40 ANOS DE FORMATURA EM ENGENHARIA CIVIL

ENGENHARIA: CIVIL E RODOVIÁRIA

40 ANOS DE FORMATURA EM ENGENHARIA CIVIL

No dia 8 de dezembro próximo passado completei 40 anos de formado, em Engenharia Civil, pela então Escola de Engenharia do Pará (EEP). Neste artigo, vou contar algumas histórias (e estórias) que marcaram profundamente o meu tempo de estudante universitário nessa Escola. Para isso, usarei a memória e os textos que meus colegas Alberto Coutinho do Amaral e Ivens Coimbra Brandão prepararam sobre a Turma 1954/1958. (Registre-se que o texto do Amaral está inédito, e o do Ivens foi publicado em A Província do Pará, de 15 de dezembro de 1998.)

Em fevereiro de 1954, 103 candidatos prestaram Exame Vestibular para o Curso de Engenharia Civil da EEP, que funcionava em um prédio situado na Travessa Campos Sales, número 484, esquina com a Rua Senador Manoel Barata.

O Exame Vestibular constava de provas em quatro disciplinas: Desenho, Matemática, Física e Química. Enquanto a prova de Desenho, realizada no dia 2 de fevereiro, era única e eliminatória, com a nota mínima quatro (para um máximo de dez), as três provas restantes eram compostas de duas etapas: escrita e oral. Cada uma dessas provas era examinada por uma Banca Examinadora constituída de três professores. Minhas notas, nesse Exame, foram, respectivamente: 10, 6, 5 e 6.

Em março de 1954, iniciamos o Curso de Engenharia Civil, eu e mais os seguintes colegas: Alberto Coutinho do Amaral, Athos Emmanuel Mendonça de Moraes, Carlos Mattos Serruya, Cláudio de Lima Reis, Dacyr Botelho dos Santos, Djalma de Sá Rocha, Fausi Said Sanjad, Iracy de Oliveira Rodrigues, Ivens Coimbra Brandão, João de Oliveira Ferradaes, João Luiz Barreiros de Araújo, José Fernandes Dias da Silva, José Ivo de Seixas Bonna, José Maria Pinheiro de Souza, José Ruy Moussallem Pantoja Pimentel, Laurindo Antônio Gonçalves de Amorim, Lúcia Daltro de Viveiros, Manoel Lopes da Silva, Mário Tereso Lopes, Omar Said Sanjad, Otávio Rodrigues da Costa, Paulo Sérgio Coutinho de Oliveira, Pedro Paulo Antônio Miléo, Raimundo Nonato da Costa Monteiro, Renato José Duarte Sidrim, Rodolfo Pereira Dourado Neto, Samir Said Sanjad, Walter Nunes Élleres da Silva, Walton Vieira Nóvoa, Wilson Constantino de Araújo Ferreira e Yonildo Wladimir Tobias da Costa. Durante os cinco anos em que realizamos o Curso, foram se incorporando, à nossa turma de 1954/1958, os seguintes colegas: Heitor Castelo Branco Filho, Heber Rodrigues Compasso, Pedro Entreña Parra e Rodolpho Abel de Barros.

É oportuno registrar que também foram aprovados no Vestibular que fizemos, o general Geraldo Daltro da Silveira e os majores Alves da Cunha e José Benchymol, todos do Exército, e o capitão José Sanches, da Marinha, este por sinal, aprovado em primeiro lugar. Contudo, eles não fizeram parte de nossa turma, pois foram matriculados no Terceiro Ano, por já terem realizado, em seu correspondente Curso Militar, as disciplinas básicas que compunham o Curso de Engenharia Civil, correspondente aos dois primeiros anos desse Curso.

Durante o Trote Geral de Calouros, que saía da Faculdade de Medicina, situada no Largo de Santa Luzia (onde se encontra até hoje) e ia até o Palácio do Governo Estadual (onde hoje é o Museu do Estado), passando por algumas ruas de Belém, principalmente onde se localizavam os jornais Folha do Norte (Rua Gaspar Viana), A Província do Pará e o Estado do Pará (Travessa Campos Sales), houve um problema com o Exército Brasileiro. O general Inácio José Veríssimo, Comandante da Oitava Região Militar, esta sediada no Quartel General, situado na Praça da Bandeira, ao criticar, no almoço patrocinado pelo Sindicato de Jornalistas, em dezembro de 1953, o sistema de voto unitário, afirmou: – O voto de um general é melhor do que o de uma lavadeira. Ora, como a característica principal desse Trote era a crítica política, essa fala deu ensejo para que, entre os diversos cartazes críticos que compunham o cortejo, houvesse um com os dizeres:- Voto do general: 60 pontos; Voto do Coronel: 50 pontos; Voto do Trabalhador: 0 ponto; Voto da Lavadeira: 0 ponto. Total: DITADURA MILITAR. Durante o percurso do Trote, o Comando Geral da União Acadêmica Paraense (UAP) recebeu solicitações do Exército Brasileiro (EB), através da Polícia Civil Estadual, para que o referido cartaz fosse retirado do cortejo. (Lembro-me de haver carregado o cartaz, em um certo trecho do cortejo.) Como o Comando não acatou a solicitação, o próprio EB, através de sua Polícia, desfez, com violência o Trote, assim que este chegou ao Palácio do Governo, impedindo, dessa forma, os tradicionais discursos críticos sobre a situação política brasileira encerrassem a manifestação estudantil.

O resultado dessa selvageria foi registrado nos jornais do dia seguinte, com a foto do então veterano acadêmico de Direito, José Otávio Seixas Simões (hoje falecido), mostrando a sua camisa toda ensangüentada, devido a um ferimento sofrido na cabeça, produzido pelo cassetete de um brioso soldado vestido de verde oliva. Anos depois, em Brasília, em 1965, e em São Paulo, em 1968, fui vítima de novos desmandos de soldados do EB. Porém, essas estórias ficarão para uma outra oportunidade.

Por falar em Trote, quero destacar que a prática atual de cortar os cabelos dos calouros foi introduzida por Loriwal Rei de Magalhães, de quem falarei mais adiante, e por mim, por volta de 1956. Assim, um calouro, pensando que se livraria do trote interno da EEP daquele ano, faltou no dia marcado para o mesmo. Quando ele apareceu na EEP para as aulas normais, o recepcionamos com uma tesoura, sugerida por sua vasta e bem tratada cabeleira.

Durante os cinco anos seriados do Curso de Engenharia Civil na EEP, tivemos alguns problemas relacionados com as disciplinas que compunham o seu Currículo. Já no primeiro ano, surgiu o primeiro deles. Desde a criação da Escola de Engenharia, em 10 de abril de 1931, as disciplinas Física I e Física II faziam parte do currículo do Primeiro Ano. Contudo, com a morte dos professores que as ministravam, respectivamente, Manoel Leônidas de Albuquerque e Pedro Fabri, alguns tópicos dessas disciplinas foram precariamente ensinados em outras cadeiras. Por exemplo, até o ano de 1953, alguns tópicos de Física I eram ministrados na disciplina Geometria Analítica e Noções de Nomografia, ministrada por Renato Pinheiro Condurú. Assim, no começo de 1954, o Diretório Acadêmico da EEP lutou para a reativação da mesma, o que só aconteceu no segundo semestre desse ano, sendo Miguel Paulo Bitar o indicado para a sua regência. As cadeiras restantes e respectivos regentes de nosso Primeiro Ano do Curso de Engenharia Civil foram: Cálculo Infinitesimal (Teivelino Guapindaia), Desenho à Mão Livre (Milton de Abreu e Souza), Complementos de Geometria Descritiva, Elementos de Geometria Projetiva, Perspectiva e Aplicações Técnicas (Omir Correia Alves) e Geologia Econômica e Noções de Metalurgia (Cláudio Lins de Vasconcelos Chaves).

Já neste Primeiro Ano tivemos contato com uma prática que se tornou constante durante os cinco anos do Curso: a falta de alguns professores em sala de aula. Por exemplo, os grandes afazeres políticos e profissionais do professor Cláudio Chaves o levaram a ministrar apenas UMA aula durante todo o ano letivo de 1954, e as provas semestrais de sua disciplina foram passadas por um outro professor. Lembro-me que nessa aula, invocando um teorema matemático, ele afirmou: – Meus alunos, vocês queiram ou não, esse teorema garante que a Terra tende para um tetraedro!

Estórias jocosas aconteceram nesse Primeiro Ano. Embora tivéssemos uma turma de estudo fixa (Pinheiro, Amorim, Bonna, Wilson e eu), que se reunia todas as noites na casa do Pinheiro, na Rua Veiga Cabral, próximo da Travessa São Francisco. Às vezes, íamos estudar também na casa de outros colegas. Certa noite fomos estudar Geometria Analítica na casa do Ferradaes. Como seu pai era bastante cuidadoso com o estudo do filho, ele não permitia que pudéssemos descontrair um pouco. Depois de estudar por algumas horas, começamos um jogo de bingo para relaxar. Contudo, para que o pai não desconfiasse de que estávamos jogando, cantávamos os números das pedras da seguinte maneira: “vetor” 5, “vetor 8”, “vetor” 42, etc. Passando pela porta de estudos, ele ouviu essa cantoria esquisita e “pensou” que alguma coisa não estava bem. Abrindo a porta do quarto de estudos nos flagrou com cartelas e o saco das pedras do jogo. Olhou-nos e disse: – Ah! Malandros, então é esse o estudo de vocês. Deu um sorriso, e saiu. Continuamos a jogar, agora, sem o apelo “vetorial”.

Outro fato ocorreu na casa do Ivens, no largo de Nazaré, junto ao antigo Restaurante Plaza. Para a descontração do estudo foi realizada uma sessão de hipnotismo, comandada pelo próprio Ivens. Lembro-me do Bonna, hipnotizado, pedindo urgentemente um casaco de frio, pois o Ivens o havia induzido a sentir bastante frio.

É interessante registrar que o ano de 1954 foi marcado por um grande acontecimento histórico brasileiro: o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto desse ano. Também nesse mesmo ano, o Brasil disputou e perdeu, na Suíça, a Copa Mundial de Futebol, ganha pela Alemanha.

No Segundo Ano, em 1955, as disciplinas e respectivos professores foram: Física II (Djalma Montenegro Duarte), Desenho Técnico (Camilo Sá e Souza Porto de Oliveira), Mecânica Precedida de Elementos de Cálculo Vetorial (Josué Justiniano Freire) e Topografia (João Dias da Silva). Outra vez, o estudo da física foi incompleto em virtude da doença e morte da esposa do professor Djalma, ocorrida no primeiro semestre letivo. Assim, só tivemos aulas dessa disciplina no segundo semestre. Desse modo, a física básica que deveríamos aprender para a parte profissional do Curso de Engenharia Civil (CEC) foi reduzida de quatro para dois semestres: um no Primeiro Ano e um no Segundo Ano.

O mecanismo de aprovação nas disciplinas do CEC era o seguinte. No final de cada semestre havia uma prova. Se o aluno obtivesse 14 pontos, era aprovado por média. Entre 10 e 13 fazia uma prova oral. Entre 7 e 9 realizava uma prova escrita e uma oral. Entre 4 e 6 fazia Segunda Época, esta geralmente em fevereiro do ano seguinte. No caso de o aluno tirar entre 0 e 3, ou não passar na segunda época, tinha o direito de ser reprovado em até duas disciplinas, as quais as ele realizava, conjuntamente, com as disciplinas do ano subseqüente. Nesse caso, dizia-se que o aluno passou devendo. Jocosamente, a “rádio cipó” anunciou nos vários anos de existência da EEP que alguns alunos entraram nessa Escola devendo o Vestibular.

Vamos a uma das estórias do Segundo Ano. Como eu tinha tirado 4 na primeira prova semestral de Topografia, precisava tirar 10, se quisesse ser aprovado por média. Pois bem, além do professor Dias da Silva, a disciplina era auxiliada pelo aluno do Terceiro Ano, Loriwal Rei de Magalhães, meu colega de infância e, posteriormente, no então Serviço Municipal de Estradas de Rodagem (SMER). (Por sinal, foi o Loriwal quem me indicou para trabalhar nesse Órgão Rodoviário Municipal.) Assim, no dia da prova final, um pouco antes de seu início da mesma, tirei um papel amassado do bolso dizendo que tirara do cesto de lixo do Loriwal. Nele, certamente, estariam as três questões da referida prova. Eu próprio as havia formulado. Lembro-me apenas de uma delas: – Sabendo-se que a declinação magnética de Belém vale tanto (dei o valor), calcular a altura do Sol ao meio-dia. Quando subimos para fazer a prova, meus colegas, ao tomarem conhecimento de questões totalmente diferentes, diziam: – Bassalo, filho da ….., te pegaremos na saída. Como havia estudado bastante, terminei a prova antes e fui ao Colégio Abraham Levy, para ministrar aula de Física. Tirei 10 na prova acima referida.

Em 1955, a EEP foi palco de um fato inusitado para a política paraense. Nesse ano, o general Joaquim Cardoso de Magalhães Barata assumiu o Governo do Estado do Pará. Essa Escola era estadual e dirigida então pelo professor Josué Freire, que, além de advogado, era coronel de Engenharia do Exército Brasileiro e, nesta condição, havia sido adversário político do general Barata, por ser favorável à Revolução Constitucionalista de 1932. Assim, o Governador Magalhães Barata aproveitou a oportunidade de, ao visitar um próprio estadual, fazer as pazes com seu desafeto político. Em virtude dessa atitude, os estudantes da EEP, que se prepararam para vaiar o Governador, ficaram calados e comovidos com a fala do Chefe do Estado sobre o Diretor de sua Escola, na qual ressaltou que a origem humilde do professor Josué não o havia impedido de construir uma vida militar exemplar. Registre-se que esse encontro entre estudantes contemporâneos da Escola Militar, foi patrocinado pelo professor Jarbas de Castro Pereira, amigo comum de ambos.

No Terceiro Ano, em 1956, as disciplinas e seus respectivos regentes foram: Resistência dos Materiais e Grafoestática (Ruy da Silveira Britto), Geodesia Elementar e Astronomia de Campo (Raul Rodrigues Pereira), Mecânica Aplicada, Bombas e Motores Hidráulicos (Antônio Ferreira Celso) e Química Tecnológica e Analítica (Raimundo Felipe de Souza). Como o professor Ferreira Celso já se encontrava bem idoso, o Diretório Acadêmico iniciou uma luta para substituí-lo. Isso aconteceu no segundo semestre quando, então, José Chaves Camacho o substituiu na disciplina.

Nossa turma, na sua maioria, era constituída de alunos que haviam estudado nos quatro principais Colégios de Belém: Paes de Carvalho (onde estudei), Moderno, Nossa Senhora de Nazaré e Nossa Senhora do Carmo. Em vista disso, até o final do Segundo Ano, a turma era composta de vários “grupos”, reunindo nos mesmos alunos que estudaram nesses Colégios. Contudo, como queríamos um ensino de melhor qualidade, começamos a pensar de maneira unívoca na busca desse objetivo. A partir de 1956, já éramos uma turma homogênea, homogeneidade que só foi rompida, em 1958, no ano de formatura, conforme veremos adiante.

Até 1955, era uma prática quase corrente na EEP a marcação do ponto para as provas semestrais da disciplina Astronomia, porque o professor Raul Pereira exigia o que ensinava. Em vista disso, a nossa turma resolveu que, a partir de 1956, tal prática seria abolida. Apesar de pequenas discordâncias entre alguns alunos, neste ano, o ponto não foi marcado. Anos mais tarde, quando eu ensinava nessa Escola, um de seus funcionários antigos, o lendário Manoel Tomaz da Conceição, me disse que a nossa atitude havia sido em vão, pois aquela prática havia voltado.

Pelo menos, duas estórias curiosas aconteceram nesse ano de 1956, protagonizadas por Cláudio de Lima Reis. Este estimado colega, (ganhador do prêmio Importadora de Ferragens S. A., por ser o melhor aluno do Curso de Engenharia Civil), morreu de fome na mata amazônica, no começo da década de 1960, depois de sobreviver a um acidente de aviação, quando dirigia a construção da estrada de rodagem Brasília-Acre. Ele, sem o saber, caminhou, até morrer, paralelamente ao desmatamento que ele próprio abrira para construir a referida estrada.

Estávamos fazendo a primeira prova da Resistência dos Materiais, com o professor Ruy Britto. Tratava-se de calcular os esforços cortantes e os momentos fletores de uma viga-contínua, “quilométrica”, conforme salientou Alberto Amaral, no texto acima mencionado. Em um determinado momento, Cláudio levantou-se e pediu permissão para “filar” um cigarro, provavelmente Continental (sem filtro), do Mestre Ruy, como o chamávamos, para poder “trafegar na viga”, concluiu. O professor Ruy concedeu a permissão.

De outra feita, estávamos no antigo prédio do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), que funcionava no Quartel do Exército Brasileiro, ao lado da Igreja de Nazaré, assistindo a uma aula prática de Astronomia, com o professor Raul Pereira. Era uma noite de outubro, tempo de Festa de Nazaré. O término da missa que ocorria daquela Igreja, todas as noites, era anunciado com a soltura de foguetes, cujas varetas caiam no campo de futebol desse Quartel, onde o professor Raul Pereira nos ensinava a calcular a latitude a longitude de Belém, olhando o céu de nossa cidade por intermédio de um teodolito. Depois de observar as estrelas, o Cláudio desafiava os colegas para uma luta de “espadas”. Claro que aceitamos esse desafio. O professor Raul vendo aquele duelo de espadachim regional, virou-se para a turma e perguntou: – Onde vocês arranjam tanta molecagem para fazer. Aí, como a aula estava terminando, arregaçou as mangas, e entrou na peleja como um verdadeiro Zorro.

No Quarto Ano do Curso de Engenharia Civil, em 1957, as disciplinas que cursamos e seus respectivos professores foram: Materiais de Construção, Tecnologia e Processos Gerais de Construção (Jarbas de Castro Pereira e Osmar Prata), Estradas de Ferro e de Rodagem (Luiz Gonzaga Baganha), Estabilidade das Construções (João Lima Paes) e Hidráulica Teórica e Aplicada (Alírio César de Oliveira). Esse ano foi o mais dramático para a nossa turma, e marcou a sua cisão, completada no ano seguinte, como veremos a seguir.

Diversos afazeres profissionais do professor Alcides Batista de Lima, que lecionava Hidráulica, levavam-no a não preparar as suas aulas, conforme deveria. Em vista disso, os temas que ele abordava em sala eram insuficientes para preparar os alunos no sentido de entender a disciplina Portos de Mar, Rios e Canais, ministrada no Quinto Ano pelo professor Angenor Porto Penna de Carvalho, que era muito competente e cumpridor de suas obrigações docentes e, portanto, exigente.

Assim, logo no início da 1957, a turma comunicou ao Diretor da EEP, Professor Djalma Duarte, e ao seu Conselho Técnico, que não gostaria de ter o Professor Alcides regendo a disciplina Hidráulica. Esse Conselho não acatou nossa decisão e resolveu manter o Professor Alcides. Como represália, resolvemos não assistir as suas aulas, na esperança de ele ser substituído. Com o decorrer do tempo e num processo de medição de forças, o Conselho resolveu que deveríamos realizar a prova semestral, marcada para o final de maio daquele ano. Numa atitude extrema, a turma, sob a liderança do Ferradaes e do Dourado, com o apoio do Diretório Acadêmico, presidido por nosso colega João Luís, vedou a entrada principal da EEP com uma parede de tijolos.

Durante alguns dias, o prédio da Escola foi protegido pela Polícia Estadual, enquanto o impasse fosse resolvido. Felizmente, o professor Alcides pediu uma licença ao então Governador General Barata, que a concedeu. Assim, foi substituído, temporariamente, pelo professor Ruy Britto, com quem fizemos a prova primeira semestral. No segundo semestre, o professor Alírio passou a reger essa disciplina, até se aposentar.

Para mim, esse ano de 1957 foi marcante. Foi a primeira vez que fiz uma viagem de avião. Como houve uma enchente fora do comum na cidade de Marabá, designados pelo Diretório Acadêmico da EEP, presidido por José Maria Barbosa, por solicitação da União Acadêmica Paraense (UAP), presidida pelo acadêmico de Medicina Oziel Carneiro, Loriwal e eu fomos até aquela cidade paraense, num avião DC3 da Cruzeiro do Sul, para projetar a Nova Marabá, que, segundo depoimento do Loriwal, ela foi construída e ainda se encontra lá. Eu, contudo, nunca a vi fora da prancheta na qual projetamos.

Por fim, chegamos ao Quinto Ano, em 1958, no qual cursamos as seguintes disciplinas, ministradas pelos respectivos professores: Termodinâmica e Motores Térmicos (Otávio Bitencourt Pires), Organização Industrial, Contabilidade Pública e Industrial, Direito Administrativo e Legislação (Joaquim Pires Lima e Demócrito Noronha), Estatística, Economia Política e Finanças (Homero Cabral), Higiene Geral, Industrial e dos Edifícios, Saneamento e Traçado de Cidades (Lourival de Oliveira Baia), Construção Civil e Arquitetura (Feliciano Seixas), Portos de Mar, Rios e Canais (Angenor Porto Pena de Carvalho) e Pontes, Grandes Estruturas Metálicas e em Concreto Armado (Hildelgardo Bentes Fortunato).

Nesse ano de 1958, embora fugindo ao escopo do artigo, vale a pena registrar a seguinte estória que marcou o espírito esportivo do povo brasileiro. Desde 1950, quando o Brasil perdeu a última partida da Copa do Mundo para o Uruguai, na presença de mais de 200.000 pessoas, no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, os brasileiros esperavam que o então “maior futebol do mundo” fizesse por merecer esse título. Em 1954, havíamos sido eliminados da Copa para os comandados de Puskas e seus colegas húngaros. Em 1958, com a presença do magistral Didi (Botafogo) e da “enciclopédia futebolística” Nilton Santos (Botafogo), os brasileiros esperavam, finalmente, conquistar a taça Jules Rimet. Registre-se que foi nessa Copa que surgiram os lendários Pelé (Santos), Garrincha (Botafogo) e Vavá (Vasco da Gama).

Como ainda não era hábito parar o Brasil para assistir jogar uma Copa do Mundo, recordo-me que, em junho de 1958, enquanto fazíamos a primeira prova semestral da disciplina Portos, o Brasil jogava com a França, de Raymond Kopa e Just Fontaine. Na medida que os comandados de Didi iam fazendo gol na França (no final, ganhamos os franceses por 5 x 2), anunciados pelos rádios das Lojas Yamada, situada no mesmo local onde hoje ainda se encontra, nos esforçávamos para terminar logo a prova, a fim de festejar a vitória brasileira. No jogo final dessa Copa, o Brasil venceu os donos da casa, a Suécia, também de 5 x 2 e, com isso, conquistou a Jules Rimet, pela primeira vez. É oportuno registrar que no dia em que fazíamos a prova de Portos, era impossível prever que, depois de 40 anos, a França, comandada por Fabien Barthez e Zinedíne Zidane, iria vingar a derrota sofrida naquele dia e derrotaria o Brasil, por 3 x 0 (dois gols de Zidane), conquistando a Copa do Mundo de 1998.

Foi também em 1958, conforme registrei acima, que se completou a cisão da turma devido a dois incidentes. O primeiro ocorreu com o professor Hildelgardo. Durante muito tempo, este professor afirmava que uma viga bi-apoiada, com extremidades em balanço, formava um sistema hiperestático. Contudo, havíamos aprendido, na disciplina Resistência dos Materiais, que o mesmo era isoestático. Tratava-se de uma questão conceitual. Assim, na véspera do dia em que seria ministrada a aula dessa disciplina, o nosso novo grupo de estudos (Pinheiro, Dacyr, Walton, Wilson, Laurindo Amorim, Bonna, João Luís e eu) preparamos antecipadamente a aula, para tentar convencer o professor Hildelgardo de que a sua interpretação conceitual do problema estava equivocada, muito embora o resultado final fosse o mesmo.

No dia seguinte, quando o professor Hildelgardo entrou em sala para ministrar sua matéria, João Luís levantou-se e pediu permissão para demonstrar o equívoco conceitual relatado acima. No meio de sua exposição, muitos de nossos colegas levantaram-se e, em sinal de protesto, se retiraram de sala, acusando a mim e ao João de baderneiros. Durante algum tempo as paredes internas da EEP registraram a seguinte inscrição: – Fora com os canalhas João Luís e Bassalo. Infelizmente, esse incidente produziu alguns desdobramentos desagradáveis, cujos reflexos se manifestaram na Colação de Grau, nos seus grandes eventos: Benção dos Anéis, na Igreja de Nazaré, Solenidade Ecumênica, na União Espírita Paraense, Cerimônia da Entrega do Grau, no Prédio da Associação Comercial do Pará, e Festa de Congraçamento, no foyer do Teatro da Paz. Por exemplo, eu próprio não participei desta festa com medo de represálias de alguns colegas.

Até o advento da Reforma Universitária de 1970, quando encerrou-se o regime seriado e, com isso, acabaram-se as tradicionais turmas de engenheiros, de médicos, de advogados, etc., cada turma de colandos escolhia o professor-paraninfo, o aluno-orador e alguns professores e autoridades públicas para serem homenageados, isto é, para comporem o Quadro de Formatura e a Página de Jornal. Fazia parte ainda desse ritual, a comunicação oficial da homenagem na casa dos professores escolhidos, e estes, via de regra, recepcionavam os estudantes com bebidas e comidas.

Pois bem, nossa turma, para mostrar que o incidente com o professor Hildelgardo havia sido superado, o escolheu como um dos homenageados. Depois dos “comes e bebes” em sua casa, na Rua Aristides Lobo, João Luís, orador já escolhido da turma, falou algumas palavras sobre o motivo da homenagem. O Professor Hildegardo contudo, ao responder, referiu-se àquele incidente, e justificou-o dizendo que o mesmo se devia ao fato de que, de um modo geral, os estudantes de sua disciplina encontravam dificuldades em compreendê-la por lhes faltarem base em outras disciplinas já estudadas. Decepcionados, saímos da festa e fomos discutir, em baixo da marquise do então Edifício dos Comerciários, na Avenida Presidente Vargas com a Rua Osvaldo Cruz, sobre o acontecido. Às quatro horas da manhã, depois de muita discussão, a turma ficou dividida: uns apoiaram a atitude do professor Hildelgardo e outros, minoria, nos quais a nossa turma de estudos se incluía, não aceitaram essa atitude. Com isso, a cisão da turma começou a tomar forma irreversível.

Para amenizar essa narração, vou contar uma estória hilariante acontecida por ocasião de uma dessas recepções. Por unanimidade, o professor Alírio César foi escolhido paraninfo à Turma 1954/1958. O professor Baganha foi um dos homenageados. Como esses professores são muitos amigos e moram em casas contíguas, na Rua dos Mundurucus, ambos resolveram recepcionar a turma na casa do professor Alírio. Depois do tradicional “comes e bebes”, nosso colega Ruy Pantoja, já um pouco “alto”, pediu a palavra e falou: – Durante as provas, o Professor Baganha não quer saber se o aluno sabe ou não, ele quer as respostas certas às questões apresentadas. Foi uma risada geral. Durante anos, o professor Baganha e eu, no extinto Departamento Municipal de Estradas de Rodagem de Belém (DMER/Bl) (que substituiu o SMER/Bl), onde fomos engenheiros por muitos anos, quase sempre lembrávamos dessa frase do Ruy.

Além dos professores Alírio, Baganha e Hildelgardo, a turma homenageou também os professores Angenor, Renato Conduru, Josué Freire e Lourival Baia e mais ninguém, nem as autoridades políticas constituídas como Governador e Prefeito.

O segundo incidente que decretou a cisão da turma foi o seguinte. Na prova final da disciplina Direito Administrativo, o professor Demócrito Noronha solicitou, dentre as questões propostas, que falássemos sobre Leis. João Luís, ao responder, falou sobre a opinião de alguns renomados jurisconsultos, brasileiros e estrangeiros, sobre as mesmas. Contudo, jocosamente, fez a seguinte citação: – Como disse o grande jurisconsulto paraense, J. Barata, a lei brasileira é potoca.

Essa afirmação sobre lei havia sido pronunciada pelo Governador Magalhães Barata, por ocasião do incidente sobre o seu afastamento para tratamento de saúde. Como deveria assumir o Presidente da Assembléia Legislativa, o Deputado Max Parijós, que pertencia a um partido de oposição ao do Governador [que era do Partido Social Democrático (PSD)], este nomeou para substituí-lo o então Chefe de Polícia, o Advogado Aurélio Corrêa do Carmo. Quando a oposição reclamou desse ato dizendo que havia um claro desrespeito à lei, o General Barata simplesmente afirmou que Lei é Potoca e, portanto, a nomeação do Dr. Aurélio permanecia. Em represália, o Deputado Parijós instalou o Governo em um banco da Praça D. Pedro II, defronte do Palácio do Governo, demitiu o Secretariado do General Barata e nomeou o seu. Por exemplo, nomeou para o Departamento de Estradas de Rodagem do Pará (DER/PA), o engenheiro Evandro Simões Bonna.

Como o professor Demócrito Noronha achou um insulto a resposta do João Luís, quis reprová-lo. Essa atitude indignou uma parte dos concluintes. Contudo, apesar da maioria da turma haver escolhido o João Luís como orador, e temendo por sua reprovação, negociou uma solução para o impasse: sua aprovação pela renúncia da oratória. (Permeando esse impasse, existia o fato de que o João era membro do Partido Comunista Brasileiro.) Assim, diante dessa situação, João aceitou a barganha. Depois de uma grande discussão na turma, foi escolhido Otávio Costa para orador. Em vista dessa situação, João Luís resolveu colar grau na Secretaria da EEP. Essa é a razão pela qual o nome e o retrato dele não constam no Quadro de Formatura e nem nos jornais do dia da formatura.

Apesar disso, João compartilhou com os colegas da tradicional “via crúcis”, ou seja, a ida na casa dos colegas que festejaram a Colação de Grau. Lembro-me de que, como não festejei minha Colação, depois de participar do festejo da Colação em Medicina de meus amigos Guilherme e Fernando Guimarães, na casa de seu tio, o conhecido médico Adriano Guimarães, na Rua Arcipreste Manoel Teodoro, acompanhei o João nessa “via”. Infelizmente, João não se encontra mais entre nós. Dele, guardo a lembrança de sua aguçada inteligência, manifestada no convívio que tivemos, como colegas de estudo e sócios de um Escritório de Cálculo Estrutural, além de um livro intitulado Relatividad, de E. Terradas e R. Ortiz (Espasa-Calpe Argentina, S. A., 1952), que me emprestou e que acabei incorporando à minha biblioteca.

Creio ser oportuno dizer que naquele Escritório realizamos o cálculo da estrutura em concreto armado do Edifício Nuno Álvares, situado na Avenida Senador Manoel Barata com a Travessa Primeiro de Março, para o qual usamos, de maneira pioneira em Belém, a técnica do Método de Ruptura, uma abordagem nova nesse tipo de cálculo.

Durante os 40 anos de nossa Colação de Grau, a vida foi dispersando os 36 engenheiros civis formados em 8 de dezembro de 1958. Uns morreram, outros mudaram de domicílio, no entanto alguns passaram a ter um convívio mais de perto. Por exemplo, até o ano de 1965, quando resolvi estudar Física em Brasília, fui o calculista estrutural do Escritório do Laurindo Amorim. Também por essa época, Fausi Sanjad e eu, João Luís e eu, chegamos a realizar o cálculo estrutural de alguns edifícios de Belém. No extinto DMER/Bl fui colega de trabalho do Dourado. Na Universidade Federal do Pará fui colega de magistério do Alberto Amaral, do Ruy Pantoja, do Paulo Sérgio Oliveira, do saudoso Wilson Ferreira e do Ivens Brandão. Este, como eu, escrevemos livros sobre o que ensinamos na UFPA, respectivamente: Concreto Armado e Física. Por falar no Dourado, é oportuno destacar que foi ele quem fundou e construiu, em 1967, a cidade dos trabalhadores – MONTE DOURADO – no Município de Almeirim, no Estado do Pará.

Ao concluir esse pequeno depoimento sobre a Turma de Engenheiros Civis de 1958, quero dedicá-lo à memória dos colegas já falecidos: CLÁUDIO DE LIMA REIS, IRACY DE OLIVEIRA RODRIGUES, JOÃO DE OLIVEIRA FERRADAES, JOÃO LUÍS BARREIROS DE ARAÚJO, JOSÉ IVO DE SEIXAS BONNA, LAURINDO ANTÔNIO GONÇALVES DE AMORIM, RENATO JOSÉ DUARTE SIDRIM, WALTER NUNES ÉLLERES DA SILVA e WILSON CONSTANTINO DE ARAÚJO FERREIRA.

[ADENDO (03/2005). De meus professores da EEP, estão vivos apenas os seguintes: Omir Alves, Camilo Porto, Luiz Baganha, Otávio Pires,.Homero Cabral e Paulo Bitar.]

[ADENDO (07/12/2008). Faleceram os colegas José Ruy Moussallem Pantoja Pimentel, Paulo Sérgio Coutinho de Oliveira e Pedro Paulo Antônio Miléo, e mais os professores: Camilo Porto, Homero Cabral e Luiz Baganha.]

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1. Artigo publicado na Ciência e Sociedade CBPF-CS-001/99, Março de 1999 e no livro Crônicas da Física, Tomo 6 (EDUFPA, 2001).