa nova” brasileira, na voz de João Gilberto, foi pela primeira vez apresentada ao público norte-americano, em 11 de novembro de 1962. Do mirante daquele edifício, tivemos a oportunidade de ver Nova York iluminada, assim como a Estátua da Liberdade ao longe. Creio que, ainda nesta noite, passamos pela Broadway e vimos os famosos anúncios luminosos indicando os espetáculos teatrais. Infelizmente, não vimos nenhuma das peças feericamente anunciadas.

No dia seguinte, fizemos outras visitas. A primeira foi ao American Museum of Natural History, pois eu queria ver o esqueleto de um dinossauro que está exposto no grande salão de entrada. Satisfeito com o que havia visto, disse ao Joaquim para irmos embora. Ele, espantado, perguntou se eu não queria ver o restante do Museu. Disse-lhe que, não sendo botânico, queria ver apenas aquele esqueleto, muitas vezes divulgado em filmes norte-americanos e documentários científicos. Quando o Joaquim contou essa história para a Jill, ela não disse nada para ele, apenas esboçou um sorriso, mas, certamente pensou: o Bassalo é realmente esquisito. Ela confirmara o que haviam dito de mim quando estiveram em Belém, em 1976.

Aliás, creio ser oportuno fazer um parêntesis para recordar aspectos inusitados dessa visita. Joaquim e Jill vieram com as filhas Anita e Dorothea. Como minha sogra, como muita razão, enchia de mimos as netas norte-americanas, minha filha Ádria, a neta brasileira da Dona Celina, ficou enciumada e arquitetou uma maneira de se vingar. Dentre as coisas que maravilharam a Anita em sua visita à terra natal de seu pai, foi o chiclete brasileiro, o “Ping-Pong”. Para continuar apreciando essa “delícia” brasileira, guardou uma caixa para levar consigo aos Estados Unidos. A Ádria, ao ver o local onde ela havia guardado a guloseima, sorrateiramente, sem a Anita ver, pegou a caixa e a escondeu. Vendo a aflição de sua sobrinha ao se aproximar o dia da partida sem o seu chiclete favorito, a Célia chamou a Ádria e a fez indicar o local do esconderijo. Com a caixa em mãos, a alegria voltou ao bonito rosto da hoje cantora da Música Popular Brasileira em Boston. O outro fato marcante dessa viagem foi a indignação da Jill ao ver a miséria do povo paraense, na periferia de Belém.

Agora, voltemos à nossa estada em Nova York. Depois de visitarmos o Museu de História Natural, fomos ao Solomon R. Guggenheim Museum ver algumas obras de arte. Certamente, ao olharem essas obras, seguindo uma rampa em espiral, Célia e Joaquim ficaram maravilhados com o que viam, pois muitas delas eram de seu conhecimento pelos estudos de História da Arte. Eu, de minha parte, ia ouvindo sem muito entusiasmo as explicações que eles me davam, devido ao meu “sentimento artístico ‘quase’ amortecido”, já várias vezes referido nestas Memórias. [Nesta oportunidade, quero fazer um registro do abalo que teve esse meu sentimento quando, na volta de Nova York e no Museum of Fine Arts de Boston (levado por Jill e Joaquim) vi, ao vivo, o famoso quadro The Postman Roulin, de Vincent van Gogh. Esse abalo decorreu da impressão que tive de ver que suas cores vivas queriam saltar da pintura por causa da textura saliente das tintas.] Depois do Guggenheim, pegamos um táxi e fomos ver a Estátua da Liberdade. Como deveríamos tomar um pequeno barco e ir até a ilha onde ela está localizada, disse ao Joaquim que já estava satisfeito em vê-la de longe, porém bem mais perto do que a divisara do Empire State. Na volta ao Hotel, passamos pelo Central Park. No domingo em que estávamos voltando para Boston, tivemos oportunidade de ver um desfile promovido pelos porto-riquenhos, na Quinta Avenida, bem como, apreciarmos, de longe, o hoje tristemente lendário World Trade Center. Naquele dia, os que olhavam para ele, como nós três, não podiam imaginar que, seis anos depois, no dia 11 de setembro de 2001, ele seria alvo do mais brutal ataque terrorista acontecido até hoje no planeta Terra. Registro que não vimos a sede das Nações Unidas, projeto de nosso arquiteto-mor, Oscar Niemeyer. Registro, também, que vimos os famosos prédios de Nova York com pequenas escadas dando acesso ao primeiro andar e ao sub-solo, tão comuns em filmes que têm essa cidade como palco.

De volta a Boston, nos preparamos para visitar Los Angeles, cidade onde moram a filha do Joaquim, a atriz de cinema/teatro Dorothea, e seu marido, o roteirista de cinema David Cohen, e onde, também, reside meu amigo Antonio Boulhosa Nassar, professor da Universidade da California, Los Angeles (UCLA). Ainda em um avião da AA, Joaquim, Célia e eu viajamos para aquela cidade, em junho de 1995. Quando chegamos no aeroporto dessa bela cidade americana, no litoral do Oceano Pacífico, ao colocarmos as bagagens no carro do genro do Joaquim, este sofreu um pequeno acidente. Uma senhora americana, ao sair com o carro que estava na frente do nosso, deu marcha-ré em vez de avançar, apertando as pernas dele. Logo que nos instalamos no Hotel Biltmore, o Joaquim entrou imediatamente em contato com a Jill para ver como poderia usar seu Plano de Saúde para saber da real situação desse pequeno acidente. Enquanto Célia e eu ficávamos no Hotel, Joaquim e seu genro foram a um Hospital para ver o que havia acontecido com suas pernas. Apesar de o médico que o atendeu haver dito que não havia nenhuma conseqüência maior, Joaquim decidiu voltar para Boston, dois dias depois de nossa chegada.

Como sua filha Dorothea reside em Beverly Hills, uma cidade dentro de Los Angeles, fomos visitá-la. Primeiro almoçamos em um restaurante em que ela era atendente. Depois, enquanto fazíamos hora para jantar na casa dela, fomos conhecer o distrito de Hollywood, com seus estúdios de cinema e os “Boulevards” característicos. Senti uma certa emoção quando vi o painel com esse nome, símbolo da cinematografia mundial, engastado nos contrafortes (“foothills”) de montanhas que limitam essa região. Tivemos também a oportunidade de passar pela frente das famosas mansões dos artistas de cinema, localizadas nessas colinas. Durante o jantar na casa da Dorothea, pudemos assistir os filmes e peças de teatro em que ela trabalhou. É oportuno registrar que, anos mais tarde, ela participou do filme sobre a vida do notável cantor e ator Frank Sinatra.

Depois que o Joaquim voltou a Boston, nosso cicerone em Los Angeles foi o Nassar. Com ele, Célia e eu conhecemos o célebre Chinese Theater, no Sunset Boulevard, em cuja frente e na calçada de sua imediação – a calçada da fama – estão imortalizadas, em cimento, as mãos e os pés, assim como os nomes (no centro de estrelas gravadas em mosaicos distribuídos ao longo da calçada) de inesquecíveis artistas de cinema.

Ainda com o Nassar, Célia e eu visitamos o campus de Los Angeles da Universidade da California (UCLA). Ele nos mostrou a sala onde ministrava aulas, bem como os laboratórios de Física desse campus. Nestes, vimos duas coisas que nos marcaram profundamente. Primeiro, uma sala de acústica em que não se ouve nenhum barulho, pois suas paredes, com saliências e reentrâncias, não permitem o som refletir. O outro, foi o experimento que o professor orientador do Nassar, Seth Putterman, estava realizando sobre sonoluminescência, ou seja, a produção de luz por energia sonora. Um dos físicos que participou dessa experiência, Robert A Hiller, nos mostrou um ponto azul luminoso em uma caixa sonora escura. Nessa ocasião, ele contou um fato inusitado. Quando houve a produção desse novo fenômeno físico, eles prepararam um artigo, ilustrado com a foto que mostrava aquele ponto azul, e enviaram para uma Revista científica. O editor da Revista mandou dizer para eles que o trabalho seria publicado, porém o ponto azul seria apagado, por acreditar que era um defeito da chapa fotográfica. Claro que o artigo foi publicado (Physical Review Letters 77, p. 2345, 1996), com o ponto “espúrio”, pois ele era a razão do artigo.

Como estávamos perto de viajar para o México, enquanto a Célia se despedia da Dorothea e do marido, Nassar levou-me ao famoso California Institute of Technology (CALTECH), onde trabalhou o físico e Nobel Richard Philips Feynman, que morreu em 1988. Quando fomos ao andar onde ele tinha sua sala, falamos com a secretária que o serviu, Helen Tuck. Ela lembrou com emoção dele e nos ofertou um exemplar de uma Revista do CALTECH no qual havia uma matéria sobre a sua famosa participação na Comissão Rogers, que examinou a explosão com o ônibus espacial Challenger, ocorrida no começo de 1986. Feynman mostrou que a culpa cabia à NASA quando, em uma reunião dessa Comissão, televisionada no dia 11 de fevereiro desse ano, mergulhou um anel de borracha em um copo de água gelada e, ao apertá-la, a peça não mostrou nenhuma elasticidade. Segundo afirma o físico Leonard Mlodinow, em seu livro O Arco-Íris de Feynman (Sextante, 2005), com essa simples experiência Feynman evidenciou a culpa da administração da NASA, que ignorou a advertência dos engenheiros para que adiassem o lançamento por causa da temperatura extremamente baixa naquela manhã, em Cabo Canaveral (- 1o C), muito abaixo da menor temperatura ocorrida nos lançamentos anteriores: + 12oC. Devo ainda registrar que, ao sairmos da sala da secretária Helen, vimos, na antiga sala do Feynman, um físico calvo trabalhando: era John Schwarz, um dos criadores da Teoria de Cordas.

Ao término dessas reminiscências de nossa visita a Los Angeles, devo registrar dois fatos por me parecerem muito relevantes. Depois de o Nassar levar Célia e eu para almoçarmos em um restaurante cuja dona era brasileira, seguimos a Free-Way 405 para visitarmos a casa em que ele então morava. Em uma certa altura dessa auto-estrada, toda de concreto, com oito pistas, quatro de cada lado do canteiro central, sentimos um pequeno tremor no Corola do Nassar. Era um mini-terremoto dos muitos que acontecem freqüentemente na Califórnia (devido à falha de San Andrés), conforme ele advertiu. O outro fato, foi o seguinte. Em nossa conversa, falei-lhe que, desde 1973, vinha lutando para criar um Instituto de Ciência e Tecnologia da Amazônia (ICTA), em Belém, para estudar os problemas de engenharia que acontecem na Amazônia e propor soluções adequadas à nossa região. Ele imediatamente compreendeu o alcance desse Instituto e, desde então, vem lutando para a sua implantação, juntamente comigo e com o Paulo de Tarso Santos Alencar. No entanto, e apesar de esforços, ainda não conseguimos convencer as autoridades paraenses responsáveis pelo Desenvolvimento Amazônico da necessidade urgente desse ICTA. Sobre a luta da criação desse Instituto ver artigos incluídos nestas Memórias.

No dia 22 de junho de 1995, no vôo 1944 da Delta, Célia e eu seguimos para a cidade do México. Logo no aeroporto, fomos beneficiados pelo critério estatístico da Alfândega Mexicana, qual seja, o de não termos nossas bagagens revistadas (havíamos comprado um FAX em Los Angeles, dentro do valor permitido para turista), pois, ao passarmos por ela, acendeu uma luz verde, em conseqüência, certamente, de atingirmos um determinado número de passageiros que eram liberados da revista. Ali, fomos recebidos por um Agente de Viagens (contratado em Belém), que nos levou ao Hotel María Isabel Sheraton, localizado na Plaza de la Independencia, com um grande obelisco em seu centro. Na ida para o Hotel, tive uma sensação de estar em casa, ao ver, nos sinais de trânsito quando fechados, pedintes e vendedores de todo o tipo de coisas. Chegando ao Hotel, e quando estávamos nos instalando no quarto reservado, percebemos que havia um barulho tremendo em virtude de consertos que estavam sendo realizados em quartos vizinhos. Depois de reclamarmos dessa situação, fomos transferidos para outro quarto. Neste, quando estava fazendo a barba, senti que a fechadura da porta estava tremendo. Era um mini-terremoto dos muitos que também acontecem freqüentemente no México, como em Los Angeles. Esses tremores se devem às placas tectônicas do Oceano Pacífico e de Cocos, e são graves pela natureza do subsolo do vale.

Na noite de nossa chegada, meu amigo mexicano, o químico José Luís Córdova Frunz, professor-doutor da Universidad Autonoma Metropolitana (UAM), Diretor e Editor Responsável da Revista ContactoS, foi nos apanhar no Hotel para fazermos um “tour” pela bela cidade mexicana. Em seu carro fomos ver os trabalhos dos famosos pintores mexicanos David Alfaro Siqueiros e Diego Rivera. Assim, levou-nos para admirar o Poliforum do primeiro e um grande Mural do segundo, no Teatro de los Insurgentes. Na volta para o Hotel, ainda nos mostrou os Mosaicos de Juan O´Gorman, na Biblioteca Central de la Ciudad Universitária. Creio ser oportuno registrar que, Célia e eu, já conhecíamos os trabalhos de Siqueiros e Rivera, por intermédio de nossos queridos amigos, o físico piauiense José Airton Cavalcante de Paiva e sua mulher, a engenheira estrutural Isabel, que tiveram contato com esses trabalhos quando estudaram na Universidad Nacional Autonoma de México (UNAM), entre 1982 e 1985.

Nesta oportunidade, gostaria de registrar como me tornei amigo de Luís Córdova. Em 1988, mandei um artigo para a ContactoS sobre a Crônica da Óptica Clássica. Apesar de ser aceito para publicação, havia uma dificuldade. Ele estava escrito em português. Ele, que era um dos Editores dessa Revista, fez a versão para o espanhol e, mais ainda, ilustrou-o. A partir daí, todos os meus artigos que foram nela publicados (29 até 2004), tiveram o mesmo tratamento por parte do Córdova e de sua equipe responsável pela publicação dessa excelente Revista de Divulgação Científica, na área de Educação em Ciências Básicas e Engenharia. Por isso, eu considero o Córdova como um amigo-irmão.

No dia seguinte, Célia e eu realizamos os passeios que havíamos programado em Belém. Em um micro-ônibus, fomos primeiro visitar a famosa Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe. Depois, seguimos para a Ciudad de Teotihuacán, também conhecida como a “Cidade dos Deuses”, localizada a cerca de 50 kilômetros ao nordeste da nova cidade do México. Segundo Córdova, que está estudando seus consumos energéticos em parceria com um colega, o Dr. Luis Alberto Barba, do Instituto de Investigaciones Antropológicas, o período de esplendor dessa cidade foi o século VII, de nossa Era Cristã. Porém, no século XIII, ela estava totalmente abandonada. Ela tem 20.7 km2, contendo grandes praças, locais residenciais, templos e palácios de nobres e sacerdotes. Ao norte há a Pirâmide da Lua, ao sul o Templo de Quetzalcóatl e a leste a grande Pirâmide do Sol. Essas construções são ligadas pela Avenida da Morte com 40 metros de largura e aproximadamente 2,3 km de extensão. Aliás, quando Célia, eu e mais alguns turistas estávamos percorrendo essa Avenida, fui abordado por um habitante local que vendia como “souvenirs”, estatuetas de deuses feitas de basalto. Comprei três. Ele, virou-se para mim e disse: Lleve más tres para la “segunda”. A Célia ouviu e disse-lhe que já era a “segunda”. Ele imediatamente replicou: Entonces lleve para la “tercera”.

Como estávamos cansados da pequena excursão turística, resolvemos jantar no próprio Hotel. O José Airton e sua mulher Isabel, que moraram no México, conforme registrei acima, haviam me dito que a palavra espanhola exquisito não tem o mesmo sentido que em português. Significa excelente, delicioso, que satisfaz paladar exigente. Sabendo disso, ao terminar de jantar, chamei o garçom e disse-lhe: La refacción estaba exquisita. Ele ficou muito alegre e foi chamar o maitre. Este agradeceu bastante e desejou que fizéssemos uma boa viagem, pois lhe havíamos dito que voltaríamos ao Brasil no dia seguinte. É claro que a gorjeta que demos ao garçom, por sinal, um jovem, foi acima da praxe e acima de sua expectativa.

No dia 25 de junho, ao pegarmos um táxi e nos dirigirmos ao aeroporto da cidade do México, começamos a concluir nossa segunda viagem ao exterior. Quando chegamos ao aeroporto e fomos ao balcão da VARIG para despachar a bagagem, senti que, emocionalmente, já estava no Brasil. Partimos no começo da noite e, no final da madrugada seguinte, pousamos no Aeroporto Brigadeiro Eduardo Gomes, em Manaus. Aí, esperamos algumas horas para tomar uma outra aeronave, da mesma companhia aérea, e chegar finalmente no Aeroporto Internacional de Val de Cãns. É oportuno registrar que, em nossa bagagem, além do FAX, havia também dois belos presentes dos meus amigos mexicanos de ContactoS: um gato artesanal, com cores características da pintura mexicana para a Célia (mimo que ela conserva até hoje em seu gabinete de trabalho, em nosso apartamento) e, para mim, um livro de história sobre Teotihuacán, desde então incorporada à minha biblioteca.