Paulo de Traso Santos Alencar; Amigo Fiel

Conheci o professor Paulo de Tarso Santos Alencar, hoje o amigo-irmão Paulo Alencar, em 1959, como meu aluno da brilhante turma do então 2o. ano científico do Colégio Estadual “Paes de Carvalho”, o lendário CEPC. Mais tarde, em 1963, o Paulo voltou a ser meu aluno na não menos brilhante turma do 2o. ano do Curso de Bacharelado em Matemática do então Núcleo de Física e Matemática (NFM) da Universidade do Pará, criada em 1957. Registre-se que o Paulo bacharelou-se e licenciou-se em Matemática, respectivamente, em 1964 e 1969.
No ano seguinte ao da conclusão do Bacharelado, Paulo e uma grande parte de sua turma, foram convidados para ensinar no NFM, na categoria de Instrutor de Ensino. Agora, como professor, Paulo passou a freqüentar seminários e cursos que eu ministrava em caráter extracurricular, no NFM, logo depois de minha frustrada permanência na Universidade de Brasília, em 1965, já por mim descrita nas Crônicas da Física, Tomo 6 (CF6) (EDUFPA, 2001). Desse modo, no final de 1965 ele participou do Curso que ministrei sobre Cálculo Avançado; em fevereiro de 1966, ele ouviu minha palestra sobre Relatividade Restrita e suas Conseqüências; e em julho desse mesmo ano, participou do Curso de Eletromagnetismo Clássico ministrado pela física francesa Anné Bauman, no qual eu colaborava resolvendo exercícios, colaboração essa que resultou numa crise, cujos detalhes já os apresentei no CF6.
Minha amizade com o Paulo Alencar começou a ser regida pela Geometria Hiperbólica quando o então Reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), professor Aloysio da Costa Chaves iniciou, em 1971, a institucionalização da pós-graduação (stricto sensu) em nossa Universidade. Assim, sob o meu patrocínio (que constou da obtenção do aceite de instituições de ensino e de Bolsas de Estudo de órgãos financiadores), Paulo, Leopoldino e Moura iniciaram, ainda em 1971, o Mestrado em Física na Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). O Paulo, sob a orientação do professor Bruno Maffeo, concluiu seu Mestrado, no início de 1975, no mesmo ano (março) em que obtive meu Doutorado, na Universidade de São Paulo (USP), com o professor Mauro Sérgio Dorsa Cattani.
Objetivando dinamizar o estudo da Física na UFPA, ainda em 1975, Paulo e eu aceitamos a dirigir, respectivamente, a Chefia do Departamento de Física da Universidade Federal do Pará (DF/UFPA) e a Coordenação do Colegiado de Física, por um período de dois anos. Foi nesse período que a “amizade geométrica não-euclidiana” com o Paulo (igualmente compartilhada com o também amigo fraterno Moura) começou a tomar forma, por intermédio do “traçado de várias paralelas a uma ‘reta’ (melhoria do nível intelectual dos paraenses que se interessam por Física e, também, pela cultura amazônica em geral)” a partir de um ponto (DF/UFPA) fora dessa ‘reta’”, quando, incentivados pelo saudoso matemático paraense Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, idealizamos, em 1975, o Curso de Especialização em Física. Porém, dificuldades ideológicas, travestidas de cientistocracia, procrastinaram o início desse Curso até 1981.
Terminado o mandato de Chefe do DF/UFPA e como não havia perspectiva para iniciar o Curso referido acima, Paulo decidiu, no começo de 1977, partir para a Universidade de Campinas (UNICAMP) para realizar o seu Doutoramento. Inicialmente, ele foi orientado pelo professor Paulo Roberto de Paula e Silva que, aliás, havia sido Membro da Banca de meu Mestrado na USP, em 1973, também orientado pelo professor Cattani. Contudo, as múltiplas tarefas do professor Paulo Roberto fizeram com que, no começo de 1979, a orientação da Tese de Doutorado do Paulo passasse a ser exercida pelo professor Sérgio Pereira da Silva Porto, famoso no cenário internacional por haver realizado (com outros físicos) nos Estados Unidos, em 1964, o primeiro espalhamento Raman com laser. A morte prematura desse físico, em setembro de 1979, fez com que Paulo voltasse para Belém, muito embora só faltasse concluir e defender a Tese que o tornaria possuidor de dois títulos de Doutor, uma vez que ele já havia obtido o título de Doutor, de outra forma, fazendo o Concurso para Livre Docente da UFPA, no final de 1977, de cuja Banca Examinadora, eu também participei como um de seus Membros.
Essa primeira “paralela” (de caráter lato sensu) que traçamos foi seguida de uma outra (agora, de caráter stricto sensu), qual seja, a criação do Curso de Mestrado em Física da UFPA, em 1986. Novas “lato paralelas” foram ainda desenvolvidas por nós três (Paulo, Moura e eu), quais sejam: Curso de Especialização em Física Contemporânea, em 1993, 1995 e 1997, sob o patrocínio do DF/UFPA e a ajuda financeira da Coordenação do Aperfeiçoamento do Ensino Superior do Ministério da Educação (CAPES/MEC).
Ainda em 1986, Paulo, eu e, agora, com a participação fundamental do físico paraense Antonio Boulhosa Nassar (professor licenciado da UFPA e, atualmente, professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos), iniciamos o traçado de outras das “paralelas” referidas envolvendo, desta vez, trabalhos originais de pesquisa em sistemas dissipativos tratados pela Mecânica Quântica de de Broglie-Bohm. Muitas dessas pesquisas foram temas da Tese de Mestrado de alguns professores do DF/UFPA e de outras instituições de ensino superior. Registre-se que, nessa linha de pesquisa e até o presente momento, foram publicados 19 trabalhos em revistas indexadas (nacionais e internacionais), e editado o livro intitulado Tópicos da Mecânica Quântica de de Broglie-Bohm (EDUFPA, 2003), de minha autoria, juntamente com Nassar, Paulo e Cattani.
Nesta oportunidade, creio ser interessante destacar que, ainda nesse mesmo tema de pesquisa, o Paulo orientou a Tese de Mestrado de Carlos Augusto Sarmento Ferreira, cujo principal resultado foi publicado na mais prestigiosa Revista Científica do Mundo Ocidental: a Physical Review.
Um novo conjunto de “paralelas hiperbólicas” foi ainda conduzido pelo Paulo e por mim. Desta vez, tais “paralelas” apresentaram o caráter de resgate da cultura paraense. Assim, com a participação de outros professores da UFPA e de outras instituições, eis os principais eventos desse conjunto: 1) criação, no dia 30 de agosto de 1982, da Academia Paraense de Ciências (APACi); 2) realização, no período de 17-21 de junho de 1985, do Simpósio Sobre a História da Ciência e da Tecnologia no Pará; realização, no período de 12-13 de novembro de 1986, do I Encontro de Físicos do Norte; 3) publicação, a partir de 1999, da Série- Memórias, composta das Teses de Cátedra defendidas no CEPC e na antiga Escola Normal do Pará (Memórias), e de textos sobre instituições e vultos importantes da cultura paraense (Memórias Especiais).
Agora, chegamos ao leitmotiv da homenagem que Programa de Educação Tutorial (PET) do DF/UFPA, sob a tutoria do professor Sérgio Vizeu Lima Pinheiro, está prestando ao professor Paulo Alencar: dar o nome dele para a sala onde funciona esse Programa, no Campus da UFPA, no Guamá. Registre-se que esse Programa foi criado pela CAPES e destinado a iniciar estudantes na pesquisa desenvolvida nas Universidades Brasileiras. Muito embora, eu tenha sido o primeiro professor-tutor desse Programa, em 1991-1992, contei com a colaboração do Paulo, uma vez que a formação de estudantes se enquadrava no conjunto das “paralelas” que juntos traçamos e das quais falei no decorrer deste artigo. No entanto, foi o Paulo quem, ao me suceder nessa tutoria (até fevereiro de 2000, quando então foi sucedido pelo professor Licurgo Peixoto de Brito), instalou os estudantes do PET/DF/UFPA em uma sala própria, bem como conseguiu a sua operacionalidade, dotando-os de meios computacionais para a realização de seus trabalhos de iniciação científica.
Na conclusão deste artigo, creio ser oportuno dizer que, a dedicação do professor Paulo Alencar aos seus colegas e alunos do DF/UFPA desde 1965 até quando se aposentou, já seria motivo suficiente para fazê-lo merecedor desta homenagem. No entanto, para mim que o conheço há 45 anos (desde 1959), um traço de seu caráter é que o responsável por esta homenagem: A FIDELIDADE DE SUA AMIZADE!

Paulo, amigo-fiel-irmão, faleceu no dia 17 de abril de 2011, no Hospital Nove de Julho, em São Paulo, depois de uma internação de mais de dois anos nesse hospital, a espera de um transplante de fígado.

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