MUDOU A ENGENHARIA RODOVIÁRIA OU MUDEI EU?

ENGENHARIA: CIVIL E RODOVIÁRIA

MUDOU A ENGENHARIA RODOVIÁRIA OU MUDEI EU?

Em minhas idas para a Universidade Federal do Pará (UFPA), em ônibus da Viação Guajará/Viação Rio-Guamá, e ao ver [desde que me aposentei como engenheiro rodoviário do extinto Departamento Municipal de Estradas de Rodagem (DMER), em 1985], os vários e periódicos consertos feitos pela Prefeitura de Belém nas ruas que dão acesso àquela Universidade, sempre me lembrava (e ainda me lembro) de um soneto do grande escritor Machado de Assis sobre o Natal e, parodiando o mesmo, me perguntava e ainda me pergunto: Mudou a Engenharia Rodoviária ou mudei eu?.

Os consertos que tenho visto naquelas ruas são (a meu ver) completamente diferentes das que o DMER realizava, antes de ser extinto em 31 de dezembro de 1989. Por exemplo, quando uma rua (ou estrada) estava toda esburacada, o Diretor Geral daquele órgão municipal, assessorado pelo Assistente Técnico, reunia o seu Corpo Técnico e, em conjunto, decidiam que fazer. Caso fosse verificado que havia falência completa da base do pavimento em questão (como parece aconteceu nas ruas que me referi acima), a decisão era a de construir um pavimento novo, com a remoção completa do antigo. Aí, então, começava todo um ritual tecnológico. Vejamos qual.

Inicialmente, havia um levantamento topográfico (horizontal e vertical) da obra em questão e, de posse desse levantamento, eram feitos diversos projetos: geométrico, geotécnico, drenagem, obras de arte (estas se fossem o caso), pavimento e planejamento econômico e financeiro. Para cada um dos projetos, existia uma divisão (e suas respectivas seções) competente para realizá-los: Estudos e Projetos, Conservação, Pavimentação e Planejamento. Quando o projeto estava completo e a verba garantida para a sua realização do mesmo, o mesmo era, então, entregue à Divisão de Construção.

É oportuno salientar que, por ocasião da construção propriamente dita da obra, entrava em cena a maior virtude (em meu entendimento) do então DMER: o seu espírito de equipe, de “team”, como dizem os americanos. A obra era realizada sob um ponto de vista holístico, ou seja, os seus diversos projetos eram constantemente fiscalizados por seus realizadores. E isso sempre acontecia, qualquer que fosse o executor da obra: o próprio DMER ou alguma empreiteira vencedora da concorrência pública.

Além da virtude do DMER apontada acima, existia uma outra que era de caráter técnico-filosófico. No tempo em que trabalhei (mais de 30 anos) nesse antigo órgão rodoviário municipal, a maioria quase absoluta das obras realizadas pelo mesmo tiveram seus projetos executados por seu Corpo Técnico. Contudo, quando a obra apresentava um caráter polêmico, era solicitado o assessoramento de um técnico, geralmente de nível internacional, para participar do projeto. Por exemplo, quando foi feito o projeto da Avenida Bernardo Sayão (Estrada Nova) foi escolhida a brita graduada, para servir de base ao pavimento de concreto asfáltico. Essa escolha foi sugerida pelo saudoso engenheiro paraense Washington da Silveira Britto, que trabalhava para o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, no Rio de Janeiro. Essa Avenida continua até hoje com o seu pavimento em condições razoáveis de tráfego, apesar de o mesmo haver sido construído há mais de 20 anos.

É importante enfatizar que aquele caráter técnico-filosófico via de regra, sempre o mesmo, quaisquer que fossem os engenheiros que então dirigiam o DMER (Alírio César de Oliveira, Deusimar Macedo, Evandro Simões Bonna, Heronides Gomes de Moura, José Augusto Soares Affonso, José Maria Cordeiro de Azevedo, Maluf Gabbay, Mariuadir José Miranda Santos, Ocyr de Jesus Moraes Proença, Ramiro Nobre e Silva e Sílvio Samuel Moreira Aflalo) e os engenheiros que compunham o seu Corpo Técnico (Aldebaro Barreto da Rocha Klautau, Antonino Cantão do Amorim Filho, Carlos Cunha, Celestino Rocha, Edson Augusto Freitas de Meira, Edmar Batista de Souza, Fernando Moreira Aflalo, Isaac Barcessat, Jacy Gonzaga da Igreja, José da Silva Machado, José Maria Filardo Bassalo, José Maria Reis e Souza, Joffre Alves Lessa, Lindolfo Campos Soares, Loriwal Reis de Magalhães, Luiz Roberto Horácio Freire, Luiz Gonzaga Baganha, Paulo Gilberto Ponte e Souza, Paulo Sérgio Fontes do Nascimento e Rodolfo Pereira Dourado), durante o tempo em que trabalhei naquele órgão rodoviário municipal. Observe-se que alguns dos diretores do DMER, também pertenceram ao seu Corpo Técnico (Alírio, Bonna, Moura, Affonso, Ocyr e Sílvio).

En passant, é oportuno registrar que Richard Sckmandeck, engenheiro de origem austríaca e Luís Roberto Freire foram, respectivamente, o primeiro e o último Diretor Geral do DMER. Além disso, Luiz Gonzaga Baganha, o dirigiu interinamente, assim como eu próprio o dirigi por poucos dias, nomeado que fui, a minha revelia, pelo então Prefeito de Belém, Mauro Porto. Como não concordei com o mecanismo de minha nomeação, indiquei o meu amigo José Affonso para me substituir. Mais tarde e pela segunda vez, indiquei o Affonso para ser Diretor Geral do DMER, depois de declinar do convite que me fez o então Prefeito de Belém, Loriwal Rei de Magalhães (meu grande amigo de infância), no final de seu mandato. A competência e a honestidade de Affonso fez com que Almir Gabriel, que sucedeu Loriwal na Prefeitura de Belém, o convidasse a permanecer na direção do DMER.

Voltando ao trabalho realizado pelo DMER durante sua existência, creio ser oportuno relacionar esse trabalho com a atual polêmica sobre a construção do prolongamento da Avenida Primeiro de Dezembro. No começo da década de 1980, a Seção de Estudos e Projetos desse órgão tentou fazer o projeto-piloto desse prolongamento para posterior execução. Contudo, não foi possível completar esse projeto em virtude de o prolongamento do eixo daquela Avenida cortar terrenos que pertenciam, ora ao Exército (“stand” de tiro, no Utinga), ora ao Hospital da Aeronáutica e, por fim, ao então Departamento de Água e Esgotos de Belém, que tinham (e têm) os mananciais de abastecimento de água de Belém, naquela região. Assim, naquela época não foi possível se chegar a um eixo executável da Primeiro de Dezembro, em virtude de razões de “segurança nacional”. E hoje, qual é a alegação para não se prolongar essa Avenida? Em meu entendimento, se o prolongamento chegar até o Entroncamento, conforme o DMER havia tentado projetar, aliviará bastante o trânsito de Belém.

Na conclusão deste artigo-memória, devo responder a pergunta título do mesmo, para satisfazer a curiosidade do leitor. Como estou fora da Engenharia Rodoviária há quase 15 anos e considerando que os consertos de ruas que tenho visto em algumas ruas de Belém (em meu entendimento, com a sua base seriamente comprometida), compõem-se apenas de um recobrimento de asfalto-areia (“sand-asphalt”), sem haver uma substituição total do pavimento (base e recobrimento) como acontecia no tempo em que trabalhei no DMER, creio que mudou a Engenharia Rodoviária. Espero que seja para melhor, isto é, que o tempo de vida média do pavimento recomposto com a técnica de hoje seja maior que do o da época em que o DMER construía!

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1. Artigo publicado no jornal Diário do Pará, no dia 22 de agosto de 1999.