O BÓSON DE HIGGS (“A PARTÍCULA DEUS”) E A PARTÍCULA Z0 (“A PARTÍCULA DE DEUS”)

Desde setembro de 2010, quando o Large Hadron Collider (LHC) do Conseil Européen pour la Recherche Nucleaire (CERN), localizado na fronteira entre a Suíça e a França, anunciou que uma dificuldade técnica havia abortado o experimento que objetivava detectar o bóson de Higgs (bH), conhecido como a Partícula Deus, esta apareceu na mídia internacional como a “salvadora” da Física, já que ela é fundamental no famoso Modelo Padrão, do qual falaremos neste artigo. Contudo, sua não descoberta deverá provocar, em meu entendimento, uma nova revolução na Física, análoga a provocada pela Teoria Quântica Planckiana, de 1900, e pela Relatividade Restrita Einsteiniana, de 1905. Em dezembro de 2011, o LHC voltou a anunciar que o bH está quase descoberto. Nos dias 03 e 04 de julho de 2012, respectivamente, o acelerador Tevatron do FERMILAB e o LHC anunciaram forte evidência experimental de sua descoberta, com massa entre 115 e 135 Gev/c2 (inovaçãotecnológica.com.br, de 02/07/2012). Neste artigo, vou procurar explicar a importância dessa “partícula divina” que, contudo, se confirmada sua descoberta, ela carrega consigo uma outra dificuldade, talvez maior do que a sua própria existência, como veremos mais adiante. Para o desenvolvimento deste artigo, vou usar, basicamente, verbetes que escrevi e que se encontram no site: www.searadaciencia.ufc.br, além de outros textos que serão indicados na medida em que for necessário para outros esclarecimentos. Este artigo é completado com um Apêndice no qual há o desenvolvimento formal do que será historicamente tratado sobre o bH.
Para os antigos filósofos gregos, existiam quatro tipos de forças: as que atuam nos corpos nas proximidades de nosso planeta Terra; as que atuam nos corpos celestes; as exercidas pela magnetita ou ímã natural (hoje conhecida quimicamente como o óxido de ferro: Fe3O4) – a força magnética; e as exercidas pelo âmbar, quando este é atritado com um pedaço de lã – a força elétrica. Estas duas últimas foram mencionadas pelo filósofo e astrônomo grego Tales de Mileto (624-546). Durante muito tempo os fenômenos elétricos e magnéticos, por se apresentarem muito semelhantes, foram confundidos, até serem, pela primeira vez, diferenciados pelo matemático italiano Ge(i)rolano Cardano (Jerome Cardan) (1501-1576). Observação semelhante foi realizada pelo médico e físico inglês William Gilbert (1544-1603), que a registrou em seu famoso tratado De Magnete, publicado em 1600. Aliás, foi ele que, nesse livro, cunhou o termo elétrico para os corpos que se comportavam como o âmbar (“elektron”, em grego) quando atritado com a lã. Essas forças, elétrica e magnética, só foram unificadas no Século 19, conforme veremos mais adiante.
As duas primeiras forças relacionadas acima, terrestres e celestes, discutidas pelo filósofo grego Aristóteles de Siracusa (384-322) em seus Livros V-VIII, Física (Les Belles Lettres, 1996), teve sua primeira ideia de unificação considerada pelo astrônomo armeno Abu Ar-Rayan Muhammad ibn Ahmad al-Biruni (973-c.1051) ao afirmar que os fenômenos físicos no Sol, na Terra e na Lua obedecem às mesmas leis [Abdus Salam, IN: Em Busca da Unificação (Gradiva, 1991)]. Mais tarde, em 1602, o físico, matemático e astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) afirmou que as leis que regem as forças terrestres e celestes são universais [José Leite Lopes, Albert Einstein e a Imagem Física do Mundo, CBPF-CS-011/97 (Abril de 1997)]. Contudo, foi o físico inglês Sir Isaac Newton (1642-1727) quem formalizou essa unificação por intermédio de sua célebre Lei da Gravitação Universal, apresentada no terceiro livro de seu famoso tratado intitulado Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (“Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”), publicado em 1687 [Great Books of the Western World 12 (Encyclopaedia Britannica, Inc., 1993)].
Por sua vez, as primeiras experiências que indicavam a unificação entre as forças elétrica e magnética foram realizadas pelo farmacêutico e físico dinamarquês Hans Christiaan Oersted (1777-1851). Com efeito, em 1807, Oersted procurou, sem êxito, encontrar uma relação entre aquelas forças. Ela só foi encontrada no inverno de 1819-1820, quando ministrou, na Universidade de Copenhague, um curso sobre Eletricidade, Galvanismo e Magnetismo. Durante esse curso, Oersted realizou uma série de experiências. Por exemplo, em fevereiro de 1820, observou que um condutor se esquentava quando era percorrido por uma corrente elétrica. Também, nessas experiências, Oersted procurou encontrar uma relação entre eletricidade e magnetismo, examinando o que acontecia com uma agulha magnética ao ser colocada perpendicularmente ao fio condutor do circuito galvânico utilizado. No entanto, não registrou nenhum movimento perceptível da agulha. Porém, ao término de uma aula noturna daquele curso, no começo de abril de 1820, ocorreu-lhe a ideia de colocar o fio condutor paralelamente à direção da agulha magnética; aí, então, percebeu uma razoável deflexão dessa agulha, e a procurada relação entre o magnetismo e o “galvanismo” estava então descoberta. Observe-se que essa descoberta foi relatada ao físico e químico inglês Michael Faraday (1791-1867), em carta escrita pelo físico e astrônomo holandês Christopher Hansteen (1784-1873), então assistente de Oersted. É oportuno registrar que no início do Século 19, era hábito distinguir o estudo da “eletricidade estática” do estudo das correntes elétricas (“galvanismo”), cujas primeiras pesquisas destas foram conduzidas pelo fisiologista italiano Luigi Galvani (1737-1798), em 1786, e pelo físico italiano Alessandro Giuseppe Volta (1745-1827), em 1794, ocasião em que este cientista cunhou o termo “galvanismo”. É ainda interessante observar que a criação de um campo magnético por uma corrente elétrica foi também confirmada, ainda em 1820, em experiências realizadas pelos físicos franceses Dominique François Jean Arago (1786-1853) (Annales de Chimie et de Physique 15, p. 93) e André Marie Ampère (1775-1836) (Annales de Chimie et de Physique 15, p. 170). [Roberto de Andrade Martins, Cadernos de História e Filosofia da Ciência 10, p. 87 (UNICAMP, 1986); Sir Edmund Taylor Whittaker, A History of the Theories of Aether and Electricity: The Classical Theories (Thomas Nelson and Sons Ltd., 1951).]
Uma vez encontrada uma relação entre as forças elétrica e magnética, uma nova relação precisava ser pesquisada, qual seja, entre o “eletromagnetismo” (termo cunhado por Ampère) e a gravitação. Um dos primeiros a realizar experiências nesse sentido foi Faraday. Contudo, em 1849, ele escreveu em seu Diário de Laboratório que não havia conseguido mostrar que a gravidade poderia induzir correntes elétricas em peças de metal que caiam do topo de uma sala de aula na Royal Institution of Great Britain. [Abraham Pais, ‘Subtle is the Lord…’ The Science and the Life of Albert Einstein (Oxford University Press, 1982)]. Outra tentativa de encontrar aquela mesma relação, e igualmente frustrada, foi apresentada pelo matemático alemão Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866), um pouco antes de morrer. [Charles W. Misner, Kip S. Thorne and John Archibald Wheeler, Gravitation (W. H. Freeman and Company, 1973).]
A formulação matemática da unificação entre as forças elétrica e magnética – conhecida desde então como força eletromagnética – foi finalmente conseguida pelo físico e matemático escocês James Clerk Maxwell (1831-1879), em seu livro intitulado A Treatise on Electricity and Magnetism, publicado em 1873 (Dover, 1954). Aliás, é oportuno dizer que, nesse livro, Maxwell apresentou também a unificação da Óptica com o Eletromagnetismo ao demonstrar que a luz é uma onda eletromagnética. Note-se que o Século 19 terminou com a ideia de que só existiam duas forças distintas na Natureza: a gravitacional newtoniana e a eletromagnética maxwelliana, em virtude das tentativas frustradas de unificá-las, conforme destacamos acima.
No Século 20, uma nova tentativa de unificar o eletromagnetismo com o campo escalar gravitacional foi apresentada pelo físico finlandês Gunnar Nordström (1881-1923), em 1914 (Zeitschrift für Physik 15, p. 504). Mais tarde, em 1918 (Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenschaften, Part 1, p. 465), o matemático e físico alemão Hermann Klaus Hugo Weyl (1885-1955) tentou essa unificação baseando-se na generalização espaço-temporal da geometria riemanniana. Em 1919, inspirado nesse trabalho de Weyl, o matemático e linguista alemão Theodor Kaluza (1885-1954) discutiu com o físico germano-suíço-norte-americano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921) uma nova possibilidade de unificar o eletromagnetismo com a gravitação, por intermédio de uma generalização da Teoria Geral da Relatividade (TGR) [esta havia sido desenvolvida por Einstein, em 1915 (Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenschaften 2, p. 778; 799; 831;844), segundo a qual a gravitação é decorrência da curvatura do espaço-tempo]. Para Kaluza, a TGR poderia ser generalizada para um espaço de cinco (5) dimensões, na qual a quinta dimensão era comprimida em um pequeno círculo. Desse modo, as equações de Einstein do campo gravitacional escrita em cinco dimensões, reproduziriam as usuais equações einsteinianas em quatro dimensões, acrescidas de um conjunto de equações que representam as equações de Maxwell do campo eletromagnético. Provavelmente na conversa referida acima, Einstein haja discutido com Kaluza sua ideia de que as partículas eletrizadas eram mantidas juntas por forças gravitacionais, segundo seus artigos publicados também em 1919 (Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenschaften, Part 1, p. 349; 463). Aliás, nesses artigos, Einstein usou a ideia da constante cosmológica [proposta em 1917 (Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenschaften 1, p. 142), para manter estático o Universo] e procurou um vínculo entre a gravitação e o eletromagnetismo. Registre-se que, em 1921, Einstein apresentou o trabalho de Kaluza à Academia Prussiana de Ciências, sendo então publicado em seus Anais (Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenschaften, Part 1, p. 966), ainda em 1921. Também em 1921 (Proceedings of the Royal Society of London 99, p. 104), o astrônomo inglês Sir Arthur Stanley Eddington (1882-1944) publicou um artigo no qual propôs a unificação entre a gravitação e o eletromagnetismo seguindo a mesma ideia de Weyl.
Em 1923 (Scripta Jerusalem Universitat 1, Número 7), com a colaboração do físico alemão Jakob Grommer (1879-1933), Einstein escreveu um trabalho no qual estudaram as soluções de singularidades-livres da Teoria de Kaluza. Ainda em 1923 (Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenschaften, p. 32; 76; 137; Nature 112, p. 448), Einstein apresentou um esboço não-matemático de uma generalização da geometria riemaniana, na qual englobaria em um campo total, conhecido desde então como campo unificado, os campos gravitacional e eletromagnético. Mais tarde, em 1926 (Zeitschrift für Physik 37, p. 895; Nature 118, p. 516), o físico sueco Oskar Benjamin Klein (1894-1977) contornou a dificuldade apresentada pela Teoria de Kaluza, afirmando que a não observação da quinta dimensão kaluziana devia-se ao fato de que o raio do pequeno círculo considerado naquela teoria era da ordem de 10-33 cm, o chamado comprimento de Planck ( ), comprimento esse correspondente à energia de 1019 GeV, conhecida como energia de Planck ( ), onde c é a velocidade da luz no vácuo, MP = 10-5 g é a massa de Planck e G é a constante da gravitação universal (Newton-Cavendish).
A tentativa de unificar o eletromagnetismo com a gravitação foi uma das principais preocupações de Einstein até morrer, em 1955, quer em trabalhos isolados, quer com colaboradores, usando, basicamente, a Teoria de Kaluza-Klein, ou alguma outra variante. Por exemplo, em 1949 (Canadian Journal of Mathematics 1, p. 209), Einstein e o físico polonês Leopold Infeld (1893-1968) publicaram um artigo no qual propuseram uma nova Teoria do Campo Unificado por intermédio de um tensor métrico que generalizava a estrutura do espaço-tempo, com a sua parte simétrica representando o campo gravitacional, e a parte anti-simétrica, o campo eletromagnético. A unificação entre a força gravitacional e a força eletromagnética também foi objeto de pesquisa de outros físicos. Por exemplo, em 1971 (Revista Brasileira de Física 1, p. 91), o físico brasileiro Mário Schenberg (1914-1990) apresentou um novo aspecto do Campo Unificado de Einstein, no qual o eletromagnetismo é considerado uma teoria mais fundamental do que a gravitação, pois ele formulou a Teoria Eletromagnética de Maxwell em uma variedade diferenciável desprovida de qualquer métrica e estrutura afim. Desse modo, ele interpretou as equações de Einstein como um complemento das equações de Maxwell. Para maiores detalhes sobre a Teoria do Campo Unificado de Einstein ver os seguintes textos: Pais, [opus citatus (op. cit)]; Salam, op. cit.; Misner, Thorne e Wheeler, op. cit.; Michel Paty, Einstein Philosophe (Presses Universitaires de France, 1993) e Paul Charles William Davies and Julian Brown (Editors), Superstrings: A Theory of Everything? (Cambridge University Press, 1989).
A unificação entre as forças da Natureza até então conhecidas (gravitacional e eletromagnética) tornou-se mais complicada com a descoberta, na década de 1930, de mais duas forças, a fraca e a forte, decorrentes da radioatividade. Vejamos como isso aconteceu. Na sessão do dia 20 de janeiro de 1896 da Academia Francesa de Ciências, o matemático e físico francês Henri Poincaré (1854-1912) apresentou as primeiras fotografias de raios-X enviadas pelo físico alemão Wilhelm Conrad Roentgen (1845-1923; PNF, 1901), cuja descoberta dos mesmos havia sido encontrada por ele, em 1895 (Sitzungsberichte der Würzburger Physikalischen-Medicinischen Gesellschaft, p. 132). Presente a essa sessão, o físico francês Antoine Henry Becquerel (1852-1908) perguntou a Poincaré de que parte do tubo de Hittorf que Roentgen utilizara, haviam saído esses raios. – Da parte oposto ao catodo, que se tornara fluorescente, respondeu Poincaré. Sendo especialista em luminescência (fluorescência e fosforescência), especialidade que aprendera com seu avô e seu pai, respectivamente, os físicos franceses Antoine César (1788-1878) e Edmond (1820-1891), Henri passou a realizar experiências procurando uma relação entre as substâncias fluorescentes e a emissão dos raios-X por parte das mesmas. Não encontrou tal relação, no entanto, descobriu um novo fenômeno físico. Vejamos qual.
Em fevereiro de 1896, Henri observou que cristais de sulfato de urânio-potássio [uranilo (UO2)] eram capazes de impressionar uma chapa fotográfica recoberta com papel escuro, estando o conjunto exposto à luz solar. Como na primeira experiência que realizou, havia submetido o conjunto aos raios solares, a explicação que deu para o fato de haver sido impressionada a chapa fotográfica, foi a de que a luz solar havia provocado fluorescência nos cristais com a emissão de raios-X que, por sua vez, atravessaram o papel escuro que envolvia os cristais, indo, por conseguinte, impressionar a chapa fotográfica. Em outra experiência, realizada no dia 01 de maio de 1896 e, desta vez, sem uso da luz solar (provavelmente em um dia chuvoso de Paris), o fenômeno se repetiu. Henri concluiu então que o composto emitia certos “raios” descobrindo, dessa forma, um novo fenômeno físico. Por essa descoberta, compartilhou com o Casal Curie [o químico e físico francês Pierre (1859-1906) e a química e física polonesa Marya (Marie) Sklodowska (Madame Curie) (1867-1934)], o Prêmio Nobel de Física (PNF) de 1903. Registre-se que essa descoberta de Becquerel foi por ele publicada em 1896 [Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l´Academie des Sciences de Paris (CRHSASP) 122, pgs. 420; 501].
É oportuno salientar alguns fatos curiosos relativos a essa descoberta. Segundo afirma o físico e historiador da ciência, o norte-americano Tony Rothman, em seu livro Tudo é Relativo e Outras Fábulas da Ciência e Tecnologia (DIFEL, 2005), a primeira observação sobre esse novo fenômeno da natureza foi realizada pelo químico e militar francês Claude-Félix-Abel Niepce de Saint-Victor (1805-1870). Ela foi comunicada à Academia Francesa de Ciências, em 16 de novembro de 1857 (CRHSASP 45, p. 811), pelo químico francês Michel Eugène Chevreul (1786-1889). Em suas experiências, Niepce expunha, à luz solar, placas cobertas com uma variedade de substâncias químicas, depois de cobri-las com papel fotográfico e colocá-las em uma gaveta escura, por vários dias. Para seu espanto, ainda segundo Rothman, ele descobriu que certas substâncias expunham o papel fotográfico na escuridão absoluta. Em 1858 (CRHSASP 46, pgs. 448; 866; 1002), em novas apresentações àquela Academia, ele afirmou que para obtenção de uma imagem fotográfica rápida e “vigorosa”, era necessário impregnar um pedaço de papel com nitrato de urânio [(NO3)2(UO2)], exatamente um dos sais de urânio (U) que Becquerel também utilizou em suas experiências.
Por sua vez, o físico e historiador da ciência, o brasileiro Roberto de Andrade Martins (n.1950), em artigo publicado na Ciência & Educação 10, p. 501 (2004), registra que a descoberta de Becquerel foi realizada simultaneamente pelo físico e engenheiro elétrico Silvanus Phillips Thompson (1851-1916), também em 1896 (Nature 53, p. 437; Report of the 66th Meeting of the British Association for the Advancement of Science 66, p. 713; The London, Edinburgh and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science 5, p. 103). Em 28 de fevereiro de 1896, Thompson escreveu uma carta ao físico e matemático inglês Sir George Gabriel Stokes (1819-1903) na qual descreveu uma observação interessante que havia realizado, qual seja, a de que uma substância fosforescente como o sulfeto de bário (BaS), exposto à luz solar, emite uma radiação idêntica aos raios-X capaz de atravessar o alumínio ( ) e agir sobre uma chapa fotográfica. A essa radiação, Thompson deu o nome de hiperfosforescência. Nos trabalhos de Thompson citados acima, ele afirmou que encontrou essa mesma radiação em vários materiais luminescentes bem conhecidos, destacando sulfeto de cálcio (CaS), espato da Islândia, sulfeto de zinco (ZnS), fluoreto de urânio (UF) e de amônio (NH4F), e diversos platino-cianetos. Note-se que após receber a carta de Thompson, Stokes respondeu-lhe: – Sua descoberta é extremamente interessante; presumo que você a publicará sem demora, especialmente porque muitos estão agora trabalhando com raios X. Para maiores detalhes do trabalho de Thompson e de Becquerel, ver o artigo de Martins (op. cit).
Os fatos curiosos registrados acima colocam em dúvida, em meu entendimento, a afirmação feita pelo físico, químico e filósofo da ciência, o inglês John Desmond Bernal (1901-1971) em seu famoso livro Historia Social de la Ciencia II (Ediciones Península, 1968): – Se Becquerel tivesse realizado suas experiências com sulfeto de zinco ao invés do nitrato de urânio, talvez a descoberta da radioatividade sofresse um atraso de pelo menos cinquenta anos.
Agora, trataremos das consequências dessa importante descoberta de Saint-Victor, Becquerel e Thompson. Em fins de 1897, Madame Curie folheou os CRHSASP em busca de um assunto para a sua Tese de Doutoramento e deteve-se diante dos trabalhos de Becquerel. Imediatamente passou a estudar os “raios de Becquerel”, expressão usada inicialmente por ela própria. Para tal estudo, utilizou a piezoeletricidade que havia sido descoberta por seu marido Pierre Curie (eles casaram em 1895) juntamente com seu irmão, o químico francês Paul-Jacques Curie (1855-1941), em 1880 (CRHSASP 91, p. 294). Os “raios de Becquerel” ionizavam o ar e o tornava capaz de conduzir corrente elétrica. Essa corrente era detectada por um galvanômetro, podendo, no entanto, ser neutralizada por intermédio de um potencial piezoelétrico gerado pela pressão de um cristal. O valor dessa pressão media a intensidade dos “raios de Becquerel”. Ao estudar o tório (Th), em 1898, Madame Curie observou que esse elemento químico se comportava como o uranilo de Becquerel. Foi por essa ocasião que Madame Curie denominou de radioatividade a esse novo fenômeno físico. No prosseguimento de suas pesquisas sobre esse novo fenômeno físico, Madame Curie, agora auxiliada por seu marido Pierre Curie, passou a estudar a “pechblenda”, isto é, óxido de urânio (UO) [cuja primeira tonelada foi-lhes ofertada pelo governo austríaco, proprietário que era das minas de urânio (U) de Saint Joachimsthal, na Boemia]. Com esse estudo, o casal Curie conseguiu isolar um novo elemento químico, vizinho do bismuto (Bi), ao qual chamou de polônio (Po) em homenagem à pátria de Madame Curie. Tal descoberta foi anunciada nos CRHSASP 127, p. 1001, de julho de 1898. No CRHSASP 127, p. 1215, de dezembro de 1898, o casal Curie, com a colaboração do químico francês Gustave Bémont (1857-1932), anunciou a existência de outro elemento radioativo: o rádio (Ra). Note-se que para detectar a radioatividade emitida por este novo elemento químico, foi necessário o estudo espectroscópico do físico e químico francês Eugène Anatole Demarçay (1852-1904), já que a quantidade daquele elemento era diminuta e, portanto, só podia ser detectada como impureza. Por essa descoberta, Madame Curie recebeu o Prêmio Nobel de Química (PNQ) de 1911.
A descoberta dos raios-X por Roentgen, em 1895, conforme vimos acima, levou o físico inglês Ernest Rutherford, Lord Rutherford de Nelson (1871-1937) a medir a ionização provocada por esses raios, trabalho esse que fez como colaborador do físico inglês Sir Joseph John Thomson (1856-1940; PNF, 1906) – que viria a descobrir o elétron (e-), em 1897 (Philosophical Magazine 44, p. 295) – de quem Rutherford era pesquisador-estudante no Laboratório Cavendish, em Londres, e publicado em 1896 (Philosophical Magazine 42, p. 392). Por outro lado, a descoberta da radioatividade por Henri Becquerel, em 1896, referida anteriormente, conduziu Rutherford a outro aspecto de suas pesquisas, qual seja, a de medir a ionização provocada pelos “raios de Becquerel” fazendo-os passar através de folhas metálicas. Neste seu trabalho, descobriu, em 1898 (Proceedings of the Cambridge Philosophical Society 9, p. 401), que os “raios Becquerel” eram constituídos de dois tipos de partículas: alfa (α), carregada positivamente, e beta (β), carregada negativamente. Em 1899, em trabalhos independentes, Becquerel (CRHSASP 129, p. 996), os físicos austríacos Stefan Meyer (1872-1949) e Egon Ritter von Schweidler (1873-1948) (Physikalische Zeitschrift 1, p. 113), e o físico alemão Frederick Otto Giesel (1852-1927) (Annalen der Physik 69, p. 834), observaram a deflexão magnética sofrida por essas partículas. Em 1900 (CRHSASP 130, p. 809), Becquerel mostrou que os raios β eram raios catódicos, isto é, elétrons. Ainda em 1900 (CRHSASP 130, pgs. 1010; 1178), o físico francês Paul Villard (1860-1934) observou que a radioatividade possuía uma terceira parcela que não era defletida pelo campo magnético, parcela essa penetrante e semelhante aos raios-X, à qual Rutherford denominou de gama (γ). Essa descoberta foi confirmada por Becquerel, também em 1900 (CRHSASP 130, p. 1154).
Depois do sucesso de seu trabalho sobre a radioatividade, Rutherford passou a usá-la, principalmente a radioatividade alfa (α), em outros experimentos, agora com a colaboração dos físicos, o alemão Hans (Joahnnes) Wilhelm Geiger (1882-1945) e o inglês Ernst Marsden (1889-1970), sobre o espalhamento de partículas α pela matéria. Com efeito, em 1906 (Philosophical Magazine 11; 12, p. 166; 134), Rutherford apresentou os resultados de experiências nas quais observou um pequeno espalhamento (desvio de aproximadamente 20) de partículas α ao passarem através de uma lâmina de mica de 0,003 cm de espessura. Em 1908 (Proceedings of the Royal Society of London A81, p. 174), Geiger estudou o espalhamento de um feixe de partículas α, oriundo de um composto de rádio, o brometo de rádio (RaBr2), através de uma lâmina fina de metal [alumínio (A ) e ouro (Au)]. As partículas α [que são núcleos de hélio (2He4), conforme Rutherford e o químico inglês Thomas Royds (1884-1955) mostraram em 1909 (Philosophical Magazine 17, p. 281)] espalhadas eram detectadas em contadores de cintilações. Usando essa técnica de contagem, Geiger e Marsden, em 1909 (Proceedings of the Royal Society of London A82, p. 495), estudaram o espalhamento de um feixe de partículas α [oriundas do radônio (Rn)], através de uma lâmina fina de metal. Nesse estudo, eles observaram que do feixe não muito bem colimado e contendo cerca de 8.000 daquelas partículas, apenas uma delas era refletida, ou seja, era espalhada num ângulo > 90o. Este tipo de espalhamento foi também comentado por Geiger, em 1910 (Proceedings of the Royal Society of London A83, p. 492). Em 1911 (Proceedings of the Manchester Literary and Philosophical Society 55, p. 18; Philosophical Magazine 5; 21, p. 576; 669), Rutherford interpretou os resultados das experiências de Geiger e Marsden, propondo seu célebre modelo planetário do átomo, segundo o qual o átomo era constituído de uma parte central positivamente carregada, denominada por ele de núcleo atômico, com elétrons girando em torno dele, constituindo a eletrosfera.
Por outro lado, a radioatividade beta (β), composta de elétrons (e-) emitidos por um núcleo A que se transformava em outro núcleo B, emissão essa conhecida como decaimento beta (β), foi estudada pelo físico inglês Sir James Chadwick (1891-1974; PNF, 1935), em 1914 (Verhandlungen der Deustschen Physikalische Gesellschaft 16, p. 383), estabelecendo que aquelas partículas possuíam um espectro contínuo de energia. Registre-se que, em 1919 (Philosophical Magazine 37, p. 581), Rutherford voltou a realizar experiências com partículas α, ocasião em que realizou a primeira transmutação química, ou seja, transformou o nitrogênio (7N14) no oxigênio (8O17) e que resultou na descoberta do próton (p, o núcleo do hidrogênio – 1H1), com sua célebre reação nuclear: 2He4 + 7N14 → 8O17 + 1H1. Logo em 1920 (Proceedings of the Royal Society of London A97, p. 374), Rutherford sugeriu que no núcleo atômico, que havia descoberto, em 1911, além de cargas positivas (p) existiam, também, cargas neutras.
Voltemos às partículas β que, segundo Chadwick, possuíam um espectro contínuo de energia, conforme destacamos acima. Desse modo, na década de 1920, desenvolveu-se uma questão polêmica relacionada à energia dessas partículas de carga negativa. Desejava-se saber se a mesma era determinada pelas energias dos núcleos final (B) e inicial (A) ou se variava continuamente. Além do mais, havia uma questão objetiva: se um elétron é emitido pelo núcleo A que se transforma no núcleo B e tem energia menor que suas massas de repouso, para onde vai a energia que está faltando? Em 14 de fevereiro de 1929, o físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922) escreveu uma carta para o físico inglês Sir Ralph Howard Fowler (1889-1944), na qual defendeu a tese de que o Princípio da Conservação da Energia, que parecia estar sendo violado no decaimento β, só era válido estatisticamente para fenômenos macroscópicos, sendo violado nos processos microscópicos. Aliás, essa mesma tese já havia sido defendida por Bohr, em trabalho publicado em 1924 (Philosophical Magazine 47, p. 785; Zeitschrift für Physik 24, p. 69), em parceria com os físicos, o holandês Hendrik Anthony Kramers (1894-1952) e o norte-americano John Clarke Slater (1900-1976), para explicar o efeito Compton (variação do comprimento de onda dos raios-X ao ser espalhado pelo elétron) descoberto, em 1923, pelo físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962; PNF, 1927) (Physical Review 21, p. 207; 483; 715; 22, p. 409; Philosophical Magazine 46, p. 897).e, independentemente, pelo físico e químico holandês Petrus Joseph Wilhelm Debye (1884-1966; PNQ, 1936) (Physikalische Zeitschrift 24, p. 161). É oportuno destacar que para explicar o efeito Compton, é necessário usar a conservação da energia (inclusive a de repouso einsteniana), além da conservação do momento linear [Francisco Caruso e Vitor Oguri, Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos (Campus/Elsevier, 2006)]. Para resolver a polêmica referida acima, em 04 de dezembro de 1930, o físico austro-norte-americano Wolfgang Pauli Junior (1900-1958; PNF, 1945) propôs, na reunião do Group of Radioactivity of Tübingen, em uma “carta aberta” aos físicos, a sueco-austríaca Lise Meitner (1878-1968) e o alemão Geiger, a existência de uma partícula neutra, de massa muito pequena, não excedendo um centésimo da massa do próton, emitida junto com o elétron pelo núcleo radioativo “mãe” (A), cuja energia restaurava aquele princípio. [Para uma boa discussão sobre essa polêmica, ver: Abraham Pais, Niels Bohr´s Times, in Physics, Philosophy, and Polity (Clarendon Press, 1991).] Registre-se que, em 1932 (Proceedings of the Royal Society of London A136, p. 696; 735; Nature 129, p. 312), Chadwick confirmou a existência do nêutron (0n1) como constituinte do núcleo atômico rutherfordiano, por intermédio da reação nuclear: 2He4 + 5B11 → 7N14 + 0n1, sendo 5B11 um isótopo do boro.
A “partícula pauliana” foi denominada de neutrino ( ) (nêutron pequenino, em italiano) pelo físico ítalo-norte-americano Enrico Fermi (1901-1954; PNF, 1938), em 1934 (Nuovo Cimento 11, p. 1; Zeitschrift für Physik 88, p. 161), por ocasião em que formulou a teoria matemática do decaimento β, segundo a qual, por intermédio de uma nova força na natureza – chamada mais tarde de força fraca – o nêutron transforma-se em um próton, com a emissão de um elétron e da “partícula pauliana”, ou seja: . Aliás, Fermi já havia escrito um artigo intitulado Tentativo di una Teoria della Emissione di Raggi Beta, em 1933 (Ricerca Scientifica 4, p. 491), no qual apresentou essa mesma ideia. Contudo, esse mesmo artigo foi rejeitado pela revista Nature, para a qual ele o enviou em dezembro de 1933, sob a alegação que ele apresentava muitas hipóteses que estavam longe de uma realidade física e, portanto, pouco interesse despertaria nos leitores. Note-se que, somente em 1953 (Physical Review 92, p. 1045), os físicos norte-americanos Emil John Konopinski (1911-1990) e Hormoz Massou Mahmoud (n.1918) mostraram que a “partícula pauliana” era uma antipartícula, o antineutrino do elétron ( ).
Vejamos agora como aconteceu a proposta da força forte. Em 1927 (Proceedings of the Royal Society A114, p. 243; 710), o físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902-1984; PNF, 1933) publicou dois trabalhos nos quais considerou a função de onda de Schrödinger (e sua conjugada ) como operadores [em vez de números, como o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961; PNF, 1933) havia considerado, em 1926 (Annales de Physique Leipzig 79, p. 361; 489; 734; 747; 80, p. 437; e 81, p. 136), ao apresentar sua famosa equação: H = ], porém sua álgebra era não-comutativa, isto é: . Com esse procedimento, conhecido como Teoria Quântica da Emissão e Absorção da Radiação [também conhecida como segunda quantização, que considera os operadores criação (a+), destruição (a-) e número de ocupação (N = a+a-)], Dirac quantizou o campo eletromagnético, procedimento esse que deu origem ao desenvolvimento da Quantum Electrodynamics (Eletrodinâmica Quântica – QED). Segundo esta teoria, o elétron é preso ao próton, no caso do átomo de hidrogênio (H), em virtude da troca de “fótons virtuais”. Como essas partículas eletrizadas estão sob a ação da força eletromagnética, a “segunda quantização diraciana” vista acima, significa dizer que os fótons são as partículas mediadoras (“quanta”) da força (interação) eletromagnética.
Por outro lado, a descoberta do nêutron por Chadwick, em 1932, como uma das partículas constituintes do núcleo atômico rutherfordiano, juntamente com o próton, provocou outra grande dificuldade para os físicos, qual seja, a de explicar a razão dos prótons não se repelirem pela força coulombiana (eletromagnética) no interior do núcleo. Para resolver essa dificuldade, ainda em 1932, os físicos, o alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976; PNF, 1932) (Zeitschrift für Physik 77, p. 1), o russo Dimitrij Iwanenko (1904-1994) (Nature 129, p. 798) e o italiano Ettore Majorana (1906-1938) propuseram a hipótese de que os prótons e os nêutrons, enquanto partículas constituintes do núcleo atômico se comportavam como partículas únicas – os núcleons – que interagiam por intermédio de uma força atrativa capaz de superar a repulsão coulombiana. Ainda em 1932 (Zeitschrift für Physik 78, p. 156), Heisenberg defendeu a ideia de que os núcleons deveriam se caracterizar por um novo número quântico, o hoje conhecido spin isotópico ou isospin (I). Segundo nos fala o romancista italiano Leonardo Sciascia (1921-1989), em seu livro Majorana Desapareceu (Rocco, 1991), Majorana formulou a Teoria dos Núcleons seis meses antes de Heisenberg. Depois de apresentá-la aos seus colegas do Instituto de Física da Universidade de Roma, se recusou a publicá-la, bem como proibiu que seu colega Fermi o apresentasse no Congresso de Física que iria ser realizado em Paris.
A ideia da energia de ligação entre núcleons ainda foi tratada por Heisenberg, em 1933 (Zeitschrift für Physik 80, p. 587), ao mostrar que essa energia aumentava de uma maneira aproximadamente igual ao número de núcleons. Em vista disso, afirmou que a partícula α apresentava uma estrutura de saturação dessa energia. Essa ideia foi logo contestada por Majorana em trabalho publicado ainda em 1933 (Zeitschrift für Physik 82, p. 137; Ricerca Scientifica 4, p. 559), ao afirmar que era o dêuteron (núcleo do hidrogênio pesado: 1H2 = 1D2) e não a partícula α que era completamente saturada pela “força de Heisenberg”. Observe-esse que o 1D2 foi descoberto, em 1932 (Physical Review 39, p. 164; 864; 40, p. 1), pelos químicos norte-americanos Harold Clayton Urey (1893-1981; PNQ, 1934), Ferdinand Graft Brickwedde (1903-1989) e George Moseley Murphy (1903-1969).
A polêmica da “força de Heisenberg” foi finalmente resolvida, em 1935 (Proceedings of the Physical Mathematics Society of Japan 17, p. 48), quando o físico japonês Hideaki Yukawa (1907-1981; PNF, 1949) propôs que aquela “força” decorria da troca entre eles da partícula U (como a denominou Yukawa), porém sua massa deveria ser mU = 200 me (sendo me a massa do elétron). Para chegar a esse valor, Yukawa admitiu que a energia potencial V de dois núcleons em repouso seria dada por: , onde A uma é constante e . Portanto, para Yukawa a força nuclear [mais tarde chamada de força (interação) forte] era de curto alcance e mediada (em analogia com a troca de fótons entre elétron e próton no átomo de H, conforme visto acima) por uma partícula de massa intermediária entre a massa do elétron (me) e a massa do próton (mp), razão pela qual a mesma ficou conhecida, inicialmente, como yukon, mesotron e, hoje, méson pi (π). É oportuno registrar que a existência dessa partícula foi confirmada nas experiências realizadas, em 1947 (Nature 159, p. 694), pelos físicos, o brasileiro Cesare (César) Mansueto Giulio Lattes (1924-2005), os ingleses Hugh Muirhead (1925-2007) e Sir Cecil Frank Powell (1903-1969; PNF, 1950), e o italiano Guiseppe Paolo Stanislao Occhialini (1907-1993), nas quais observaram que a incidência de raios cósmicos em emulsões nucleares colocadas nos Alpes (Suíça) e em Chacaltaya (Bolívia) produzia dois tipos de mésons: primários (hoje, múons – μ) e secundários (hoje, píons – π).
Assim, a descoberta de mais duas forças (interações) na Natureza elevava para quatro o número das forças naturais: gravitacional, eletromagnética, fraca e forte. Tais forças, no entanto, são bem distintas, pois suas constantes de acoplamento, em valores aproximados, valem, respectivamente: 10-39, 10-2 , 10-10 e 10.
Durante mais de 20 anos, essas quatro forças (interações) permaneceram independentes, pois, conforme vimos anteriormente, a tentativa de unificar (via geometrização) as duas primeiras foi malograda. Diferentemente dessa via geométrica, a tentativa de unificar aquelas forças começou a ser viabilizada, graças ao desenvolvimento das Teorias de “Gauge” (“Calibre”). Vejamos como isso ocorreu. Em 1954 (Physical Review 96, p. 191), os físicos, o sino-norte-americano Chen Ning Yang (n.1925; PNF, 1957) e o norte-americano Robert Laurence Mills (n.1927), propuseram uma Teoria de “Gauge” não-Abeliana para estudar a interação forte. Registre-se que, em 1955, o físico inglês Ronald Shaw (n.1929) defendeu sua Tese de Doutoramento, sob a orientação do físico paquistanês Abdus Salam (1926-1996; PNF, 1979), na qual havia uma proposta semelhante à de Yang-Mills. No entanto, por não ser renormalizável para bósons (partículas que têm spin zero ou inteiro) massivos, essa Teoria de Yang-Mills-Shaw (TYMS) não poderia descrever as interações fracas, já que essas são mediadas por partículas massivas, conforme a proposta apresentada por Klein, em 1938 (Journal de Physique et le Radium 9, p. 1). Segundo essa proposta, o decaimento β seria mediado por bósons vetoriais (spin = 1) massivos e carregados, aos quais denominou de ω (hoje, W). Assim, para Klein, esse decaimento seria dado por (em notação da época): n → p + ω- → e- + ν.
A ideia de as interações fracas serem mediadas por bósons vetoriais aventadas por Klein, conforme vimos acima, foi retomada, em 1957 (Annals of Physics NY 2, p. 407), pelo físico norte-americano Julian Seymour Schwinger (1918-1994; PNF, 1965) e, em 1958 (Physical Review 109, p.109), pelos físicos norte-americanos Richard Phillips Feynman (1918-1988; PNF, 1965) e Murray Gell-Mann (n.1929; PNF, 1969), em sua proposta da famosa Teoria V-A, que universalizou a interação fraca, e segundo a qual esse tipo de interação poderia ser devido à troca dos bósons kleinianos. Estimulado pela leitura do trabalho de Feynman-Gell-Mann, o físico brasileiro José Leite Lopes (1918-2006), ainda em 1958 (Nuclear Physics 8, p. 234), publicou um artigo no qual considerou que a constante de acoplamento da interação eletromagnética (constante de estrutura fina α ≈ 1/137 ≈ 10-2) com a matéria seria igual à constante de acoplamento da interação fraca (GW) também com a matéria, isto é: α = GW. Desse modo, Leite Lopes propôs que a interação elétron-nêutron só poderia ser realizada por intermédio de um bóson vetorial neutro, o hoje conhecido Z0, chegando a estimar a sua massa em cerca de 60 massas do próton (mp). Observe-se que trabalhos semelhantes a esses relacionados com a unificação das interações fraca e eletromagnética foram realizados, ainda em 1958, pelos físicos norte-americanos Sidney Arnold Bludman (n.1927) (Nuovo Cimento 9, p. 433) e Gerald Feinberg (1933-1992) (Physical Review 110, p. 1482); em 1959, por Salam e o físico inglês John Clive Ward (n.1924) (Nuovo Cimento 11, p. 568), e pelo físico norte-americano Sheldon Lee Glashow (n.1932; PNF, 1979) (Nuclear Physics 10, p. 107 (este trabalho fez parte de sua Tese de Doutoramento, orientada por Schwinger e defendida em 1958); e Gell-Mann (Review of Modern Physics 31, p. 834); e, em 1960 (Physical Review 119, p. 1410), pelos físicos sino-norte-americanos Tsung-Dao Lee (n.1926; PNF, 1957) e Yang.
A TYMS voltou a ser objeto de pesquisa por parte do físico japonês Yoichiro Nambu (n.1921; PNF, 2008) ao descobrir, em 1960 (Physical Review Letters 4, p. 382), a quebra de espontânea de simetria nessa teoria, usando uma analogia com a supercondutividade. Esta descoberta foi confirmada, em 1961, pelo físico inglês Jeffrey Goldstone (n. 1933) (Nuovo Cimento 19, 154) e, também, por Nambu e G. Jona-Lasínio (Physical Review 122; 124, p. 345; 246). Esses trabalhos mostravam que essa quebra de simetria era acompanhada de partículas não-massivas, logo denominadas de bósons de Nambu-Goldstone (bN-G). Em 1964, em trabalhos independentes, os físicos, o inglês Peter Ware Higgs (n.1929) (Physics Letters 12, 132; Physical Review Letters 13, p. 508), os belgas François Englert (n.1932) e Robert Brout (n.1928) (Physical Review Letters 13, p. 321), e G. S. Guralnik, C. R. Hagen e o físico indiano-inglês Thomas Walter Bannerman Kibble (n.1932) (Physical Review Letters 13, p. 585), encontraram um mecanismo que tornava massivos os bN-G. Esse mecanismo ficou conhecido como mecanismo de Higgs, e o bóson de spin nulo correspondente de tal mecanismo, como bóson de Higgs (bH), de massa mbH = 166 Gev/c2. É oportuno registrar que, em 08 de janeiro de 2007, o grupo de físicos do Collider Detector Facility (CDF) no FERMILAB (USA), anunciou que mbH = 153 Gev/c2. Destaque-se, também que, em 23 de fevereiro de 2007 (Physical Review Letters 98, p. 081802), Xiao-Gang He, Jusak Tandean e G. Valência anunciaram a possível evidência de um bH pseudoescalar leve no seguinte decaimento: .
A unificação das forças eletromagnética e fraca especulada nos trabalhos referidos acima foi finalmente formalizada nos artigos do físico norte-americano Steven Weinberg (n.1933; PNF, 1979), em 1967 (Physical Review Letters 19, p. 1264) e de Salam, em 1968 (Proceedings of the Eighth Nobel Symposium, p. 367), a conhecida Teoria Eletrofraca. Segundo essa teoria, baseada no grupo , a força eletrofraca é mediada por quatro quanta: o fóton ( ), partícula não-massiva e mediadora da interação eletromagnética e os bósons vetoriais ( ) (a notação de Z0 foi sugerida por Weinberg), de massas respectivas: ≈ 87 mp e ≈ 97 mp. Observe-se que nessa Teoria de Salam-Weinberg (TSW), as constantes de acoplamento das interações, a eletromagnética (α) e a fraca (GW) são relacionadas por: α = GW sen (θW), onde θW é o ângulo de Weinberg. E mais ainda, nessa TSW, inicialmente as partículas têm massa nula e estão sujeitas à simetria “gauge”. No entanto, por intermédio do mecanismo de Higgs, do qual participam o dubleto Higgs (H+, H0) e seu antidubleto ( ), há a quebra espontânea dessa simetria, ocasião em que o fóton (γ) permanece com massa nula, porém os adquirem massas por incorporação dos bósons carregados ( ), ao passo que Z0 adquire massa de uma parte dos bósons neutros ( ), ficando a outra parte ( ) como uma nova partícula bosônica escalar (spin 0), o referido bH. (Salam, op. cit.). Registre-se que uma simetria de um sistema é dita quebrada espontaneamente se o mais baixo estado do sistema é não-invariante sob as operações dessa simetria (ver no Apêndice, o desenvolvimento teórico dessa quebra espontânea de simetria).
Por outro lado, a TSW apresentava uma grande dificuldade, pois ela não era renormalizável, ou seja, apareciam divergências (infinitos) nos cálculos envolvendo os quatros quanta, característicos dessa teoria. Para contornar essa dificuldade, em 1971 (Physical Review D3, p. 1043), Glashow e o físico grego-norte-americano John Iliopoulos (n.1940) examinaram o cancelamento (renormalizabilidade) na TYMS. Ainda em 1971, o físico holandês Gerardus ´t Hooft (n.1946; PNF, 1999) publicou dois artigos nos quais estudou aquele cancelamento. No primeiro (Nuclear Physics B33, p. 173), ele usou bósons vetoriais não-massivos e não considerou o mecanismo de quebra espontânea de simetria de Guralnik-Hagen-Kibble-Brout-Englert-Higgs; e, no segundo (Nuclear Physics B35, p. 167), ele trabalhou com partículas massivas e o mecanismo referido acima. Por outro lado, o físico holandês Martinus Justinus Godefridus Veltman (n.1931; PNF, 1999), que havia sido orientador da Tese de Doutoramento de ´t Hooft, observou que o modelo de regularização dimensional de ´t Hooft só eliminava os infinitos dos diagramas de Feynman de dois laços. Porém, para mais de dois laços, os infinitos permaneciam. Assim, em 1972 (Nuclear Physics B44; B50, p. 189; 318), ´t Hooft e Veltman desenvolveram o modelo de regularização dimensional contínua que conseguia eliminar todos os infinitos dos diagramas de Feynman. É oportuno destacar que, ainda em 1972, os físicos argentinos Juan José Giambiagi (1924-1996) e Carlos Guido Bollini (1926-2009) (Nuovo Cimento B12, p. 20; Physics Letters B40, p.566) e o koreano-norte-americano Benjamin W. Lee (1935-1977) (Physical Review D5, p. 823), desenvolveram o mesmo tipo de regularização. Desse modo, os trabalhos de ´t Hooft, Veltman, Giambiagi, Bollini e Lee conseguiram resolver a grande dificuldade da TSW, ou seja, a sua renormalização. Estava assim completada a teoria da força (interação) eletrofraca. Só faltava a detecção de suas partículas mediadoras: . Para detalhes dos trabalhos de ´t Hooft e Veltman, ver: Martinus Veltman, Facts and Mysteries in Elementary Particles (World Scientific, 2003). Note-se que a renormalização [termo cunhado pelo físico norte-americano Robert Serber (1909-1997), em 1936] é um método pelo qual os infinitos de uma Teoria de Campo (TC) são absorvidos em seus parâmetros livres, de modo que resultam valores finitos nos cálculos, em todas as ordens de perturbação, para todos os observáveis envolvidos nos fenômenos físicos tratados pela TC.
A primeira evidência experimental de correntes leptônicas neutras, as que envolvem a partícula Z0, aconteceu em 1973 (Physics Letters B46, pgs. 121; 138), quando 55 pesquisadores da câmara de bolhas “Gargamelle” do CERN, sob a liderança do físico francês Paul Musset (1933-1985), realizaram uma experiência da interação de neutrinos ( ) com a matéria nuclear. Essa evidência foi confirmada por dois grupos de pesquisadores [em um deles, com a presença do físico italiano Carlo Rubbia (n.1934; PNF, 1984)] do então Fermi National Laboratory (hoje, FERMILAB), em 1974 (Physical Review Letters 32, 33, p. 800; 448). Por fim, em 1983 (Physics Letters 122B, p. 103; 476; 126B, p. 398; 129B, p. 130; 273), os bósons mediadores da interação eletrofraca foram confirmados nas experiências realizadas no CERN, sob a liderança de Rubbia e o do físico e engenheiro holandês Simon van der Meer (1925-2011; PNF, 1984). As massas desses bósons determinadas nessa experiência, foram:

.

É oportuno destacar que a importância da descoberta do bH decorre do fato de que no Modelo Padrão da Física das Partículas Elementares, modelo este composto pela TSW e pela Quantum Cromodynamics (“Cromodinâmica Quântica” – QCD) [que explica a força forte (mediada pelo glúon, que liga os quarks)], a massa das partículas é um parâmetro, ou seja, ela é dada em função da massa do elétron (me) cujo valor é determinado experimentalmente, valor esse que decorre das experiências de Thomson, em 1897, que calculou a relação e/me, e os experimentos do físico norte-americano Robert Andrews Millikan (1868-1953; PNF, 1923), para determinar a carga do elétron (e), a partir de 1906.
Concluindo este artigo, é oportuno fazer alguns comentários sobre o título do mesmo. O nome A Partícula Deus foi cunhado pelo físico norte-americano Leon Max Lederman (n.1922; PNF, 1988) no livro que escreveu com o escritor norte-americano Dick Teresi e intitulado: The God Particle: If the Universe Is the Answer, What Is the Question? (Delta Book, 1994), no qual há uma descrição histórico-conceitual da Física das Partículas Elementares e, portanto, envolvendo essa “misteriosa” partícula que é a responsável pela massa das partículas, segundo vimos acima. Aliás, sobre o título principal desse livro, há o seguinte esclarecimento em sua página 22: – Why God Particle? Two reasons. One, the publisher wouldn´t let us call it the Goddamn Particle, though that might be a more appropriate title, given its villainous nature and the expense it is causing. And two, there is a connection of sorts, to another book, a much older one … (“Por que Partícula Deus? Duas razões. Uma, o editor não permitiu que eu a chamasse de Partícula Maldita, embora ele possa ser um título apropriado, o mesmo supõe sua natureza infame e causa prejuízo. Dois, existe uma conexão natural a outro livro, e muito mais velho…”). É oportuno dizer que Lederman se refere a Bíblia pois, em seguida a essa afirmação, ele cita uma passagem do Gênesis 11:1-9.
Agora, vejamos a outra “Partícula Divina”, a Z0, que é citado por Salam (op. cit.). Vejamos o contexto dessa citação. A força (interação) eletrofraca como decorrente da unificação entre as forças (interações) eletromagnética e fraca apresentava um sério problema: enquanto a eletromagnética é invariante pelo operador paridade (P) [P( ) = P (- ), isto é, a imagem especular (o reflexo em um espelho plano) é idêntica a sua imagem real], a fraca, no entanto, quebra essa paridade conforme foi demonstrado, em 1956 (Physical Review 104, p. 254), por Lee e Yang. No entanto, o primeiro trabalho realizado no sentido de calcular a força fraca entre os elétrons e núcleos (atômicos e moleculares) foi realizado pelo físico russo Yakov Borisovich Zel´dovich (1914-1987), em 1959 (Zhurnal Eksperimental´noi i Teoretiskoi Fiziki 36, p. 964). Mais tarde, em 1965 (Physical Review 138B, p. 408), o físico e astronauta norte-americano F. Curtis Michel (n.1934) apresentou a seguinte forma do potencial da força fraca, com violação de paridade, para baixas energias:

Vff =

,

onde me, , , são, respectivamente, a massa, o spin, o momento linear e a posição do elétron, e são os spins do próton e do nêutron, GF = 2,19 10-14 u.a. (unidades atômicas) é a constante de acoplamento da interação de Fermi, QW(Z,N) é a constante efetiva de carga fraca, que depende do modelo particular de interação fraca considerada para o núcleo de Z prótons e N nêutrons, e é a delta de Dirac.
Conforme vimos acima, as primeiras experiências sobre o espalhamento de neutrinos (ν) com a matéria nuclear, envolvendo corrente neutra fraca (com a participação de Z0) foram realizadas em 1973, no CERN, sob a liderança de Paul Musset e, em 1974, no hoje FERMILAB, sob a liderança de Rubbia. Em vista desse resultado, os físicos franceses Marie-Anne Bouchiat (n.1934) e Claude C. Bouchiat (n.1932), em 1974 (Physics Letters 48B, p. 111), começaram a analisar, sob o ponto de vista teórico, os efeitos da corrente neutra fraca em átomos. Desse modo, de acordo com a previsão desses pesquisadores, ocorreria uma pequena violação da paridade na absorção da luz pelos átomos, principalmente os pesados (Z alto), pois demonstraram que aqueles efeitos eram proporcionais a Z5. Em vista disso, várias experiências foram idealizadas com o objetivo de observar a violação da paridade em átomos pesados. Entretanto, como esses efeitos eram muito pequenos, as dificuldades experimentais eram enormes, razão pela qual somente na primeira metade da década de 1980 foram confirmados aqueles efeitos. [Marie-Anne Bouchiat and L. Pottier, Scientific American p. 76 (June 1984)]. É interessante registrar que essas experiências, muito refinadas e precisas, apesar de serem realizadas em baixas energias, comprovaram também a TSW.
O potencial de Curtis Michel indicado acima foi usado pelos químicos R. A. Hegstrom, J. P. Chamberlain, K. Seto e R. G. Watson, em 1988 (American Journal of Physics 56, p. 1086) e, com ele, obtiveram uma representação pictórica do átomo quiral de hidrogênio (H). Basicamente, eles mostraram que a força eletrofraca nesse átomo é assim especificada: a força eletromagnética exercida pelo próton sobre o elétron faz com que o elétron descreva uma órbita curvilínea em torno do próton; por outro lado a força fraca exercida também pelo próton sobre o elétron faz com que este descreva uma hélice de mão-direita em torno do próprio próton, uma vez que a força fraca tende a alinhar o do elétron na direção de seu spin ( ). É oportuno destacar que a imagem especular do átomo quiral descrito acima, isto é, o movimento do elétron em forma de uma hélice de mão-esquerda, não existe na Natureza, por razões que até hoje (janeiro de 2012) não sabemos.

Cálculos usando o potencial de Curtis Michel mostram que devido à força fraca a energia de uma molécula na configuração (enantiômero) L (-) [levógira (mão-direita)] é diferente da energia de sua configuração D(+) [dextrógira (mão-esquerda)]. Por exemplo, alguns L-aminoácidos (proteínas) e D-açúcares (ácidos nucléicos) teriam energias menores que as suas respectivas formas D e L. De acordo com esses cálculos, as diferenças de energia são extremamente pequenas, estando entre 10-17 – 10-14 kT, onde k é a constante de Boltzmann e T = 300 K, a temperatura. Para explicar essa seleção natural, modelos teóricos de reações químicas foram propostos onde estão presentes reações de auto-análise e inibição mútua, surgindo, contudo, efeitos não-lineares na dinâmica química dessas reações. Para poder explicar tais efeitos, D. K. Kondepudi e G. W. Nelson, em 1984 (Physica 125A, p. 465), consideraram o efeito das correntes neutras fracas num esquema (teórico) de reações químicas, fora do equilíbrio termodinâmico. Em 1990 [Scientific American p. 98 (January, 1990)], Hegstrom e Kondepudi demonstraram que se as reações químicas ocorrem em um sistema onde as perturbações são pequenas, a produção do enantiômero de menor energia seria amplificada, pois as forças fracas favoreceriam esse mesmo enantiômero. Desses trabalhos, ficou claro que a pequena diferença de energia entre os enantiômeros, devido à força fraca, é suficiente para quebrar a aquiralidade da sequência de reações racêmicas, e favorecer a vida quiralmente assimétrica, tal como a conhecemos hoje. [José Maria Filardo Bassalo e Mauro Sérgio Dorsa Cattani, Revista Brasileira de Ensino de Física 17, p. 224 (1995); Contactos 10, p. 20 (1995)].
Desse modo, considerando que a Química da Vida se deve à força eletrofraca, Salam (op. cit.) escreveu a seguinte frase: – Existe uma certeza cada vez maior de que a força eletrofraca é a verdadeira força da vida e que DEUS criou a partícula Z0 para fornecer a quiralidade às moléculas da vida. Assim, creio que podemos dizer que Z0 é a verdadeira PARTÍCULA DE DEUS.
No fecho deste artigo, sobre o bH, é interessante colocar a seguinte pergunta apresentada pelo astrofísico brasileiro Mario Novello (n.1942) na Revista Cosmos e Contexto 1, Dezembro de 2011: – Caso seja descoberto o bóson de Higgs, cujo campo escalar é o responsável pelas massas das demais partículas,quem dá massa àquele que dá massa?

APÊNDICE

Introdução às Teorias de “Gauge” e Quebra de Espontânea Simetria

Introdução – A Transformação de “Gauge” foi introduzida pelo matemático e físico alemão Hermann Klaus Hugo Weyl (1885-1955), em 1919 (Annals of Physik 59, p. 101), em uma tentativa, sem sucesso, de unificar o eletromagnetismo com a gravidade, em uma teoria geométrica. Mais tarde, o físico russo Vladimir Aleksandrovich Fock (1898-1974), em 1926 (Zeitschrift für Physik 39, p. 226) e o próprio Weyl, em 1929 (Proceedings of the National Academy of Sciences 15, p. 232; Zeitschrift für Physik 56, p. 330) mostraram que o eletromagnetismo apresentava uma simetria local por intermédio de uma transformação pela qual o campo elétrico sofre uma mudança de fase, que pode variar linearmente de um ponto a outro do espaço-tempo, e que o potencial vetor eletromagnético ( ) experimenta uma Transformação de “Gauge” correspondente e hoje conhecida como simetria “Gauge” ou grupo U (1). Note que essa simetria é a base da hoje Eletrodinâmica Quântica, cujos primeiros trabalhos foram escritos pelo físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902-1984; PNF, 1933), em 1927 (Proceedings of the Royal Society A114, p. 243; 710). Posteriormente, mostrou-se que a Teoria Relativista da Gravitação é um segundo exemplo histórico de uma Teoria de Campo de “Gauge”, cujo grupo correspondente é o GL4.

A) GRUPO U(1) – Invariância de Fase

Seja o Lagrangeano (Energia Cinética – Energia Potencial) de um campo escalar complexo:

. (1)

Para a transformação de fase global : , vê-se que:

, (2)

pois:

,

e:

.

Para uma transformação de fase local: , vejamos se expressão (1) é invariante. Tomemos essa expressão para essa transformação:

. (3)

Agora, vejamos se (3) é invariante para a transformação acima referida. Assim, vamos desenvolver a expressão (3).

Chamando: = αμ , a expressão acima ficará:

, (4a)

. (4b)

Levando-se (4a,b) em (3), resultará:

. (5)

Comparando-se (5) e (1), vê-se que:

. (6)

Para que o Lagrangeano L seja invariante pelo grupo local [U(1)], é necessário incorporar na definição de derivada, um “campo compensador”. Desse modo, vamos considerar a derivada covariante definida por:

. (7)

Agora, consideremos que o potencial vetor sofra a seguinte transformação:

. (8)

Seja, agora, o seguinte Lagrangeano:

. (9)

Estudemos a invariância desse Lagrangeano para a transformação de fase local: .

. (10)

Considerando-se as expressões (7,8), teremos:

.

Usando-se a expressão (4b), a expressão acima ficará:

. (11)

A expressão (11) mostra que o Lagrangeano é um invariante sob a transformação de fase local.

B) GRUPO SU(2) – Invariância Isotópica

Seja o Lagrangeano livre dos núcleons:

, (12)

onde é a matriz de Dirac. É fácil ver que a expressão (12) é invariante pela transformação (grupo) de simetria global:

, (13)

onde são as matrizes de Pauli e que representam os geradores do grupo SU(2). Essa invariância é definida por:

= . (14a,b)

No entanto, para uma transformação (grupo) de simetria local:

, (15)

o Lagrangeano dado pela expressão (12) não é mais invariante. Vejamos porque.

, (16)

onde . Como , então: .
Desse modo, para manter a invariância de é necessário considerar um campo de “Gauge” compensador , como no caso anterior, de modo que possamos definir uma nova derivada covariante:

. (17)

Desse modo, o novo Lagrangeano livre dos núcleons passa a ser:

. (18)

Pode-se mostrar que esse Lagrangeano dado pela expressão (18) é um invariante, ou seja: , se:

, (19)

onde é o tensor de Kronecker.

C) CAMPOS DE “GAUGE”

Pelo que vimos até aqui, observa-se que para cada Lagrangeano (L) há necessidade de um campo de “Gauge” para que o mesmo seja invariante por uma transformação (grupo) de simetria local. Portanto, o Lagrangeano , com a derivada covariante definida por:

, (20, 21)

onde é uma conexão de “Gauge”, são os geradores de um grupo contínuo de Lie é que satisfazem a seguinte álgebra de Lie:

, (22)

em que são as chamadas constantes de estrutura do grupo de Lie.

Exemplos: Álgebras de Lie do SU(2) e SU(3) e Lagrangeano de Yang-Mills:

1) SU(2)

, ( = matrizes de Pauli; i = 1, 2, 3)

2) SU(3)

. ( = matrizes de Gell-Mann; i = 1, 2, 3, …., 8)

3) Lagrangeano de Yang-Mills

,

com: , onde é o campo vetorial de Yang-Mills.

I) Bóson de Goldstone

Seja o Lagrangeano:

, (23)

que é invariante por uma transformação de fase global : .
A equação de movimento correspondente (Equação de Euler-Lagrange) corresponde ao Lagrangeano dado pela expressão (23), é dada por:

.(24)

Examinemos o caso em que o campo não depende explicitamente das coordenadas x. Então, neste caso, . Assim, a expressão (24), ficará:

. (25)

Agora, analisemos o gráfico do potencial da equação (23), ou seja:

. (26)

a) Se h < 0 e m2 > 0, seu gráfico mostra que não existe estado ligado e, portanto, esse potencial não tem significado físico.

b) Se h > 0, existem duas situações: m2 > 0 e m2 < 0, em que existem estados ligados ( ).

Pela expressão (26), vê-se que o mínimo do potencial (quando m2 < 0) ocorre para:

. (27a,b)

Desse modo vê-se que as duas soluções não são invariantes pelo grupo global (rotação) e, portanto, a simetria desse grupo é quebrada espontaneamente.

Observação: Uma simetria de um sistema é dita quebrada espontaneamente se o mais baixo estado do sistema é não-invariante sob as operações dessa simetria.

Registre-se que a discussão acima é clássica, porém ela se aplica à Teoria Quântica de Campos quando se toma o valor médio do vácuo diferente de zero, isto é: . Portanto, consideremos o seguinte campo de “Gauge” dado por:

. (28a,b,c)

Com essa consideração, o Lagrangeano original de Goldstone dado pela expressão (23), ficará:

. (29)

Ora, como , , então:

. (30)

Considerando-se que , então:

= ,

pois é escrito em termos de operadores criação e em termos de operadores destruição, para os quais têm-se: .
Em vista do que vimos acima, o Lagrangeano dado pela expressão (29) deve possuir um termo linear em . Então:

, (31a,b)

que é o mesmo resultado obtido pela expressão (27b).
Levando a expressão (31a) na expressão (29), verifica-se que:

1) O campo não tem massa, pois:

. . (32)

2) A massa do campo vale [usando a expressão (31b)]:

. (33)

Conclusão: O quanta de campo de massa nula, é o bóson de Goldstone que aparece quando há uma quebra espontânea de simetria.

II) Bóson de Higgs

O Lagrangeano de Higgs é o Lagrangeano de Goldstone acrescido de um campo de “Gauge” .

. (34)

Observação: A inclusão do termo , com , decorre da necessidade de haver termos proporcionais a derivada de , para que se possa obter corretamente as equações de movimento do campo de Higgs.

O Lagrangeano de Higgs dado pela expressão (34) é invariante segundo as transformações:

. (35a,b)

Agora, examinemos o potencial:

. (36)

Se h > 0 e m2 < 0, então, como no caso anterior, para V = 0, tem-se: .
Também como no caso anterior, façamos:

. (37a,b,c)

Ou:

. (38)

Assim, a invariância de “Gauge” definida acima permanece, se:

. (39a,b,c).

Desse modo, o Lagrangeano de Higgs (visto abaixo) será independente de se:

. (40)

. (41)

Como o termo linear em deve se anular, para que , então [usando (31b)]:

. (42)

Conclusão: No modelo de Higgs temos um campo escalar com massa – 2m2 e um bóson vetorial com massa , que é chamado o bóson de Higgs. Assim, no modelo ou mecanismo de Higgs, o bóson sem massa de Goldstone desaparece e surge um bóson vetorial .

Bibliografia

1) Bassalo, J. M. F. 2006. Eletrodinâmica Quântica (Livraria da Física/SP).

2,3) Bassalo, J. M. F. e Cattani, M. S. D. 2008. Teoria de Grupos (Livraria da Física/SP); ——. 2009. Cálculo Exterior (Livraria da Física/SP).

4) Bollini, C. G. 1978. Teoria General de Campos de Medida (Departamento de Física da USP/São Carlos).

5) Coleman, S. 1973. Secret Symmetry: An Introduction to Spontaneous Symmetry Breakdown and Gauge Fields (International Summer School of Physics Ettore Majorana).

6) Giambiagi, J. J. 1978. Teoria Unificada de Interacciones Debiles y Electromagneticas (Departamento de Física da USP/São Carlos).

7) Goldstone, J. 1961. Nuovo Cimento 19, p. 154.

8) Higgs, P. W. 1964. Physics Letters 12, p. 132.

9) Huang, K. 1982. Quarks, Leptons and Gauge Fields (World Scientific).

10) Gomes, M. O. C. 2002. Teoria Quântica dos Campos (EdUSP).

11) Leader, E. and Predazzi, E. 1983. An Introduction to Gauge Theories and the “New Physics” (Cambridge University Press).

12) Leite Lopes, J. 1981. Gauge Fields Theory: An Introduction (Pergamon Press).

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