JOSÉ TADEU DE SOUZA PAES: IN MEMORIAM

PERFIS

JOSÉ TADEU DE SOUZA PAES: IN MEMORIAM ¹

Faleceu no dia 22 de outubro de 1997, em Campinas, São Paulo, vítima de hepatite C, o físico e engenheiro eletrônico JOSÉ TADEU DE SOUZA PAES, Professor Adjunto do Departamento de Física da Universidade Federal do Pará.

Tadeu nasceu em Icoaraci, uma vila nos arredores próximo de Belém do Pará, no dia 16 de novembro de 1952. Nessa mesma vila, na Escola Paroquial São João Batista, cursou o então Curso Primário, de 1961 a 1965, e no Colégio Estadual “Avertano Rocha”, os chamados, respectivamente, Cursos Ginasial, entre 1966 e 1969, e Científico, de 1970 e 1972.

Menino e adolescente de origem humilde, e com vocação para as atividades científicas e tecnológicas, Tadeu ingressou na Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1973, para o Curso de Licenciatura em Física, e, em 1974, para o Curso de Engenharia Eletrônica. Contudo, como não poderia realizar os dois cursos ao mesmo tempo, pois precisava ajudar economicamente sua família, preferiu dar prioridade a Licenciatura em Física (concluída em 1977), já que ensinava essa disciplina, primeiro em aulas particulares, e, a partir de 1975, no Colégio Avertano Rocha e no Colégio Graziela. Em 1976, ingressou no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, e em 1979, no Colégio Teodora Bentes. Todos esses estabelecimentos de ensino situam-se em Icoaraci, sua terra natal e de coração.

Percebendo que para aprender Física era necessário ensiná-la e estudá-la, em nível mais elevado que o do Segundo Grau, Tadeu tornou-se, em 1976 e 1977, Monitor de Ensino do Departamento de Física da UFPA (DF/UFPA), nas disciplinas Física Geral I,II e Mecânica. Ainda em 1976, participou do Curso de Extensão Universitária em Técnicas Experimentais, patrocinado pela UFPA, e em 1977 e 1978, do Curso de Capacitação de Professores, patrocinado pela Secretaria de Educação do Estado do Pará. (Registre-se que como aluno de Engenharia Eletrônica, Tadeu participou do Curso de Radar e Sonar Digitais, realizado em 1978, no Rio de Janeiro e patrocinado pela Marinha do Brasil.)

Em 1979, Tadeu começou sua carreira como professor do DF/UFPA. Paralelamente às atividades docentes, realizou outras relacionadas com a melhoria do ensino da Física e da Matemática, principalmente no que se refere à elaboração de currículos mais adequados ao ensino dessas disciplinas. Contudo, nesta atividade extra, ele percebeu que a melhoria do ensino de qualquer disciplina, em particular a Física, só poderia ocorrer se ela fosse acoplada à pesquisa. Assim, decidiu fazer pós-graduação, viajando então para o Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em 1983.

No IFGW, Tadeu iniciou seu Mestrado em Física, passando a fazer parte do grupo de pesquisas em Física de Partículas Elementares, sob a liderança do Professor Dr. José Bellandi Filho. Assim, em dezembro de 1985, Tadeu defendeu a Tese de Mestrado intitulada Aplicação do Modelo Chou-Yang ao espalhamento elástico píon negativo e próton, sob a orientação daquele Professor. O trabalho do Tadeu com o grupo do Bellandi foi bastante fértil, pois deu origem a cinco trabalhos que foram apresentados em Congressos de nível internacional, e alguns deles publicados em Revistas Internacionais indexadas. (É oportuno registrar que com esse trabalho, Tadeu passou a ser o primeiro paraense, ligado ao DF/UFPA, a fazer pesquisas em Partículas Elementares.)

Concluído o Mestrado em apenas um ano e meio, Tadeu regressou a Belém, voltando a atuar no DF/UFPA. Porém, desta vez, além de aulas na graduação, também ministrou aulas em um Curso de Especialização, realizado por esse Departamento. Aproveitando essa volta e com uma melhor formação em Física, Tadeu realizou seu velho sonho: formar-se em Engenharia Eletrônica. Assim, em 1987, recebeu o grau de Engenheiro Eletrônico, depois de haver defendido o Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Aplicação da Estatística de Fermi-Dirac nos semicondutores, sob a orientação de seu grande amigo e colega do DF/UFPA, professor Victor Façanha Serra.

Estimulado pelo Professor Alberto Santoro, do LAFEX-CBPF, Tadeu tentou obter junto à CAPES uma bolsa de estudos para fazer, a partir de 1988, o Doutoramento no Fermi National Accelerator Laboratory (FERMILAB). Porém, como a política de órgãos fomentadores da pesquisa no Brasil é degenerada, isto é, não leva em consideração as diferenças geográficas e culturais das regiões brasileiras, Tadeu permaneceu na UFPA, onde além de ministrar aulas exerceu cargos administrativos, como a Chefia do DF/UFPA, por dois mandatos (1989-1993) e a Coordenação Curso de Mestrado em Física, de 1993 a 1994, ocasião em que promoveu a restruturação desse Curso. Ao concluir o mandato dessa Coordenadoria, recebeu um convite para fazer o seu almejado Doutoramento. Desta vez, o convite partiu de seu amigo, Professor Márcio José Menon do IFGW, que o conhecera em 1985, quando este era aluno de Doutorado e o Tadeu de Mestrado, ambos pertencentes ao grupo do Professor Bellandi.

Desse modo, em agosto de 1994, Tadeu foi para a UNICAMP trabalhar com o Professor Menon, que desenvolvia e ainda desenvolve um trabalho de pesquisas relacionado com Interações Hadrônicas. De imediato, o Professor Menon propôs como Tese de Doutoramento do Tadeu, o tema intitulado Abordagem Eiconal do Espalhamento Píon-Próton em Altas Energias. Depois de fazer os cursos obrigatórios de Doutoramento, a partir de agosto de 1995, Tadeu começou seu trabalho de Tese participando de seminários coordenados pelo Professor Menon, dos quais participaram outros estudantes pós-graduandos (P. C. Beggio, P. A. S. Carvalho, A. F. Martini e M. J. S. Neto). Assim, de agosto de 1995 até outubro de 1997, esse grupo desenvolveu cinco artigos que foram apresentados nos Encontros Nacional de Partículas e Campos (1995, 1996, 1997).

Com a Tese praticamente pronta, Tadeu preparava-se para cumprir os rituais finais de seu Curso de Doutoramento: Exame de Qualificação, em outubro de 1997; Seminário Pré-Tese, em novembro de 1997; Defesa de Tese, em janeiro de 1998. Infelizmente, Tadeu faleceu antes de cumprir esses rituais. (Em vista do exposto acima, seria importante que a UFPA concedesse ao Tadeu, post-mortem, o Título de Doutor, com todos os direitos dele decorrente, segundo sugeriu o professor João Furtado de Souza ao Departamento de Física.)

Na conclusão desta nota sobre as atividades acadêmicas do Professor Tadeu, o nosso Tadeuzinho (conforme era tratado por colegas, funcionários e alunos do DF/UFPA) gostaria de fazer um comentário sobre a prematura morte desse estimado colega. Apesar de lutar contra uma hepatite perniciosa, que começou a se agravar no início deste ano de 1997, Tadeu trabalhou intensamente em seu Doutoramento, pois queria terminá-lo o mais depressa possível e voltar para sua querida Icoaraci. Contudo, em outubro p.p., seu estado de saúde agravou-se e ao ser internado na UTI de um hospital público em Campinas, foi constatado que sua cura dependia de um transplante de fígado. Na véspera de sua morte, no início da noite, ele teve alta e foi mandado para casa, com a recomendação de que esperasse pelo transplante, já que seu nome estava numa longa lista de espera.

Ao chegar em casa, bastante cansado, Tadeu teve uma nova crise e depois de passar, certamente, a noite dos desesperados, voltou no dia seguinte ao mesmo hospital em que estivera no dia anterior. Como a UTI estivesse lotada, ficou alojado em um quarto do Pronto Socorro desse mesmo hospital. Infelizmente, não resistiu e faleceu logo depois.

Durante a doença do Tadeu, ele teve todo o carinho e desvelo de sua mulher Rosa Maria Borges Paes e de seus filhos Tadeu Marcos Borges Paes, Maraisa Borges Paes e Isamara Borges Paes, de seu cunhado Kiko, bem como de seus professores e colegas da UNICAMP, principalmente de seu orientador e amigo, professor Menon e esposa Maria de Lourdes, e de Manuel Januário da Silva Neto.

O relato acima sobre a tragédia vivida pelo Tadeu demonstra que embora a Constituição Brasileira assegure o direito à saúde pública a qualquer cidadão brasileiro, a realidade cotidiana é outra, pois apenas uma pequena minoria do povo brasileiro tem uma excelente qualidade de tratamento de saúde, enquanto a esmagadora maioria do povo brasileiro depende de um sistema público falido. Desse modo, parafraseando o escritor inglês George Orwell em Animal Farm (“Fazenda dos Animais”), livro escrito em 1945 e no qual analisou as sociedades totalitárias, podemos dizer que: – Em um terceiro mundo globalizado, todos são iguais perante à lei, porém, uns são mais iguais do que outros.

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1. Artigo publicado no livro Crônicas da Física, Tomo 5 (EDUFPA, 1998) e na Ciência e Sociedade CBPF-CS-008/98, Março de 1998.