A GEOFÍSICA NO PARÁ E O ROLO COMPRESSOR

A criação da Geofísica no Pará já foi contada por mim em vários artigos que se encontram na minha página na Internet (bassalo.com.br) e no livro que acabei de editar: Meus Caminhos e a Repressão Militar (Maluhy&Co, Outubro de 2013). Neste artigo, vou recontá-la usando uma metáfora, comparando-a com o papel desempenhado por um rolo compressor na construção de estradas de rodagem, papel esse que decorre do seguinte: este equipamento faz a compactação do material (piçarra ou asfalto) de que é feito a superfície rolante da rodovia, tornando-a lisa e, com isso, o fluxo rodoviário fica mais rápido, conforme observei na minha vivência como Engenheiro Rodoviário do então Departamento Municipal de Estradas de Rodagem de Belém (DMER-Bℓ). Em vista disso, por ocasião da instalação da Geofísica na Universidade Federal do Pará (UFPA), usei muito a expressão: – Agora vai chegar o rolo compressor, exatamente sabendo que essa instalação não-oficial, iniciada em setembro de 1972 e por ocasião do Reitorado (02 de julho de 1969-02 de julho de 1973) do Professor Dr. Aloysio da Costa Chaves (1920-1994), representaria uma mudança no “fluxo educacional” da UFPA, pelo menos na área das Ciências Exatas e Naturais, permitindo a formação de grupos de pesquisa científica, pois foi criado imediatamente o Mestrado em Geociências.

Vejamos como foi o início da construção desse rolo compressor científico.  Em janeiro e fevereiro de 1962, o Professor Carlos Alberto Dias (n.1937) ministrou o Curso de Extensão Universitária intitulado Matemática Aplicada à Física e Introdução à Física Atômica no NFM/UPA. Enquanto o Dias ministrava o referido Curso [que tinha como base o livro do professor José Leite Lopes (1918-2006) e intitulado: Introdução à Teoria Atômica da Matéria (Ao Livro Técnico Ltda., 1959)], ele e eu, em conversas no carro que eu possuía à época, um Vanguard, durante o nosso deslocamento para o NFM, idealizamos um plano de formação de paraenses, tendo em vista a tese do Dias de que existia petróleo na Amazônia, contra a tese do geólogo norte-americano Walter K. Link (1902-1982). Este havia preparado, em 1961, um relatório – o famoso Relatório Link – para a PETROBRÁS, no qual afirmava a inexistência de petróleo na Amazônia, apesar do poço perfurado em Nova Olinda, localizado na bacia do Médio Amazonas, haver jorrado petróleo, em 1955. Pois bem, para o Dias, o método de prospectar petróleo na Amazônia é que estava errado, pois seus engenheiros usavam ondas sonoras, decorrentes de explosão de dinamite (método sísmico), que não tinham energia suficiente para penetrar a camada de basalto, acima do lençol de petróleo. Dias, que havia estudado Eletromagnetismo com o professor Herch Moysés Nussenzveig (n.1933), no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, acreditava que a maneira de penetrar aquela camada seria por intermédio de ondas eletromagnéticas.

Antes de prosseguir a contar essa “história não-maquiavélica” [o historiador e poeta italiano Niccolò di Bernardo dei Machiavelli (1469-1527) dizia: – A História é Escrita pelos Vencedores], creio ser oportuno registrar que, por ocasião em que o Dias ministrou o Curso referido acima, em seu primeiro dia de aula houve uma tentativa de desmoralizá-lo, por poucos então alunos-professores de prestígio na recente criada Universidade do Pará (UPA) (02 de julho de 1957), tentativa essa que foi manifestada ao então Reitor. Este, por ocasião em que o Dias foi ao seu Gabinete (junto comigo) para receber os seus proventos, disse-lhe que o estava pagando, mas que ele não merecia, pois o Curso que deu foi uma enganação segundo informação que havia recebido. E mais, que não pagaria a passagem de volta de sua mulher Maria Virgínia da Silva Dias (n.1937). Dias, humilhado e lagrimando, recebeu seus proventos. Os seus alunos fizeram uma coleta para comprar a passagem da Maria. Contudo, um dos alunos, o saudoso professor Antonio Borges Leal Filho (Tom Leal) (1922-1977), conseguiu uma passagem de avião pela Força Aérea Brasileira (FAB) e o dinheiro arrecadado foi usado para comprar um relógio e dar de presente ao Dias. É oportuno destacar que o Curso que o Dias deu começou com 20 alunos-professores e terminou com apenas cinco.

Voltemos à construção do rolo compressor. Com a ideia de que o eletromagnetismo poderia ser usado para desenvolver um método geofísico de prospectar petróleo, Dias e eu começamos a pensar na formação de um grupo de físicos, geólogos e geofísicos paraenses que iria promover o desenvolvimento científico e tecnológico de nossa região amazônica. Assim, logo em março de 1962, iniciamos essa formação. O professor Curt Rebello Sequeira (1936-1991), do NFM, foi fazer um curso de Física no CBPF, onde já se encontrava o professor Fernando Medeiros Vieira (n.1924), também do NFM, estudando Física. Por indicação do professor Djalma Montenegro Duarte (1914-1984) e minha, dois alunos da então Escola de Engenharia do Pará (EEP) foram transferidos para o Rio, a fim de concluírem, na FNFi, o Bacharelado em Física: Marcelo Otávio Caminha Gomes (n.1940) e Carlos Alberto da Silva Lima (n.1940), meus ex-alunos do Colégio Estadual “Paes de Carvalho” (CEPC). Todas essas pessoas, que saíram de Belém para o CBPF, tiveram sua aceitação nessa instituição de pesquisas físicas, graças à indicação do Dias. É oportuno registrar que Marcelo e Carlos Lima foram com bolsas de estudos concedidas pela então UPA.

                   A partir de 1963, houve um processo sistemático de seleção de alunos do CEPC para prestar Vestibular na antiga Universidade do Brasil (hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro), nos cursos de Física e Geologia. Desse modo, os primeiros estudantes escolhidos por mim, foram: Bernardino Ribeiro de Figueiredo (n.1946), Carlos Alberto Lobão da Silveira Cunha (n.1947), Manoel Gabriel Siqueira Guerreiro (n.1939), Herberto Gomes Tocantins Maltez (n.1939), João Batista Guimarães Teixeira (n.1946), José Haroldo da Silva Sá (n.1944), José Ricardo de Souza (n.1944), José de Seixas Lourenço (n.1944), Olivar Antônio Lima de Lima (n.1943), Raimundo Netuno Nobre Villas (n.1944), Romualdo Homobono Paes de Andrade (n.1946) e Sérgio Cavalcante Guerreiro (n.1942). Alguns deles com Bolsas de Estudo da antiga Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em Belém, ou do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) sediado em Manaus. Na continuação desse ambicioso plano, tivemos algumas dificuldades na SPVEA. Por exemplo, em 1967, uma alta personalidade desse órgão amazônida (deixo de enunciar seu nome, por não haver um documento oficial sobre essa negação) negou uma bolsa de estudos para o paraense Antônio Gomes de Oliveira (n.1941) fazer o Mestrado em Física Nuclear na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), por achar que “a Amazônia não precisava de físicos nucleares’’. Por sua vez, o Professor Djalma Batista, então Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), sempre apoiou nosso projeto sem nenhuma restrição.

Contudo, o Movimento Militar de 1964 provocou uma separação desse grupo de paraenses. Uma parte foi para São Paulo, outra para Brasília, e os demais ficaram no Rio. Nessa altura, eu continuava a lecionar na UPA e no CEPC. O Dias, em 1964, foi para os Estados Unidos, e fez seu Doutoramento em Geofísica, na Universidade de Berkeley, concluído em 1968. Aliás, sua Tese de Doutoramento, na qual desenvolveu um método para medir a polarização elétrica induzida e a polarização em rochas, recebeu um grande elogio por parte dos famosos geofísicos, o norte-americano James R. Wait (1924-1998) e o russo A. A. Kaufman.

Quando o Dias retornou ao Brasil, em setembro de 1968, tentou montar um Grupo de Geofísica no Pará, porém sua proposta foi rejeitada por alguns professores de Geologia que tinham prestígio junto à Reitoria da agora UFPA. Havia uma insinuação de que ele dirigia um grupo de comunistas e eu era o chefe de uma “célula comunista” em Belém. Ele, então, foi para a Universidade Federal da Bahia. Foi também em 1968 que o Lourenço foi fazer Doutoramento na Universidade de Berkeley.

Um novo contato meu com o Dias, aconteceu em 1972, por ocasião da chegada do Lourenço ao Brasil. Como havia um novo Reitor da UFPA, o Professor Aloysio Chaves, e meu sogro, o Professor Inocêncio Machado Coelho Neto (1909-2001), seu Chefe de Gabinete, Dias e eu achamos que era a grande oportunidade para implantarmos o “grupo de pesquisadores paraenses invariante por uma transformação de Reitor”, como eu costumava dizer, que iria promover o nosso tão sonhado e esperado desenvolvimento do Pará, e quiçá da Amazônia. Desse modo, o Dias apresentou o projeto de criação do então Núcleo de Ciências Geológicas e Geofísica (NCGG) ao Professor Aloysio. Ao receber o projeto, o Reitor foi alertado pelo então Serviço Nacional de Informações-Secção Pará (SNI/PA) [Bassalo, 2013 (op. cit.)] sobre o perigo da instalação desse grupo, em virtude da suspeita de que seus membros eram “perigosos comunistas”, como afirmamos acima. Em vista disso, o Dr. Aloysio foi conversar com meu sogro. Este sabia da formação desse grupo, pois quando os seus componentes vinham passar férias em Belém, iam conversar comigo, onde eu morava com meu sogro, na Praça da República. O Professor Machado Coelho disse ao seu amigo Reitor: – Aloysio, você acha que eu iria permitir a criação de uma “célula comunista” na minha casa?. Então, o Dr. Aloysio decidiu criar uma nova linha de ensino e pesquisa na UFPA: a da Geociências.

Como o Dias não poderia vir a Belém, pois estava envolvido na consolidação do Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geofísica da Universidade Federal da Bahia (PPPG/UFBA), que iniciara em março de 1969, ele me convidou para implantar o NCGG. Para isso, era necessário que eu fizesse um estágio de seis meses no PPPG/UFBA. Agradeci o convite e disse-lhe que o melhor elemento de nosso grupo para ser Coordenador desse Núcleo seria o “Louro” (como chamávamos o Lourenço), pois ele acabara de se doutorar em Geofísica, e eu ainda não tinha nem terminado o meu Mestrado em Física, o que só aconteceu em 1973, na Universidade de São Paulo (USP). Assim, Lourenço e o Casal Maltez [Herberto e Maria Gil Lopes (n.1940)], que haviam estagiado seis meses no PPPG/UFBA, Antonio Gomes de Oliveira (n.1941), Gabriel e Sônia Dias Cavalcanti Guerreiro (n.1945), e eu próprio, iniciamos a Geociências no Pará, tendo como Consultor Científico, o Dias, cujo início dessa função ocorreu em 1971. Sobre a implantação do NCGG/UFPA é importante destacar o apoio irrestrito que tivemos, além dos já mencionados (Dr. Aloysio e Professor Machado Coelho), do professor José Monteiro Leite (1922-2008), da UFPA, do saudoso professor Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha (1942-1996), Presidente da Financiadora de Projetos (FINEP), e dos professores Antonio Moreira Couceiro (1914-1978) e Manoel da Frota Moreira (1920-1986), respectivamente, Presidente e Diretor Científico do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) Aliás, é oportuno destacar que, por sugestão do Dias, o professor Frota Moreira falou ao Dr. Aloysio que, para enfrentar a objeção de alguns Professores Titulares da UFPA contra a Geociências, nomeasse o Lourenço e o Casal Maltez como Professores Titulares da UFPA, e o CNPq complementaria o salário deles.

Ainda sobre a implantação do NCGG/UFPA, creio ser importante destacar a criação da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP) da UFPA, cuja ideia foi, principalmente, do Dias e minha, com o apoio do Lourenço, com o seu projeto elaborado pelo Dias, em 1976, apresentado e defendido por mim no Conselho Superior de Ensino e Pesquisa (CONSEP). Note-se que, em 1989, por ocasião da votação da Constituição Estadual Paraense (CEP), com a minha assessoria, o então Deputado Estadual Aldebaro Barreto da Rocha Klautau (n.1943) apresentou o projeto de criação de um fundo de amparo à pesquisa e ao desenvolvimento do Estado do Pará, que se transformou no artigo 291 da CEP.

Implantado o Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Geofísica (PPPG), da UFPA, sob a coordenação do Lourenço, passei a fazer parte do Colegiado do Curso de Pós-Graduação oferecido por esse Programa. Cheguei a ministrar duas disciplinas: Matemática Avançada e Eletrodinâmica Clássica. No entanto, meu relacionamento com a cúpula desse Programa foi se tornando cada vez mais difícil, por absoluta divergência acadêmica, que se agravou por ocasião de um seminário ministrado pelo Lourenço, no Departamento de Física, quando discordamos sobre o papel da Física, da Matemática e da Química na formação de um pesquisador desse Programa. Eu defendia a ideia de que deveríamos fortalecer os Departamentos dessas disciplinas, e o Lourenço achava que não, e que o fortalecimento deveria ser apenas da Geofísica. Como a posição do Lourenço foi compartilhada pelos demais membros dirigentes do PPGG (com exceção do casal Maltez), desliguei-me do grupo de Geofísica que ajudara a criar.

Meu contato com a Geofísica voltou somente quando, em 02 de julho de 1985, o Lourenço assumiu a Reitoria da UFPA, e eu era o representante do Centro de Ciências Exatas e Naturais (CCEN) no Conselho Superior de Ensino e Pesquisa (CONSEP). Então, na primeira reunião do CONSEP sob a presidência do Lourenço, assim me manifestei: – Magnífico Reitor, como estou afastado do grupo de Geofísica por não concordar com a política acadêmica traçada por Vossa Magnificência, enquanto dirigiu esse grupo, encontro-me diante de duas alternativas. Ou renuncio o meu mandato de representante, ou “ensarilho as armas” e junto-me ao senhor para construir a Universidade que sonhamos. Opto pela segunda alternativa. Assim, durante o período de seu mandato, 1985-1989, trabalhamos no sentido de consolidar as Ciências Básicas da UFPA.

Concluindo este artigo é interessante registrar que esse nosso “sonho” (do Dias e meu) representa um resultado fantástico [sobre esse resultado, ver, por exemplo: G. C. L. Zarur, 1989. Ciência, Poder e Cultura no Brasil: o caso da Geofísica Aplicada. Ciência e Cultura 41, p. 319-328; D. Proubasta, 1999. Regional Focus: Brazil – Carlos Alberto Dias. The Leading Edge 18, p. 826-829; L. J. Gouveia, 2000. Geofísica na UFPA: 28 anos de pesquisa e formação de recursos humanos. TN Petróleo 16, p. 78-79; C. A. Dias, 2007. Odisséia de 50 anos de uma vida acadêmica: uma visão retrospectiva na celebração dos meus 70 anos. 10th International Congress of the Brazilian Geophysical Society. Rio de Janeiro, 19-22 de Novembro; Sociedade Brasileira de Geofísica, 2011. SBGf: Três Décadas Promovendo a Geofísica (EdSBGf)], pois interferiu nos métodos de prospecção continental de petróleo por parte da PETROBRÁS.

 

 

 

No comments yet.

Leave a Reply