HENRIQUE SANTOS ANTUNES NETO: IN MEMORIAM ¹

PERFIS

HENRIQUE SANTOS ANTUNES NETO: IN MEMORIAM ¹

Vítima do acidente com o Boeing 737-200, prefixo PP-VMK, vôo 254, da VARIG, na rota Marabá-Belém, faleceu no dia 03 de setembro de 1989, o físico Henrique Santos Antunes Neto, professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Pará (UFPA).

En passant, gostaria de fazer um comentário sobre esse acidente. Muito se tem falado e escrito sobre o erro do piloto ao escolher a rota, como sendo a causa principal do desfecho trágico desse vôo. No entanto, é preciso observar que se os governantes e legisladores brasileiros tivessem olhado para a nossa região amazônica, não com olhos de colonizador e sim como a de uma parte integrante do território nacional, já teríamos Aeroportos Amazônicos dotados de todos os equipamentos modernos para orientar pilotos perdidos. Com isso, certamente, a competência demonstrada pelo Comandante César Garcez ao pousar, de noite, em plena floresta amazônica, e com cerca de 80% de êxito, teria conduzido o vôo 254 até o seu destino final, orientado que seria por um radar. Infelizmente meu grande amigo Henrique foi vítima, não só da falha como da desídia humanas.

Henrique nasceu em Belém do Pará, no dia 13 de janeiro de 1952, e fez seus estudos primário, ginasial e científico no Colégio “Abraham Levy”, de 1958 a 1969. Logo cedo se mostrou interessado em cultivar seu talento para as Ciências Exatas e Naturais. Lembro-me de que sua mãe, professora Alice Antunes, proprietária desse Colégio, no qual comecei minha vida de professor (primeiro de Matemática e depois, por sugestão de Alice, de Física), ter-me falado para conversar com o Henrique, pois este mostrara o desejo de estudar no então legendário Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), fundado em 1948. (Na década de 1950 e começo da de 1960, todo jovem brasileiro talentoso sonhava em estudar no ITA. Em Belém tivemos e ainda temos excelentes “iteanos”, quer autóctones, quer “estrangeiros”.)

Desfeito o sonho iteano, Henrique foi estudar o Bacharelado de Física, no Instituto de Física “Gleb Wataghin”, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a partir de 1971. Havendo-o concluído em 1975, Henrique iniciou nesse mesmo ano e nessa mesma Universidade seus estudos de pós-graduação, trabalhando com o físico Paulo Roberto de Paula e Silva, com o qual deveria defender sua Tese de Mestrado. No entanto, embora já com essa Tese em andamento, o desejo ardente de voltar a sua terra natal para contribuir para o seu desenvolvimento, fê-lo interrompê-la para concorrer à carreira de Professor da UFPA, na qual ingressou depois de realizar Concurso Público, em 1977.

Paralelamente ao seu trabalho de professor de nosso Departamento, no qual ministrou uma série de disciplinas, quer básicas, quer profissionais, Henrique continuou trabalhando em pesquisa. Assim, em 1980, como bolsista do PICD, voltou ao sul do país, desta vez ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), sediado no Rio de Janeiro, para fazer o Doutoramento em Física. Desta vez, foi orientado pelo físico Luís Davidovich, do Departamento de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Concluído os créditos, feito o Exame de Qualificação e com a Tese já esquematizada, Henrique voltou a Belém, em 1984, para concluí-la. Foi por essa ocasião que tive oportunidade de conviver mais de perto com o seu talento, já que constantemente discutíamos no Departamento, não só o conteúdo de Física, bem como o modo de ensiná-la e de pesquisá-la. Em vista disso, Henrique fazia parte de três grupos de pesquisa do Departamento: FÍSICA-MATEMÁTICA (Antônio Boulhosa Nassar, José Maria Filardo Bassalo, Luís Carlos Lobato Botelho e Paulo de Tarso Santos Alencar); FÍSICA-EXPERIMENTAL (Luiz Sérgio Guimarães Cancela, Petrus Agrippino de Alcântara Júnior e Sanclayton Geraldo Carneiro Moreira); e TEXTOS DE FÍSICA (Elsen Santos Alencar, Orlando José Carvalho de Moura, Bassalo, Botelho e Paulo de Tarso). Henrique trabalhou, também, com professores de outras Universidades, como os seus próprios orientadores (Paulo Roberto e Davidovich), além de D. Marchesin da PUC/RJ e Jorge Carvalho de Mello, este professor do Departamento de Física da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Com a sua Tese de Doutorado pronta, Henrique aguardava, apenas, a data de defendê-la!

Além de ativo pesquisador (10 trabalhos publicados em revistas nacionais e internacionais), já que estava sempre presente nos vários Congressos, Reuniões, Escolas, Colóquios, etc. de natureza científica ocorridos em várias cidades brasileiras, Henrique preocupava-se, também, com a formação de pessoal, razão pela qual teve vários bolsistas de Iniciação Científica tendo, inclusive, publicado com um deles (José Guilherme Rocha de Lima), textos didáticos. Entusiasta da causa universitária, lutou para a implantação do Curso de Mestrado em Física da UFPA, elevou os níveis dos cursos que ministrou, participou e realizou seminários de pesquisa, mudou a estrutura dos Vestibulares de nossa Universidade, e estava sempre pronto para colaborar com as atividades extra-universitárias, tanto que, encontrou a morte, na volta de um Concurso para a SEGUP que a UFPA estava realizando em Marabá. Preocupado também com a sua própria formação de pesquisador, já estava se preparando para fazer o seu pós-Doutoramento na França, uma vez que obteve, em 1981, o Certificat D´Etudes du Français Fondamental de L´Alliance Française, no Rio de Janeiro.

Henrique era filho, marido e pai exemplar, um excelente colega e amigo, conforme atestam os inúmeros amigos que fez por todo esse Brasil. Sei que o cemitério está cheio de insubstituíveis, porém, ela fará falta pelos exemplos e atitudes que praticou. Ao concluir, quero transcrever um acróstico que minha mulher, professora Célia Coelho Bassalo, fez para homenageá-lo por ocasião da polêmica reunião do Conselho Universitário da UFPA, na qual prestei-lhe homenagem:

Hoje haverá silêncio circunstancial
E teu ser agora já é mito.
Nave te levou ao infinito.
Rindo entre dentes insensíveis
Irônicos ruídos em linguagem
Que os vermes de Caronte
Um dia, no dia, encontrarão
Estranho festim, silentes, indiferentes.

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1. Trabalho publicado no livro Crônicas da Física, Tomo 3 (EDUFPA, 1992); na Ciência e Cultura 42, p. 100-101 (1990); no Boletim da Sociedade Brasileira de Física 2, p. 334-34 (1989); e em O Liberal, 17 de setembro de 1990.

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