AFFONSO: O ENGENHEIRO DO ANO 2000

PERFIS

AFFONSO: O ENGENHEIRO DO ANO 2000¹

O Clube de Engenharia do Pará (CEP) e o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Pará (CREA-PA)escolheram como o Engenheiro do Ano 2000, um dos mais talentosos e probos homens públicos do Pará, o Engenheiro Civil (Universidade Federal do Pará, 1965) e Mestre em Engenharia Estrutural (Vanderbilt University, 1967), JOSÉ AUGUSTO SOARES AFFONSO, nascido em Belém, no dia 29 de janeiro de 1942.

Honrado pelo CEP e pelo CREA-PA, respectivamente, nas pessoas de seus ilustres Presidentes, os engenheiros civis José Leitão de Almeida Viana e João Messias dos Santos Filho, e  suas dignas Diretorias, vou apresentar o Affonso à sociedade técnico-científica de Belém tendo em vista o convívio direto que tivemos, por mais de 40 anos, ora como seu professor, colega de profissão, e apreciador de suas atividades como homem público.

Conheci o Affonso em 1958, quando fui seu professor de Física, no primeiro ano científico do querido e inesquecível Colégio Estadual “Paes de Carvalho’’ (CEPC). Durante os três anos como seu professor nesse Colégio, percebi que estava em presença de um aluno brilhante e promissor, não só pelo seu desempenho escolar, na minha disciplina e nas demais da grade curricular do então Curso Científico, bem como pelo interesse no conhecimento mais geral, principalmente o literário e o artístico.

Minha admiração pelo talento do Affonso foi aumentando à medida que tive novos convívios com ele. Inicialmente, como meu auxiliar de engenheiro, quer no extinto Departamento Municipal de Estradas de Rodagem de Belém (DMER-Bl), quer em meu Escritório de Cálculo Estrutural, que funcionou na casa do Leônidas Alves de Souza (também, meu auxiliar de engenheiro, juntamente com o Lauro Couiti Inagaki), situada na hoje Avenida Magalhães Barata, próximo da Travessa Nove de Janeiro. Posteriormente, como colega de engenharia rodoviária, no DMER, e como seu auxiliar-direto quando ele dirigiu esse Órgão Rodoviário Municipal.

Em 1966, Affonso partiu para os Estados Unidos da América e, na Vanderbilt University, em tempo recorde, concluiu o Mestrado em Engenharia Estrutural, com a tese intitulada Uma solução analítica para pesos de terra de contenção em solos coesivos, com a qual começou seu aprendizado com o computador. Voltou a Belém, em 1967, e logo em 1968, foi convidado a lecionar na então Escola de Engenharia da Universidade Federal do Pará, na Cadeira Estabilidade das Construções, que havia sido, temporariamente, regida por mim, no ano anterior. Nessa Cadeira, até se aposentar em 1995, Affonso inovou e revolucionou o ensino, introduzindo conceitos e técnicas novas de Cálculo Estrutural, com a utilização pioneira do computador.

O destaque de Affonso como o engenheiro da era galileana estrutural paraense, a do uso do computador (eu fui um dos últimos engenheiros da era tychobraeana estrutural paraense, daquela que usou a régua de cálculo, a máquina de calcular curta, o método de Cross e as tabelas do Aderson Moreira da Rocha, e da qual foram seus principais representantes os engenheiros civis João Lima Paes, Angenor Porto Pena de Carvalho, Fernando Guilhon, Mário Araújo e os irmãos Edison e Evandro Bonna), fez com que um dos melhores escritórios de Cálculo Estrutural de Belém de então, dirigido pelos engenheiros civis, Paulo Borges Leal e Lindolfo de Campos Soares, o convidasse, ainda em 1968, para integrar-se à sua equipe. Desse modo, surgiu a Projetos e Engenharia Ltda. (PROJEN), cujo destaque e prestígio técnico são bem conhecidos pela comunidade de engenheiros no Pará, do qual, certamente, falará o grande homenageado desta noite de 20 de dezembro de 2000.

Afirmei acima que minha amizade com o engenheiro do ano do final do segundo milênio da era cristã tem também como base a sua postura de homem público. Essa postura, caracterizada por sua plena consciência de servidor público, de íntegra probidade e de alta capacidade técnico-científica, eu a vivenciei quando fui seu colaborador direto nas quatro vezes em que ele exerceu o cargo de Diretor Geral do ex-DMER. Primeiro, na gestão do Prefeito Mauro Porto (1970); segundo, na gestão do Prefeito Loriwal Rei de Magalhães (1982); terceiro, na gestão do Prefeito Said Xerfan (1983); e quarto, na gestão do Prefeito e atual Governador, Almir José de Oliveira Gabriel (1983-1985) de quem, aliás, é um de seus Secretários Especiais, o da Infra-Estrutura, Secretaria essa que é responsável pelas grandes obras de engenharia que estão modernizando o Pará.

Ao aposentar-me do DMER, em 14 de março de 1985, encerrou-se meu contato direto com o Affonso. Contudo, tenho observado que aquela mesma postura continua sendo a marca fundamental de seu caráter, e com, certeza, até decidir aposentar-se das atividades públicas. Não seria fora de propósito afirmar que, depois de ser seu professor, ele passou a ser, também, meu professor, pois essa postura do Affonso ensinou-me (e espero que a outros) como deve agir um verdadeiro homem público.

Na conclusão desta homenagem ao meu dileto e querido amigo Affonso, gostaria de finalizar com uma generalização de um lugar comum. É rotineiro afirmar-se que: – Atrás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher. Contudo, creio ser essa afirmação apenas parcial, já que, um grande homem é o resultado de uma grande família, composta de ascendentes, colaterais e descendentes, responsável por sua educação no  sentido holístico do termo. Assim, quero, nesta oportunidade, homenagear seus pais Jurema e Adalberto (in Memoriam); sua segunda mãe, Consuelo; seu tio paterno Augusto César (in Memoriam); e seus irmãos Laércio, Solange, Adalberto, Ana Lúcia, Regina, Ana Maria, Carmen Sílvia, Lana, Lília e Norma; sua mulher Leomira; sua sogra Emília; seus cunhados Landulfo, Léo, Leoni, Landoaldo, Landri e Laércio Matos; e suas filhas, a virtuosa pianista Gabriela, e a talentosa engenheira Carolina.

Parabéns ao CEP e ao CREA-PA pela feliz escolha do Engenheiro do Ano 2000. A você, Affonso, desejo que continue a engrandecer e honrar o Pará (quiçá, num cargo ainda mais elevado do que o seu atual), e muitas felicidades extensivas à sua grande família!

[Adendo: Pronunciamento por ocasião da missa de sétimo dia de falecimento do Affonso: 29 de março de 2010, na Capela do Pão de Santo Antônio]

Estou aqui para falar em nome dos amigos do Affonso. Vou me reportar apenas aos seus amigos do ex-DMER (Departamento Municipal de Estradas de Rodagem): Machado (José da Silva), Loriwal (Rei de Magalhães), Sílvio (Samuel Moreira Aflalo), Moura (Heronides Gomes de), Lindolfo (José de Campos Soares) Jacy (Gonzaga da Igreja), Ronaldo (Mártires) Coelho, Mergulhão (Geraldo), Paulo Sérgio (Fontes do Nascimento) e Amorim (Antonino Cantão de Amorim Filho).

Não falarei do Affonso como o excelente profissional que foi [ainda hoje o articulista do jornal O Liberal, engenheiro Rodriguez (Luiz Carlos), escreveu sobre a interferência profissional do Affonso, como engenheiro estrutural, impedindo que houvesse uma falha, com possíveis consequências danosas, com a marquise e a cobertura do Aeroporto Internacional de Belém], nem como o executivo correto e de excelente caráter que também o foi, pois isso é o efeito. Falarei da causa.

Durante mais de 30 anos estudo e escrevo sobre a Física e os Físicos. Nesse estudo, percebi que um pesquisador só se torna um excelente profissional, se tiver três características: talento, sorte e coragem.

Vejamos o talento do Affonso. Em 1966, ele foi para os Estados Unidos, a fim de fazer o Mestrado em Engenharia Estrutural na Vanderbilt University. Normalmente, um Curso de Mestrado é realizado entre dois e dois anos e meio. Ele o fez em um ano. E mais ainda, sobre um tema que não aprendera na então Escola de Engenharia do Pará (EEP) (apesar de não ser ensinado, uma vez que ainda não existia computador na EEP), qual seja: cálculo estrutural computacional.

A sorte é a de estar no lugar certo, na hora certa (eu, por exemplo, sempre estive no lugar certo, porém, na hora errada). Pois bem, a sorte aconteceu com o Affonso logo que este chegou dos Estados Unidos em 1967. Certo dia, fui chamado pelo Diretor do DMER, o engenheiro Deusimar Macedo, para tratar de uma questão técnica relativa à Rede Rodoviária Municipal, que precisava de uma pessoa que soubesse bem inglês. Lembrei-me imediatamente do Affonso e fui buscá-lo na Secção de Planejamento que ele dirigia. Aliás, é oportuno dizer que Affonso, Lindolfo e eu, éramos os três madeiras do DMER, pois eu dirigia a Secção de Estudos e Projetos e o Lindolfo, a Secção de Conservação. Pois bem, foi a partir dessa intervenção do Affonso, com o seu conhecimento de inglês, que passou a ser respeitado e solicitado, não apenas pelo inglês, mas também, e principalmente, pela sua excelente formação profissional.

Agora, tratemos da coragem do Affonso. Indicado, em 1968, para ser professor da Cadeira de Estabilidade das Construções, na EEP, ele começou então a ensinar a seus alunos o cálculo estrutural computacional, que ele utilizava no Escritório de Cálculo Estrutural, juntamente com o engenheiro Paulo Leal (fundador desse Escritório) e o Lindolfo, usando um computador que ele havia indicado para ser adquirido por aquele Escritório. Por isso, eu chamava o Affonso de – o Galileu do Cálculo Estrutural do Pará -, em alusão ao astrônomo e físico italiano Galileu Galilei, que havia sido o primeiro a olhar o céu com a vista armada, ou seja, com o telescópio. Foi preciso muita coragem do Affonso para introduzir o computador na engenharia estrutural paraense, em substituição aos métodos gráficos e algébricos tradicionais de cálculo.

Creio ser oportuno destacar, também, um outro aspecto da coragem do Affonso. Ele conseguiu adiar, por mais de cinco anos, uma morte que um câncer no mediastino, sem possibilidade de intervenção cirúrgica, lhe perseguira desde que apareceu.

Por fim, concluo esta homenagem de seus amigos rodoviários municipais com a frase do filósofo holandês Spinoza (Benedict de): – Viver é perder amigos. Isso significa dizer, neste contexto, que quando perdemos um amigo, uma parte de nós vai com ele. Foi isso que senti quando soube da morte do Affonso, no dia 23 de março: eu estava mais leve. Amigo Affonso fique no céu esperando por nós, mas não agora! Obrigado.

¹Artigo publicado no jornal O Liberal no dia 17 de janeiro de 2001.