ONDE A FÍSICA E A ENGENHARIA SE ENCONTRAM

ENGENHARIA: CIVIL E RODOVIÁRIA

ONDE A FÍSICA E A ENGENHARIA SE ENCONTRAM

Quando o amigo, engenheiro civil João Messias dos Santos Filho, em nome do Clube de Engenharia do Pará (CEP), convidou-me para fazer uma palestra neste Clube, por ocasião da comemoração do Dia do Engenheiro deste ano de 1986, veio-me logo à mente a idéia de falar sobre a relação ente a Física e a Engenharia, já que fui um profissional de Engenharia e hoje sou um profissional de Física.

A relação entre a Física e a Engenharia pode ser sintetizada nesta frase: – “Engenharia é Física mais bom senso”, frase essa que ouvi pela primeira vez de meu saudoso professor e querido amigo Djalma Montenegro Duarte, que, por sua vez, a ouvira de seu mestre Sodré da Gama, quando aquele estudava engenharia na famosa Escola Nacional de Engenharia (ENE) do Largo de São Francisco, no Rio de Janeiro, na década de 1930.

O título desta palestra eu o escolhi para prestar uma homenagem ao saudoso mestre José Maria Hesketh Condurú, que, sendo biólogo e físico, ao estudar essas duas ciências, percebeu que havia um fato comum entre elas, já que ambas iniciaram seu estatuto científico por uma espécie de denominador comum – o gene na Biologia e o átomo na Física. Tal fato o motivou, creio eu, a escrever uma série de artigos em um jornal de nossa terra (A Província do Pará, por volta de década de 1960, se não me falha a memória) com o título: – Onde a Física e a Biologia se integram. (É oportuno lembrar que hoje, tanto o gene quanto átomo não se constituem mais como elementos fundamentais.)

Eu poderia, nesta conversa, desenvolver uma série de argumentos com os quais procuraria demonstrar que a Engenharia, em qualquer de suas modalidades: Civil, Elétrica, Mecânica, Metalúrgica, Nuclear, etc., se relaciona intimamente com a Física, uma vez que aquelas modalidades se baseam, fundamentalmente, em princípios físicos; no entanto, isso é por demais óbvio, e insistir nesse tema, seria desmerecer a douta platéia que me ouve.

Por outro lado, poderia, também, escolher como tema uma relação entre a Física e a Engenharia, desta vez, mostrando que os grandes problemas de Engenharia com que a Amazônia se defronta (por exemplo, propagação de ondas eletromagnéticas na troposfera, aterramento de cabos telefônicos, espelhamento de grandes massas d´água, etc.), só poderão ser resolvidos por intermédio de um modelo físico-matemático formulado por engenheiros especialistas em tais problemas.

No entanto, preferi escolher como tema uma observação que fiz depois de atuar quer como engenheiro civil, quer como profissional da Física, conforme já me referi acima, durante mais de 20 anos de minha vida. Vejamos qual foi essa observação.

Na minha profissão de engenheiro civil, construí diversas casas, calculei muitas estruturas de concreto armado, projetei várias estradas de rodagem e fiscalizei a construção de algumas rodovias e auto-estradas. Em todos esses serviços realizados, muito professores e colegas me ajudaram, razão pela qual gostaria, nesta oportunidade, de destacar alguns deles, sem desmerecer os demais, já que escolhi, apenas um dos aspectos de minha atividade profissional: o de calculista de concreto armado. Assim, o início dessa atividade [que ocorreu logo quando cursava, em 1956, o 3o. ano da então Escola de Engenharia do Pará (EEP)], deu-se por haver sido solicitado a fazer um acréscimo, na casa de uma família minha amiga. Para realizar tal acréscimo, precisava calcular uma pequena estrutura de concreto armado composta de laje, viga e pilar. No entanto, como só conhecia Resistência dos Materiais (em virtude do excelente curso ministrado por meu saudoso e querido mestre Rui da Silveira Britto), fui à casa de meu amigo, o engenheiro Luiz Gonzaga Baganha, com quem trabalhava no então SMER, hoje DMER, para que ele me auxiliasse nesse cálculo. Baganha, então, apanhou o livro Calculista de Estruturas de Simon Goldenhórn, e fizemos o cálculo.

No ano seguinte, já aluno do professor João Lima Paes, comecei a estudar o cálculo formal de estruturas de concreto armado na disciplina que ele então lecionava – Estabilidade das Construções – disciplina que me foi muito proveitosa, pois aprendi bastante a respeito de cálculo estrutural. Pois bem, então nesse mesmo ano de 1957 defrontei-me com o primeiro desafio: o cálculo de uma estrutura de concreto armado completa (sapata, pilar, laje e viga), para um prédio de dois andares que meu grande amigo e saudoso colega de turma, o engenheiro Laurindo Antônio Gonçalves de Amorim, iria construir na Senador Manoel Barata, como de fato construiu. Neste cálculo, tive a grande ajuda de um outro amigo, o engenheiro Isaac Barcessat, meu colega, também, no SMER. Com Barcessat aprendi muitos macetes do cálculo de concreto armado.

Porém, o grande desafio de minha vida como calculista de concreto armado, foi o delineamento e cálculo das estruturas que compõem a Sede Campestre da Tuna Luso Brasileira (TLB), tais como: piscina olímpica com 50 m de comprimento e 4,50 m de profundidade em sua parte mais funda; arquibancadas em quadro e com um imenso balanço; trampolim de 10 m de altura. (Foi engenheiro desta obra Laurindo Amorim, tendo o falecido Sr. Waldomiro Martins Gomes como Presidente da Comissão de construção dessa Sede.) Pois bem, lembro-me que para calcular a arquibancada em quadro, tive de resolver um sistema de 13 equações a 13 incógnitas, no “braço”, apenas com auxílio de um algoritmo que tive de aprender na ocasião para resolver esse problema. Nessa época eu não sabia trabalhar com matrizes e nem havia computadores em Belém.) Depois desse desafio, outros aconteceram. Por exemplo, o cálculo de concreto armado em regime de ruptura, estruturas especiais em fundações (vigas-alavancas), sapatas apoiadas em estacas de concreto armado, caixas d´água com geometrias arrojadas, etc. Todos esses cálculos foram feitos de maneira quase pioneira e sempre autodidaticamente, já que Belém não dispunha nessa época de muitos calculistas. Convém nesta oportunidade enfatizar o grande papel representado pelo Curso de Concreto Armado do professor Aderson Moreira da Rocha, para os pretensos calculistas de estados fora do eixo Rio-São Paulo. [É oportuno lembrar que tive o privilégio, juntamente com outros engenheiros, de ser aluno do professor Aderson por ocasião de um Curso que ministrou em Belém, em 1969, Curso esse patrocinado pelo então Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPT) e intitulado Concreto Protendido.]

Feito esse longo preâmbulo, o ouvinte questionará: como se enquadra no que dissemos acima, o tema de nossa palestra? O meu exercício como engenheiro civil realizando os vários trabalhos a que reportei acima e feitos de modo não-acadêmico, apresentava uma série de deficiências, que eu não conseguia compreender. Por exemplo, qual a razão para o aparecimento de certos tipos de fissuras em peças de concreto armado, ou mesmo em paredes e pavimentos, por mim calculadas, construídas ou fiscalizadas, apesar de todo o cuidado tomado na realização de tais tarefas? Achava eu que a não compreensão dessas fissuras especiais era devido ao fato de não entender o que estava ocorrendo, a nível microscópico, no interior dessas estruturas. Desse modo, pensava eu, somente o estudo microscópico da matéria, de um modo geral, poderia responder a essa angustiante questão. Sendo também professor de Física macroscópica, ou seja, Mecânica, Calor, Eletricidade, Óptica Geométrica, etc., e, por outras questões que me pareciam éticas, resolvi fechar meu escritório de engenharia e viajar para Brasília, em 1965, em busca de duas coisas: aprender Física microscópica e, por via de conseqüência, compreender a razão daquelas fissuras que tanto me atormentavam, embora não pretendesse mais me dedicar ao cálculo estrutural.

Em Brasília completei o Curso de Bacharelado em Física. No entanto, a crise que ocorreu na Universidade de Brasília (UnB) naquele mesmo ano (isto é, em 1965), impediu-me de continuar os estudos pós-graduados de Física, o que só viria a acontecer em 1968, quando fui para São Paulo, terminando no ano seguinte, os créditos de Mestrado e de Doutorado. No entanto, devido a crise que também se abateu sobre o Brasil e, principalmente, nas Universidades brasileiras, em conseqüência do Ato Institucional no.5 (AI-5), somente em 1973 e 1975, respectivamente, conclui o Mestrado e o Doutorado na Universidade de São Paulo (USP), sob a orientação segura e amiga de Mauro Sérgio Dorsa Cattani, hoje Professor Titular daquela Universidade. Durante essa minha estada na USP, aprendi uma boa parte da Física microscópica.

Pois bem, foi durante esse longo aprendizado que fiz a observação que serviu de tema a esta conversa. Os trabalhos desenvolvidos por mim ao escrever as teses de Mestrado e de Doutorado e, em cerca de 12 “papers” publicados em revistas internacionais (trabalhos esses feitos em colaboração com o professor Cattani), tratam, fundamentalmente, do estudo da forma de linhas espectrais devido a colisões eletrônicas em plasmas quentes. Pois bem, nesses trabalhos também aparecem outros tipos de “fissuras” que não compreendi e que ainda não compreendo. Por exemplo, o elétron com que trabalhei era representado apenas por uma “onda plana” e nada mais. Até hoje, contudo, os físicos não sabem o que é um elétron, pois ainda não compreendem a razão de sua massa, de sua carga elétrica, de seu spin e de seu momento magnético anômalo. Por outro lado, os físicos teóricos dizem que o elétron é um “ente” que satisfaz à equação de Dirac; de sua parte, os físicos experimentais dizem, por exemplo, que o elétron é uma partícula que é desviada na presença de um campo eletromagnético. (É claro que outras partículas carregadas também são desviadas na presença de um campo eletromagnético. Porém, uma análise mais detalhada da região onde ocorre esse desvio, permitirá saber o tipo de partícula procurada.)

Para não me alongar muito nesta palestra, e considerando que a explicação das estranhas fissuras (às que me referi acima) que ocorrem nas obras executadas pelos engenheiros civis, passa, seguramente, pelo elétron, via Física do Estado Sólido, vou concluí-la com a observação a que cheguei depois de anos de trabalho como engenheiro e como pesquisador em Física: A Engenharia é uma caixa-preta macroscópica e A Física é uma caixa-preta microscópica, ou equivalente: A Física é uma microengenharia. É dentro dessa caixa que vejo, portanto, onde a Física e a Engenharia se encontram, isto é, se quisermos atribuir a ela um sentido amplo, podemos também dizer que ambas se encontram no inconsciente de cada um dos estudiosos dessas duas Ciências: – o Engenheiro e o Físico.

Muito obrigado!

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1. Artigo publicado no Boletim da SBHC 6, agosto de 1987, p. 7.