Aspectos Históricos do Ensino da Matemática em Belém do Pará

Neste trabalho, vamos destacar alguns aspectos do Ensino da Matemática em Belém do Pará durante o Século 20, no Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC), no Instituto de Educação do Pará (IEP), na Escola de Engenharia do Pará (EEP), na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) e na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Antes de tratarmos do Ensino da Matemática no Século 20, em nossa cidade, cremos ser oportuno dizer que parece haver sido no Curso de Filosofia do Colégio do Pará, ministrado por volta de 1658 (42 anos depois da fundação de Belém), na Igreja de Santo Alexandre, o começo do ensino da Matemática em Belém por intermédio da disciplina Elementos de Geometria. Registre-se que, além dessa disciplina, eram ensinadas também naquele Curso: Física, Filosofia Racional, Latim, Retórica e Teologia. Infelizmente, a falta de arquivo sobre o Colégio do Pará, quer em Belém, ou mesmo no Brasil, uma vez que ele se encontra no Vaticano [1], não nos permitiu obter informações sobre o conteúdo daquela disciplina.
Depois do Colégio do Pará, provavelmente o ensino da Matemática continuou em outras instituições, por todo o Século 17, bem como por todo o Século 18. No Século 19, certamente, por causa das instituições que ainda hoje permanecem, tais como: o Colégio Nossa Senhora do Amparo (atual Colégio “Gentil Bittencourt”), fundado em 1804 [2]; o Lyceu Paraense (atual CEPC), fundado em 1841 [3]; a Escola Normal do Pará (atual IEP), fundado em 1871 [4]; e o Colégio Santo Antonio, fundado em 1877 [2]. Cremos ser oportuno registrar que, no Século 19, dois paraenses ilustres tiveram formação em Matemática. O primeiro foi José Coelho da Gama e Abreu – o Barão de Marajó -, presidente da Província do Pará de 1879 até 1891, Professor de Matemática no Lyceu Paraense. Ele bacharelou-se em Filosofia e Matemática, na Universidade de Lisboa [5]. O segundo foi Lauro Nina Sodré da Silva, Governador do Pará de 1891 a 1897 e de 1917 a 1920. Ele recebeu, em 1883, o diploma de Bacharel pelo Curso de Ciências Físicas e Matemáticas, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro [6]. No Século 20, foi na EEP, fundada em 1931 [7], que se iniciou o ensino superior da Matemática em Belém.
Conforme dissemos acima, o objetivo deste trabalho é o de destacar alguns aspectos do Ensino da Matemática no Século 20. Comecemos pelo então Ensino Secundário. Em 1920, foi defendida a primeira Tese de Cátedra de Matemática (TCM), no CEPC, pelo professor Augusto Serra, na qual tratou dos problemas relacionados com o infinito matemático, como se pode depreender do título de sua Tese: Infinito. Em 1937, na ENP, para a ocupação da Cátedra de Matemática, concorreram dois candidatos: o advogado Abel Martins e Silva, com a Tese intitulada Números Irracionais e Números Aproximados, e o engenheiro Hidelgardo da Silva Nunes, com a Tese Estudo da Teoria dos Erros. Foi o vencedor o professor Abel Martins [8].
Na década de 1940, mais duas TCM foram defendidas no CEPC. Em 1941, o engenheirando civil Ruy da Silveira Britto defendeu a Tese intitulada Conjuntos Lineares: Sucessão (Elementos) [9], na qual apresentou pela primeira vez em Belém do Pará a Teoria dos Conjuntos que havia sido elaborada pelo matemático germano-russo George Cantor, a partir de 1874. É interessante registrar que o professor Ruy Britto foi aluno do professor Abel Martins, e também ensinava Matemática no Colégio Moderno e na Escola Técnica de Comércio Fênix Caixeral Paraense. A outra Tese foi defendida pelo professor Oswaldo de Oliveira Serra, irmão de Augusto Serra, em 1944, com o seguinte título: O Número e a Quantidade. Note-se que os irmãos Serra fundaram o Colégio Moderno, em 1914.
A partir de agora, vamos tratar do Ensino da Matemática em Nível Superior. Conforme falamos acima, a EEP foi fundada em 1931. Nessa Escola, as Cadeiras que tratavam da Matemática, no Primeiro Ano, eram: Cálculo Infinitesimal; Geometria Analítica e Noções de Nomografia; e Complementos de Geometria Descritiva, Elementos de Geometria Projetiva, Perspectiva e Aplicações Técnicas.
A idéia da formação de professores de Matemática surgiu com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belém (FFCLB), em 1947, pela Sociedade Civil de Agronomia e Veterinária do Pará, sob a liderança do engenheiro civil Antonio Gomes Moreira Junior. Essa Sociedade havia sido criada em 1918, com o nome de Centro Propagador de Ciências.
Muito embora fosse fundada em 1947, a FFCLB só foi autorizada a funcionar em 1954. Assim, logo em 1955, foram oferecidas as seguintes disciplinas com temas matemáticos: Cálculo Infinitesimal, Geometria Descritiva e Projetiva, e Geometria Analítica, ministradas, respectivamente, pelos seguintes engenheiros civis: Renato Pinheiro Conduru, Alfredo Boneff e João Dias da Silva. Em 1956, mais duas disciplinas envolvendo conteúdo matemático foram lecionadas na FFCLB: Geometria Superior, pelo matemático Fernando Medeiros Vieira, e Mecânica Racional e Celeste, pelo professor Ruy Britto. Registre-se que, em 1959, esta disciplina passou a ser ministrada pelo matemático e engenheiro civil Manoel Leite Carneiro, em virtude do professor Ruy Britto ter ido para o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio de Janeiro, para realizar sua pós-graduação (lato sensu). Ainda na FFCLB, em 1960, o matemático Rui dos Santos Barbosa ensinou a disciplina Lógica Matemática, e o matemático e engenheiro civil Manoel Viégas Campbell Moutinho, a disciplina Álgebra. É interessante registrar que, em 1955, o normalista e engenheiro civil Luiz Gonzaga Baganha ensinou a disciplina Complementos de Matemática para o Curso de Pedagogia da FFCLB, sendo substituído, em 1957, pelo engenheiro civil Leão Samuel Benchimol. Com a criação do Núcleo de Física e Matemática (NFM) da então Universidade do Pará (UP) (esta havia sido fundada em 1957), em 1960, as disciplinas de Física e de Matemática que eram ministradas na EEP e na FFCLB, passaram a ser ministradas nessa nova Unidade Universitária, a partir de 1961 [10].
A formação pós-graduada dos professores de Matemática da UPA iniciou-se, conforme vimos acima, com a ida do professor Ruy Britto para o IMPA. Dois anos depois, em 1961, o professor Vieira foi também realizar sua pós-graduação nesse mesmo Instituto. Contudo, ao informar ao seu entrevistador, o matemático brasileiro Élon Lajes de Lima, de que era professor de Física nos Colégios Secundários de Belém, Élon então, sugeriu-lhe que fizesse a pós-graduação em Física. Imediatamente falou com o físico brasileiro Jayme Tiomno, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), também no Rio de Janeiro, que aceitou a transferência do professor Vieira para esse Centro.
Em 1961 começou a participação dos professores do NFM nos Colóquios de Matemática, organizados pelo IMPA. Assim, os professores Conduru, Carneiro, Rui Barbosa e Djalma Montenegro Duarte (professor de Física), foram participar do Terceiro daqueles Colóquios, que aconteceu em Fortaleza, no Ceará.
É oportuno registrar que, ainda em 1961, eu (então engenheiro civil) comecei a ministrar a disciplina Física-Matemática para os alunos do Curso de Matemática do NFM, por indicação do professor José Maria Hesketh Conduru, que a ensinava desde 1959. Como não havia a ementa dessa disciplina, eu, por indicação desse professor, ensinei a disciplina Termodinâmica, usando o formalismo das derivadas parciais, com a ajuda dos professores Renato Conduru e Moutinho.
Em 1962, o NFM começou a promover Cursos de Extensão. Assim, foi oferecido o Curso de Extensão de Matemática para os alunos dos Cursos Secundários de Belém. Para o nível superior, aqueles Cursos foram os seguintes: Matemática Aplicada à Física, pelo físico paraense Carlos Alberto Dias; Conjuntos e Funções, Topologia Geral e Análise Vetorial, pelo professor Renato Conduru; e Álgebra Linear, pelo professor Ruy Britto. Em 1963, tivemos: Análise Combinatória e Probabilidade, pelo matemático paulista Ruy Madsen Barbosa, e Teoria da Medida, pelo professor Ruy Britto. Em 1964, o matemático paraense e radicado no Rio de Janeiro, Jorge Barbosa, ministrou o Ciclo de Conferências sobre Matemática Moderna, patrocinado pelo Reitor da UPA, professor José da Silveira Neto. É oportuno registrar que alguns professores do NFM (eu, inclusive) foram alunos de todos aqueles Cursos, assim como ouvintes do referido Ciclo.
A trajetória do NFM descrita acima sofreu uma mudança de rumo com o Golpe Militar de 1964, pois a caça aos comunistas, o mote principal desse Golpe, fez alguns de seus professores saírem de Belém em busca de uma formação pós-graduada (stricto-sensu), fora de Belém. Assim, em 1965, os professores Moutinho e Rui Barbosa foram, respectivamente, para a Universidade de Brasília (UnB) e Universidade de São Paulo (USP). É oportuno notar que eu também fui para a UnB, nesse mesmo ano, porém para estudar Física. A conhecida crise na UnB [11], fez o professor Moutinho deslocar-se para o IMPA, para concluir seu Mestrado em Matemática, o que aconteceu em 1968. O professor Rui concluiu sua pós-graduação (lato-sensu) em 1967, e eu voltei para Belém.
Ainda em 1965, é interessante destacar três fatos relacionados com a Matemática em Belém. O primeiro foi a participação dos professores Rui Barbosa, Carneiro, Moutinho, Jorge Morgado e Raimundo Vasconcelos no 5o. Colóquio de Matemática realizado em Poços de Caldas, em Minas Gerais. O segundo foi a tentativa frustrada do professor Carneiro, que ficou em Belém, de criar no NFM, o Mestrado em Matemática, sob a coordenação do matemático brasileiro Alexandre Augusto Martins Rodrigues, da USP. O terceiro foi o curso que eu ministrei sobre Cálculo Avançado para os professores do NFM, em caráter extra-oficial.
Em 1966, o NFM retomou os seus Cursos de Extensão. Desta feita, o matemático brasileiro Ubirajara Alves ministrou o Curso intitulado Variedades Diferenciáveis e Topologia dos Espaços Métricos, do qual alguns professores do NFM participaram (eu, inclusive).
Quando estávamos, eu, Moutinho e Rui Barbosa, fora de Belém realizando a nossa formação pós-graduada, tivemos de cursar algumas disciplinas de graduação que não tínhamos em nosso currículo. Essa exigência era conhecida como nivelamento. Em virtude disso, quando chegamos a Belém (Rui, em 1967; Moutinho em 1968; e eu, em julho de 1969), decidimos que era necessário completar a formação dos alunos do NFM e, também, de outros Cursos da UPA, a fim de prepará-los para realizar a pós-graduação fora de Belém. Com essa idéia em mente, e contando com a participação dos professores Carneiro, Renato Conduru e Mario Tasso Ribeiro Serra (matemático e engenheiro civil), e com o apoio entusiástico do então Reitor Professor Aloysio da Costa Chaves, iniciamos em agosto de 1969, o Curso de Preparação ao Mestrado (CPM), no qual foram ministradas as seguintes disciplinas: Álgebra Linear (Carneiro), Análise (Moutinho), Álgebra (Renato Conduru), Cálculo das Variações (Serra) e Álgebra Tensorial (eu).
Infelizmente, dificuldades ideológicas oriundas do Golpe Militar de 1964 fizeram com que o CPM não tivesse prosseguimento em 1970 [12] e, por isso, o professor Rui Barbosa ficou frustrado, pois deixou de ensinar a disciplina Cálculo Avançado. Em vista disso, eu passei a ministrar Cursos de Extensão na EEP com a mesma finalidade do CPM, qual seja, a de preparar os futuros engenheiros para a pós-graduação. Assim, logo em 1970, sob o patrocínio do Instituto de Pesquisas Rodoviárias, Núcleo do Pará (IPR/PA), ministrei o Curso de Extensão de Métodos Matemáticos da Engenharia.
A Reforma Universitária implantada em 1971, ainda no Reitorado do Professor Aloysio Chaves, transformou a EEP em Centro Tecnológico (CT), acabou com o NFM e criou, em seu lugar, o Centro de Ciências Exatas e Naturais, constituído dos seguintes Departamentos: Física (DF), Matemática e Estatística (DME), Química (DQ) e Geologia (DG). Com a finalidade de atualizar professores e alunos desses dois Centros, ainda em 1971, eu ministrei o primeiro Curso de Extensão do DME: Métodos Matemáticos da Física; em 1972, o Curso de Extensão intitulado: Análise Tensorial e suas Aplicações à Física e à Engenharia, no CT; e, em 1985, o Curso de Extensão de Teoria de Grupos, no DF.
Na conclusão deste artigo, farei mais alguns comentários sobre a Matemática em Belém. Assim como o professor Moutinho foi o primeiro Mestre em Matemática da UPA, formado pelo IMPA, em 1968, conforme registramos acima, o primeiro Doutor em Matemática da UPA, foi o professor Ducival Carvalho Pereira, obtido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1987. Também é desse professor, o primeiro trabalho publicado do então DM/CCEN (hoje, Faculdade de Matemática do Instituto de Ciências Exatas e Naturais). Este trabalho, intitulado Soluções Globais para uma Classe de Equações Hiperbólicas Degeneradas, foi publicado nos Anais do IX Congresso Nacional de Matemática Aplicada e Computacional, realizado em Brasília, em 1986. Uma nova versão desse trabalho foi preparada pelo professor Ducival, agora com a participação de Y. Ebihara, e intitulado On Global Classical Solutions of a Quasilinear Hiperbolic Equation, com sua publicação na International Journal of Mathematics and Mathematical Sciences 12, p. 193-204, em 1989.
O primeiro Professor Titular do DM/CCEN foi o professor José Miguel Martins Veloso, título esse conquistado em Concurso Público realizado pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1989. Esse professor, Doutor em Matemática (Universidade de São Paulo, 1980), foi também o primeiro Coordenador do Curso de Mestrado em Matemática da UFPA, criado em 1994. É interessante ressaltar que esse Curso formou os seus primeiros Mestres, em 1997: Terezinha Oliveira Morais da Silveira e Maria de Nazaré Carvalho Bezerra, orientadas pelo professor Adilson Oliveira do Espírito Santo, Doutor em Engenharia Elétrica (UNICAMP, 1988).

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus estimados amigos Ducival, Moutinho e Rui Barbosa, a leitura crítica deste trabalho.

BIBLIOGRAFIA

[1] SERAFIM LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, Volume IV, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1943.

[2] JOSÉ MARIA FILARDO BASSALO, Crônicas da Física, Tomo 3, EDUFPA, 1992.

[3] CLÓVIS MORAES REGO, Subsídios para a História do Colégio Estadual “Paes de Carvalho”, FUNTEC/SECTAM/EDUFPA, 2002.

[4] ALTAMIR SOUZA, Apontamentos para a História do Instituto de Educação do Pará, Imprensa Oficial do Estado do Pará, 1972.

[5] CÉLIA COELHO BASSALO, Art Nouveau em Belém, Ministério da Cultura/Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2008.

[6] JOSÉ JERÔNIMO DE ALENCAR ALVES, O Cientificismo da França para a Amazônia. O Positivismo de Lauro Sodré, IN: Múltiplas Faces da História das Ciências na Amazônia, pgs. 61-76, EDUFPA, 2005.

[7] GERVÁSIO PROTÁZIO DOS SANTOS CAVALCANTE, A Escola de Engenharia do Pará: 54 anos, IN: Anais do Simpósio sobre a História da Ciência e da Tecnologia no Pará, Tomo I, pgs. 321-343, EDUFPA, 1985.

[8] CLÓVIS MORAIS REGO (mimeo/sd).

[9] RUY DA SILVEIRA BRITTO, Conjuntos Lineares: Sucessão, FUNTEC/SECTAM, 1998.

[10] WATERLOO NAPOLEÃO DE LIMA, PAULO DE TARSO SANTOS ALENCAR e RUI DOS SANTOS BARBOSA, Uma Tentativa de Consolidar as Atividades Básicas de Ensino e Pesquisa em Física, Informática, Química e Matemática: A Implantação do Centro de Ciências Exatas e Naturais da UFPA, IN: Anais do Simpósio sobre a História da Ciência e da Tecnologia no Pará, Tomo I, pgs. 113-179, EDUFPA, 1985.

[11] ROBERTO AURELIANO SALMERON, A Universidade Interrompida: Brasília 1964-1965 (EDUnB, 1999; 2007).

[12] JOSÉ MARIA FILARDO BASSALO, Da Sovela à Engenharia, Passando pela Engenharia (bassalo.amazon.com.br/memorias).

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